秋 (Aki) - Flores sob o precipício (parte II)
Aviso!!!!
Este capítulo contém cenas de agressões e abusos físicos parentais podendo causar gatilhos naqueles que irão ler. Peço cuidado ao lerem afinal são tópicos sensíveis, caso se encontre neste tipo de situação recomendo buscar ajuda ao órgãos responsáveis pela segurança e apoio psicológico.
Desejo uma boa leitura e peço desculpas por eventual desconforto durante a mesma.
Início do capítulo.
(25/04/2020 - primavera) / Katsumi
Este som estridente, agudo como o arranhar de um quadro me irrita ao ponto de desejar sumir deste mundo. Ignoram minha presença dispersando-se como manada pela saída desta sala, não espero nada de diferente, afinal para todos eles eu sou apenas uma criança anormal.
Nem um minuto se passou e todos já foram, ou quase isso, mais a frente deitado em sua mesa está o representante de turma.
Abro minha lancheira a pondo acima da mesa para que em seu abrir o aroma percorra toda a sala, uma das poucas coisas que eu ainda gosto, cozinhar. Separo meus hashis, antes que eu pudesse comer sua presença vem de encontro a minha carregando em suas mãos outra lancheira.
O sorriso distante brilha entre o alçar e abaixar das cortinas brancas, as mesas de distância logo se tornam irrelevantes consagrando meus olhos com sua presença não tão desejável. Este garoto é estranho em essência, perder seu tempo com alguém como eu, não me parece ser uma escolha inteligente.
No deixar da lancheira retoma a visão para a bolsa transparente que carrega e dela pequenos comprimidos brancos são alvejados por sua mão, o abrir de sua garrafa faz com que a pequena pílula seja alçada aos lábios e logo em seguida, seja envolta pela água.
Gotas escapam de seus lábios vermelhos descendo pelas curvas mais salientes e cheias com às quais foi agraciado devido à genética, pela primeira vez tenho essa visão sua, paladino da justiça.
— Fico feliz em ver seu retorno após a pausa forçada.
Antes eu realmente questionava a necessidade de uma cena como essa, observar ele, mas agora vejo que seus traços vão além de lábios marcantes. Seu olhar, sorriso, nunca havia reparado nesses detalhes que seu rosto possui e sem dúvidas todos esses traços ressoam com os olhos de coloração âmbar. Busco palavras, mas recebo a secura em minha garganta na hora de necessidade, abro a garrafa bebendo de sua água enquanto tais olhos permanecem em mim.
— Mal tive tempo para dizer, desculpa toda a confusão, estou feliz em ver que está aqui e não em outra sala. Sei que não é fácil lidar com esses comentários.
— Agradeço pelos cumprimentos, eu acho, mas é evidente que me odeiam não? Pensava que seria assim com todos já que me julgam de vagabunda por trabalhar em um café pela tarde até a noite.
— Não posso falar por eles, nunca vou, porém, eu estou feliz, desde que entrou nas primeiras semanas me encantou… digo, cativou, é interessante ter você por perto.
— Sei. — esse garoto é curioso. — O que faz aqui? Não vai almoçar? — busco a visão de meu almoço evitando seus olhos. — Lembro-me que os pães costumam acabar rápido.
— Já comprei alguns, se bem que não sou eu quem irá comer eles. — no depositar da sua lancheira em minha mesa vejo pães recheados com chocolate. — Todos saíram menos você, então optei por vir até aqui.
— Não gosto de me enturmar com eles, assim como não gostam de mim, isolados estamos quites acredito eu. — ouço o ruído e logo um sorriso fixa-se nos lábios.
— Vamos almoçar nos campos? — busco seu olhar ao ouvir tal proposta. — Podemos ir para agora e ninguém vai te importunar.
— Não quero, sem falar que podemos facilmente encontrar o Aoshi e eu não quero brigar hoje... outra suspensão seria ruim.
— Ele não vai mais te incomodar, após sua suspensão tivemos um encontro... em um desses dias que não veio nós dois brigamos e eu ganhei minha primeira suspensão na vida, mas sei não que você precise de defesa.
— Quer meus parabéns?
— Não, entretanto. — ele levanta seu dedo indicador. — Quero que almoce comigo, esses pães são para você, trouxe um suco também.
— Está tão disposto a ganhar minha atenção assim? — ajeito-me na cadeira ao notar sua repentina aceleração. — Sabe que sou igual a todas as outras não é?
— Não é igual, é tão única e interessante que me espanta não perceber essa peculiaridade que possuí… é mais divertida que todas elas juntas.
No sentar em minha frente finalmente pude notar algo, é inusitado e talvez comum, mas esse garoto sempre tenta aproximação enquanto eu simplesmente enxoto sua presença. Vejo retirar da sacola um dos pães recheados e duas latas diferentes, uma de suco e outra de café.
— Eu não quero comer com você. — contra meus sentidos o roncar de meu estômago, justo agora estômago. — É serio. — mesmo que eu não goste acabo por sorrir.
— Não é isso que sua barriga diz, apenas pare de ser difícil, podemos compartilhar nossa comida afinal tem bastante para nós dois.
O abrir da tampa revela algo inusitado, colorida de um lado ao outro é a comida. Marcada por legumes e vegetais assim como por arroz, um pouco de molho e pequenas fatias de carne sem deixar de lado algumas salsichas.
— Experimente, eu que fiz, preparei tudo com a maior cautela possível, pois desde o início essa era minha intenção.
— Desde quando tem essa ideia? Almoçar comigo… se aproximar de mim… desde quando mantém esse desejo estranho?
— Desde o dia em que te vi pela primeira vez, sabia que seria alguém legal para conversar.
— Você é um tanto quanto estranho representante.
— Sim? — seus lábios abrem um sorriso... bonito? Talvez eu esteja doida. — Eu preparei tudo ontem e na manhã de hoje finalizei antes de vir para a escola.
No abrir da segunda lancheira revela mais uma vastidão de alimentos, arroz com algumas sementes de lichia, um pouco de agrião, purê de batata, omelete, carme e por fim salsichas.
— Tanta comida… como consegue comer tanto assim?
— O clube de kendo requer muita energia, acaba que eu preciso me alimentar bem antes das aulas e treinos. — o vejo pescar uma das salsichas decoradas. — Pode comer a vontade, temos comida o suficiente.
— Hashis amarelos, gosta mesmo de amarelo não é?
— Na verdade, não, amarelo não é minha cor favorita, mas pensei que hoje seria bom usar... também eram os remanescentes dentro de meu armário.
— Então está bem, obrigado pela refeição garoto curioso. — uno minhas palmas em oração e antes de mais nada agradeço pela comida. — Comerei bem.
— Obrigado pela refeição. — o vejo fazer seu agradecimento, para no fim voltar a salsicha.
No pescar do alimento cortado como se fosse um polvo, gosto mais inusitado para alimento devo apontar, acima do arroz a deixa e logo põe diante de meu olhar aquela que preparou para mim. Comparado a sua eu apenas preparei o básico, uma omelete, arroz e tomate acompanhados por azeite. Acabo por fechar a que preparei retornando-a para minha bolsa, ao ver que ganhou abre mais seu sorriso.
— Aqui, prove.
— Isso é no mínimo invasivo… posso comer sozinha.
— Eu sei, mas ainda assim fiz. — mesmo ásperas ainda não conseguem afastá-lo. — Desculpa, mas é que eu estou bem ansioso para isso, será a primeira vez em que alguém come comigo.
— Possui amigos, aqueles dois que parecem um casal, mas que se odeiam. Eles parecem seus amigos mais que qualquer outro na sala.
— Não é a mesma coisa.
Provo da comida sentindo seu sabor, não sei se isso de fato este genuinamente bom ou apenas possui um gosto bom devido a sua presença cômica, por que sinto esse calor em minha face tão repentinamente? Mal vejo a hora deste calor de primavera acabar e eu finalmente deixar essa estação desconfortante.
— Por que fez isso tudo? Não me refiro a quantidade de comida, mas sim a estar diante de minha presença. — vejo o silêncio o consumir por um instante. — Não vejo como poso ser uma pessoa boa para você, talvez esteja pensando de mais em coisas indevidas.
— Apenas quero, não há muitos motivos para isso quando tudo que preciso saber é que desejo estar com você.
— Você certamente não faz sentido senhor representante, mas admito que possui minha atenção.
— Admito que sou. — sua mão cruza minhas linhas de distância e sem poder reagir sinto o restaurar de meus fios ao estado original. — Gosto de ser estranho, mas posso dizer que a única capaz de normalizar isso.
— O clube de kendo realmente casa com você.
— Tenho a mesma impressão quando olho para você, sua reclusa no arco e flecha destaca o quão empenhada é.
Quando o cair das rosadas pétalas de cerejeira se fizeram presentes na sala um silêncio súbito tomou-me assim como a ele, sorri e pela primeira vez desde minha entrada a escola senti algo próximo da felicidade. Esse sorriso parece com seu brilho único ao qual eu nunca poderia esquecer, mesmo sem família você sorria como ele. Sua presença assemelha-se a ele e isso me dói apesar de confortar meu amago solitário que anseia por sua volta de um mundo distante, pai.
(31/08/2020 - verão)
Abro meus olhos tendo em vista a mesma paisagem, o clima ameno e a baixa luminosidade pelo terreno de difícil acesso neste horário. Essas estradas não... me lembram de meu avô e avó que partiram neste mesmo lugar há tantos anos que mal lembro.
No virar subimos a curva seguindo a estrada até a casa qual jamais poderei esquecer, um último presente de um homem que não conheço e pelo tempo é certeza de que não Irei conhecer.
Busco o aparelho no chão, sem sinal, desfaço o contato com a tela e pelo retrovisor noto a bagunça em minha cabeça, fios rebeldes como minhas atitudes... seus olhos mais atentos desgrudam do livro e em seu virar um sorriso singelo, a única coisa brilhando em meio a este mar de breu. Mãe, como pode ser tão bela mesmo em momentos não tão oportunos?
No escutar da melodia ao qual nomeia de esperança desliza seus dedos pelo painel buscando o elevar da sonoridade. Essa energia que exala é algo incomparável, mesmo que tenha se casado mais uma vez e ainda sendo contra admito que permanece radiante como sempre.
— Katsumi, logo estaremos em casa. Quando chegarmos vou preparar o melhor jantar que já fiz!
— Querida, lembre-se que não pode se esforçar, nossa menina logo irá nascer. — vejo seu tocar à barriga com certo volume. — O jantar será por minha conta, você vai descansar e eu vou cuidar de tudo.
— Espero que ela nasça logo mãe, quero poder ser uma boa irmã mais velha. — escuto as palavras de minha acompanhante. — Cuidarei dela tão bem quanto cuido de Katsumi.
— Tenho certeza de que será uma boa irmã, assim como você minha querida Katsumi. — os dedos franzinos escorregam por minha face. — Nossa pequena Harumi se sentirá tão amada por nós que será sua melhor amiga.
— Ela é tão pequenina e já tão amada, fico feliz em ver esse amor todo. — sua voz masculina... não gosto dele, mas preciso por ela. — Seremos unidos na criação dela querida.— Ele está certo mãe. — nossos olhares se encontram pelo retrovisor. — Admito.
— Por isso eu amo as mulheres de minha vida, antes era apenas eu e Mai, agora tenho você meu amor e Katsumi. Harumi será uma benção entre nós.
O desviar de seus olhos se focam nos lábios que esboçam um sorriso terno, sua presença ao meu lado se mostra mais alta e radiante. Ela é incandescente para ele, seus olhos passam reto por mim, evitando um segundo encontro e seguem até minha mãe que sorri na mesma intensidade.
Mas pela luzes brancas suas faces são tomadas, engolidas por essa claridade inexplicável que agora nos rode-a. Estou cega para o mundo me sentindo cada vez mais quente com o expandir deste intenso brilho, me mundo parece mais devagar, a leveza conduz meu corpo aos céus e quase como uma manipulação magnética fui atraída até o teto do carro.
Tudo parece rodar em câmera lenta enquanto suas faces de sorrisos marcantes fora se tornando cada vez mais fechadas, apenas se foram como sombras consumidas pela luz que nos devora sem compaixão ou receio.
O pesar de minhas pálpebras se da pela dificuldade de olhar, turvo torna-se meu olhar incapaz de enxergar aquilo que pouco a pouco se forma em minha frente. Minha indo na frente sendo consumida pela luz enquanto o homem com o qual esta casada retornar da luz largando sua mão, fecho meus olhos sentindo sua queda pelas pequenas abertura e não há o que fazer desta vez... até breve, mãe.
(05/09/2020 - outono)
O limiar que transportar a realidade retorna para meu apogeu tão fragmentado, na abertura uma fagulha de luz que caminha pela visão da sala consumida pelo entardecer de um outono tímido e assim confortável. Avermelhado são seus raios que banham todas as mesas em sua direção, entre elas a figura da qual meses em casa não puderam apagar de minhas memórias.
Eu vejo as elusivas lagrimas descerem por seus olhos que me evitam a todo custa, teu semblante vaga através destas cortinas brancas e posso dizer como um truque de mágica minha atenção de volta para você como na primeira vez em que falou comigo.
— Obrigado por voltar, sério, não sei se conseguiria ignorar esse fato por mais tempo. — em minha direção caminha levando a palma contra os olhos marejados. — Sei que no final minha irmã agiu erroneamente, ela provocou tudo e espalhou pela escola.
Diante de minha presença se ajoelha levando ao piso sua testa, essas lágrimas, seu soluço ecoa por minha mente. Por que precisa ser você? Eu não queria que fosse você, eu juro, Akechi.
— Todas aquelas outras agressões… peço perdão por não ter conseguido impedir.
— Não quero desculpas de você, até quando vai tomar a culpa por algo que não fez. — levanto minha postura. — aceite que foi o único que não me feriu diferente da maioria aqui.
Suas únicas feridas, ao menos a única que conseguiu cometer contra mim não foi física, pelo contrário, fez mal ao meu coração e nem sequer percebeu isso nesses meses que se passaram tão rápidos.
— Posso possuir mais culpa que qualquer outro, eu vi tudo, eu sei de tudo e ainda assim eu apenas assisti com medo de algo maior. — seus olhos repousam sob minha face. — Ainda mais depois daquela noite onde eu cometi o maior dos erros.
— Me ignorou por completo, eu não sei o que se passa com você, nem quão instável é sua vida... fui sincera com minhas emoções conflitantes.
— Não duvido, esse é meu maior arrependimento desde nosso último encontro. — levanta-se do piso. — Fui deselegante em seu momento mais triste, mas eu realmente queria te proteger de uma escolha errada.
— Akechi. — balanço minha cabeça rejeitando suas falas, jamais será sua culpa. — Tudo que agora está acontecendo é culpa única e exclusivamente minha. Você é apenas o irmão de uma, não de todas as agressoras, mas não se preocupe, eu pretendo desistir desta escola antes de precisar se entristecer por minha causa.
— Não pode. — os passos desajeitados encurtam nossa distância. — Após todos esses dias já passados, eu vi você cair um milhão de vezes e se levantar. Não pode fazer isso agora, eu prometo que estarei do seu lado como nunca estive.
— Acredite, — respiro, não é fácil pensar desta forma. — eu também queria, mas não desejo me machucar mais. Estou casada disso tudo, dessa escola, das ofensas, olhares, agressões, inclusive de minha vida.
— Eu quero poder te salvar da dor que você vem passando, não vou mais fechar meus olhos e se isso será tudo que eu posso fazer… então que seja, farei meu melhor para alterar este resultado.
— Akechi.
Fecho meus olhos para sua expressão, os braços percorrem meu corpo selando o toque apertado de um garoto tão injusto e ainda assim que se põe neste lugar ruim. O molhar através de gotas cintilantes sinto em meus ombros, posso sentir o quanto se importa comigo apesar de ainda compartilhar seu sangue com aquela garota.
Consigo ouvir o descompasso de seu coração, assim como poso sentir a ausência de um único ritmo em sua respiração, por um lado é uma surpresa imaginar que possa nutrir algo tão forte por uma pessoa tão comum quanto eu e pelo outro sou eternamente grata a essa emoção da qual desconheço.
Elevo minhas mãos até suas costas afagando-a, eu queria que você fosse uma pessoa mais feliz e não alguém que chora assim. Acabo por sorrir frente a essa nova faceta, Akechi, eu não tenho coragem para dizer isso em voz alta espero não ter essa coragem, mas eu compartilho deste sentimento tão terno que aquece meu peito.
Espero que você não me odeie após eu sumir de sua vida, mais alguns meses e eu sairei desta escola sendo apenas uma pequena tempestade que passou por sua vida.
— Por que é tão emotivo assim? Se recomponha, logo os outros estarão aqui, não vai querer que eles te vejam ao meu lado.
— Quero que eles morram, se eu não puder estar aqui e te proteger como representante… não quero estar neste posto, tão pouco me interesso por outro alguém além de você. — palavras lançadas entre seu choro, devo dizer ser fofo apesar de tudo.
Toco seu peito, afasto seu corpo do meu para enfim conseguir fitar os olhos que um dia me foram um porto seguro. Mesmo entre lágrimas sei que carrega um brilho qual não possuo, não é de meu feito portar tal clareza, dou-lhe minhas costas e contra a porta da sala rumo carregando minha bolsa.
— Eu vou ao banheiro. Não me siga, não quero precisar me explicar de novo.
Sem olhar para trás deixo a sala de aula para que o bater desta porta seja nossa última interação tão intimista, passo por passo, meu peito dói como naquela noite onde perdi tudo sem nem mesmo poder contestar a razão.
Frente o espelho do banheiro fito-me, o marejado percorre meu olhar e pela fraqueza caem sem nem mesmo pedirem permissão. Minha imagem neste espelho é meu atual reflexo, a cabeça dói assim como meu peito.
Soluções e mais soluções escapam de mim como se um fragmento de minha alma saísse sem nem mesmo conseguir controlar, me sinto incapaz de enxergar essas emoções com a mesma clareza que um dia tive. Como eu queria que você estivesse aqui nessas horas mais escuras, não sei lidar com essas dificuldades, mãe.
(07/12/2020 - outono)
No cair da noite folhas pela janela foi quando percebi o avanço de tempo, desço as escadas e no puxar da porta de correr viso a sala de estar sendo recebida pela desordem. Deitado pelo chão se encontra agora inconsciente pela bebida, garrafa vazias se acumulam pelos cantos assim como poeira pelo teto.
O odor de álcool é seu perfume natural, esse fedor é como um soco na boca de meu estômago. Ânsia percorrer minha garganta puxando-me para a realidade atual que desagrada minha mente.
Piso com cautela sob a madeira, mas nem mesmo ela pode evitar esse problema chamado Kenta que ao menor dos toques desperta. Os dedos unidos prendem minha meia, o frio percorre minha espinha e sem forças cedo aos meus joelhos incapazes de se mover.
Será sempre assim, no cair da noite minha angústia e pavor dominam meu corpo para que justamente você termine com meu psicológico mais uma vez desde o dia em que ela morreu.
Sou puxada por suas mãos encontrando em seu olhar a definição de pavor, um do qual jamais tive forças para confrontar. Seus dedos circulam por minha perna para logo apalpar minha coxa, com o levantar de minha saia as marcas roxas deixadas por suas mãos.
Meu corpo tenso rejeita isso, cada toque repulsivo, suas palavras baixas até mesmo esse olhar compulsivo... odeio isso ao ponto... seus dedos pressionam minha face e sem pudor atraca seus lábios aos meus como um animal.
É quando cai a noite que percebo o quanto sofro, essa vontade de chorar cresce pouco a pocou em meu peito e em resposta a ela apenas fico aqui quieta segurando minhas lágrimas evitando o pior que pode fazer. A blusa que protege meu corpo rasgada por suas mãos truculentas, as lâmpadas acessas revelam meu corpo marcado por tantos hematomas roxos e amarelos.
— Como a sua mãe. — escuto sua voz oscilar em meus ouvidos.
Contra o piso sou pressionada, lembro da primeira vez em que sofri com isso e comparado a ela não dói mais como doía, mas a sensação de humilhação é brutal e tão sufocante quanto a primeira vez. Busco o espelho revendo a cena de novo e de novo. Meu rosto sem vida enquanto sua presença toma meu corpo em um ato repulsivo, mordo meus lábios e por tal mordida o sangue escorre.
— Vagabunda! — a saliva percorre minha pele a cada movimento seu.
A pressão contra meus quadris torna-se mais violenta, sua palma atinge meu corpo cada vez mais forte, sinto minhas lágrimas caírem contra minha vontade... não darei um pio... esse homem nojento ao qual chamei pai por tantos anos. Para fora pula, sinto a fraqueza percorrer minhas pernas e por ela acabo por ceder sentindo-me suja e humilhada por esse homem repugnante.
Do chão se levanta enquanto ali permaneço agonizando em dores mentais e físicas as quais não consigo denunciar para autoridades.
— Vá se lavar.
Essa frase balança de um lado para o outro em minha mente, mãe, porque teve que morrer? Por que não foi ele? Que espécie de animal faria isso com a própria enteada, eu quero morrer.
Rastejo-me pela própria insignificância deixando a sala, recolho meu corpo ao banheiro e o ligo sentindo a água cair sob minha pele.
Sinto-me suja, podre, marcada por tanta corrupção que mal me lembro quando fora a última vez onde eu apenas pude chegar e não ouvir palavras como vagabunda, puta, piranha, mal posso lembrar da última vez onde eu cheguei do café e não tive que satisfazer contra meu corpo os desejos desse homem.
Meu corpo sujo e todo machucado, sinto dores as quais não desejava durante o dia e em quase todas as noites isso volta a acontecer como um recorrente pesadelo do qual não posso fugir mesmo que deseje. Abaixo dessa água eu percebo o quanto minha vontade é apenas uma, sumir deste mundo deixando tudo para trás sem sequer pensar no quão errado isso pode ser.
Fecho meus olhos sendo consumida por esse anseio devastador, foi bom enquanto durou não é Katsumi? Apalpo a lâmina sentindo seu frio percorrer minha pele molhada, a sutura escura pelo transpassar evoca o revirar de meus anseios obscuros e tão sofríveis.
As batidas á porta evocam meu retorno de tais pensamentos, escuto seus movimentos e logo o bater de sua cabeça na madeira. Como nas outras vezes ele retorna, sempre assim, isso nunca muda.
— Desculpa pela minha ação, eu perdi a cabeça.
— Hum.
— Está difícil, eu queria muito que não fosse assim.
— De novo essas palavras... apenas morra como ela.
Fecho meus olhos e com o arrepiar em minha espinha retorna, eu deveria morrer como ela antes que coragem para tal ato deixe minhas emoções... eu desejo apenas sumir deste mundo.
Notas do capítulo!
Apenas gostaria de dizer que esse capítulo provavelmente é um dos mais tensos e desgastantes que já escrevi. Esse tema surgiu durante a restruturação da obra, foi baseado em um relato que acabei me deparando durante as pesquisas e achei importante mostrar essa realidade triste no Japão por meio da história.
Era apenas isso que desejava dizer nessas poucas palavras, até o próximo capítulo.
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