秋 (Aki) - Fragmento novo
Presente (03/12/2020 - outono)
No final pouco me importa as escolhas ou caminhos que faço, sigo e imagino, todos levarão ao mesmo destino este que se resume em erro atrás de erro. Mais uma vez eu falhei, ao menos desta vez busquei a verdade e não sentimentos que estão longe de meu alcance.
Um tremendo estúpido que jamais suportou viver com os pesos de seus atos no passado, se antes eu tinha medo de que essa fosse sua visão, agora eu tenho certeza de que é.
Piso no acelerador cruzando o sinal verde, frente ao estacionamento entro com o carro fugindo da chuva que percorre este céu.
Chuva, silêncio pelas ruas e a encantadora área isolada, jamais imaginei que fosse estar em Honmachi nestas mesmas condições novamente. Desço do carro abrindo sua porta traseira e dela retiro as bolsas, três sacolas, às vezes me pergunto se ela acredita que eu possa estar comprando suas emoções.
Atravesso a rua é no abri da porta que antecede sua residência subo degrau por degrau até chegar naquela que carrega o número de seu apartamento, o 102, bato à porta três vezes e sem sucesso busco meu celular no bolso.
— Onze e meia da noite, talvez seja tarde mais para estar aqui mesmo.
O estalo da tranca eletrônica ecoa e por seu sinal a abertura da porta, vestida casualmente com seu pijama se põe a sorrir. Admira-me que mesmo em vestes que não lhe agregam mostra beleza, Hanako, estranhamente me sinto bem em ver você nesses momentos de confusão.
Errado? Talvez, afinal desde julho mantemos algo que não possui resposta ou explicação lógica... a deixa de seu corpo abre caminho para minha entrada em seu humilde apartamento que mesmo pequeno comparado a outros nesta cidade é tão aconchegante, nem mesmo minha residência consegue atingir o mesmo nível de aconchego que este lugar carrega.
— Boa noite e desculpa pela hora.
— Tudo bem, amanhã é meu dia de folga.
— Pelo visto acabei interrompendo você.
Noto a panela sobre o fogo, ramen, talvez eu devesse levar ela para comer algo diferente de comida instantânea amanhã, entretanto, ainda que siga comendo desta forma desregrada ainda consegue manter sua forma... isso é bem assustador na mesma medida em que é encantador
— Não atrapalha, mas está tudo bem? São onze e meia. Não disse que viria hoje e se eu soubesse teria feito algo de diferente além de ramen.
— Sabe que não precisa fazer, fora que essa minha vista é mais por não conseguir dormir em casa... também estou preocupado com o que desejava conversar.
— Primeiro se sente, eu nem sei por onde começar a contar, também não sei se devo afinal isso é meio problemático.
— Antes tome, é um presente que comprei enquanto estava a caminho.
— Meu apartamento é pequeno, não tenho onde guardar todos os seus presentes, mas obrigada, gosto quando se faz presente mesmo que isso aumente meu medo de contar.
— Sobre o que você tanto deseja falar? Saiba que eu vou estar do seu lado independente do que seja.
— Talvez eu esteja cega e o melhor caminho seja te expulsando daqui, mas é tarde para voltar e negar meus sentimentos e o caminho para qual eles me levaram.
— O que houve Hanako? Pode me contar, eu não vou fazer nada de imprudente caso esse seja seu medo. — seguro sua mão. — Apenas conte sem medo, vou entender.
— Tenho passado muito mal recentemente, de um mês e meio para cá... eu ignorei, mas desde nosso último encontro venho sentindo fortes dores e tomei a iniciativa de ir ao médico mesmo não gostando.
Observo seus olhos ganharem uma coloração mais clara com um suave marejar que agora os percorre.
— Eu não sei como ou o motivo, nem em que momento ocorreu e se foi por falha minha devida a confiança excessiva... fiz alguns exames e eu descobri estar grávida de dois meses.
Contra a parede que antecede a sala de estar põe suas costas a descansar, quer dizer que está grávida... é estranho pensar que mal durou seis meses e cá estou eu afundando outra vida.
Quero dizer, a gravidez não é mal algum, entretanto, eu não quero ver ela tão cedo presa a algo como família ou responsabilidades que prejudicam seu futuro. Outra vez uma consequência de atos imaturos de minha parte, mais uma vez prejudique alguém.
— Essa não era uma notícia que eu poderia dar por telefone, mas também não desejava contar.
— Desculpa, você nem casou e já carrega um filho... destruí sua vida por uma atitude errada.
— Seu olhar diz que eu fiz a escolha errada em contar.
— Claro que deve me contar, não quero seu mal e se for seu desejo podemos tirar ela... não quero que você sofra nada que não precise.
— Não pretendo retirar essa criança, mas também almejo um futuro diferente então fico nesta linha tênue entra dar adeus ou persistir. — a franja bagunçada esconde seus olhos. — É um choque, eu gosto da ideia, mas logo lembro de você ser casado e me sinto horrível... uma destruidora de lares como muitos irão dizer.
Abraço-a levando calor a seu corpo franzino, ela deve ter ficado com tanto medo que mal teve forças para reagir. Parte de meus pensamentos está com medo mesmo tendo mais idade, eu sei o que é ser julgado quando se possui filhos fora do casamento e está não é a primeira vez que testemunho uma situação dessas.
São nessas horas que sinto o quão mal estou sendo com Hanako e Murano, duas mulheres que mesmo os caminhos não sendo os melhores são importantes para mim como nenhum outro indivíduo foi.
— Sempre que passar por algo ruim me ligue, não exite em ligar. — beijo sua testa. — Poderia ter vindo antes, mas problemas surgiram e tem tanta coisa que mal tive tempo para prestar atenção em você... agora eu irei permanecer ao seu lado.
— Você tem um mundo nas costas, sua filha e esposa. Entendo sua distância por isso queria ter coragem para te mandar embora desta casa... não mereço ter sua atenção e tão pouco sua família merece uma bomba dessas.
— Não diga bobagens, estou aqui e continuarei pelo seu bem. Agora se quiser abortar eu entenderei e serei um apoio para você nessa decisão.
— Murano é uma mulher incrível, não merece o que fazemos por suas costas. Ela não merecia isso.
— Ela sabe e apesar de concordar que isto não alivia nada, posso dizer que ela não se importa, sua vontade agora é semelhante à minha... divórcio.
— Divórcio? — seu olhar recai sobre mim. — Não está fazendo isso por mim certo? Se for eu me recuso a estar com você.
— Não é por sua causa, nosso casamento nunca deu certo e agora estamos sempre em constantes brigas, desavenças e tudo de ruim que pode imaginar.
— isso é muito sábio da parte de vocês em reconhecer o problema e buscar seu fim de forma rápida.
— Tentaremos, um divórcio envolve muito além de dinheiro, sendo sincero, acabar com este casamento seria um alívio para minha cabeça que anda vivendo em constante pressão para manter algo quebrado inteiro.
— Ainda tem a sua filha.
— Farei o que ela desejar, respeitarei sua decisão seja ela qual for.
O silêncio que permeia entre nossas essências perdurou por segundos ou talvez minutos, não sei, mas frente a ela não consigo deixar de imaginar que durante dias viveu aqui em silêncio sofrendo a cada minuto. Beijo seu rosto e sobre os fios escuros, repouso meu nariz sentindo a fragrância adocicada do xampu que compra sempre no mercado no final desta rua.
A vejo subir a escada branca que vai do piso até uma pequena área acima, seu quarto, para baixo joga uma calça moletom enrolada em uma camisa e ao trocar de roupa subo carregando a sacola em uma mão e na outra a tigela de ramem.
Estar ao seu lado em um momento mais casual é agradável, me sinto feliz mesmo que tudo que façamos seja comer, sorrir e assistir ao filme.
O passar dos minutos e agora abaixo das cobertas sinto seu corpo quente, a envolvo no meu abraço recebendo de volta seu sorriso claro. Mesmo que seja pouco percebo sua mudança e o quanto revelar o que sentia fez bem para sua mente, é nesses instantes em que estou com ela onde minha mente se expande e questiono as razões do porquê ainda retorno para casa quando nem mesmo sentido faz.
Este seu toque caloroso acalma meus pensamentos conflitantes, eu não sei muito sobre o futuro ou suas variáveis infindáveis, mas entendo o que eu desejo no momento e meu desejo é ela.
Seu olhar conforta meu peito que por muito tempo andou pendendo para o caminho errado, buscando seus lábios deixo meu beijo permitindo um sorriso ainda maior que o anterior.
Talvez Reii esteja certa sobre tudo isso e eu deva apenas assinar o divórcio para seguir com minha vida, sem Murano ou Naomi, sem sogros difíceis de lidar ou um pai controlador... me sinto cansado de tentar manter algo que há tempos deveria ter sido encerrado de maneira amistosa entre ambas as partes deste casamento de negócios.
— Hanako, se eu terminasse tudo agora e estivesse livre... não, melhor não.
— Livre?
— Sim, livre, eu quero me mudar deste lugar, contudo existem coisas que me fazem repensar sobre.
— Uau, nunca pensei sobre isso... você saindo daqui e seguindo sua vida distante.
— Quioto seria esse destino.
— Entendo, faz sentido considerando que você é bem livre.
— Você iria comigo? Deixar este lugar e viver outro ritmo... outra cidade, emoção, paisagem.
— Entendi, olha eu não sei, nunca deixei esta cidade e cogitar agora soa estranho.
— Tem razão, mas não pense muito, é apenas uma ideia que guardei por um tempo.
— Não parece ruim, juro — a vejo abrir uma careta risonha. —, porém na minha imatura visão é algo diferente e bem arriscado. Nunca fui longe e agora que estou estável não sei se seria atrativo ir embora...
— Vejo uma oportunidade diferente nessa escolha para você, mas não quero ser uma corrente para você.
— É que parece difícil sair daqui sem ter uma ideia clara do que eu desejo.
— Eu posso te fazer não precisar trabalhar, porém, não é o estereótipo de mulher que aceita tais visões por isso estou perguntando.
— Resumir uma união apenas em trabalhar ou não é... — a vejo sorrir. — isso realmente não faz meu tipo em nada. Gosto do meu trabalho e também gosto do nosso relacionamento estranho.
— Caso você possa ter um trabalho que goste, continuar cuidando de animais como tanto ama?
— Ainda é arriscado, mas aceitaria está ideia por um motivo em especial e este pode ser considerado um segredo.
— Segredo? — a fito, vivido é seu castanho olhar semelhante a um paraíso. — Algo que gostaria de fazer ou estou pensando um pouco baixo?
— Particularmente eu não gostaria de dizer, mas tem relação com nossa primeira conversa.
— Primeira?
— Isso, no dia em que você veio até o consultório carregando aquele filhote nos braços. Você saiu e no momento em que iria sair para almoçar me pagou um café.
Passado (16/06/2020 - primavera)
Sobre a borda de sua xícara me observa com o típico olhar curioso de alguém mais jovial, sinto inveja desta idade, levo aos lábios o sabor deste café meio amargo. Tímida morde o sanduíche desviando seu olhar a cada encontro nosso, acredito que nem mesmo ela poderia esperar por tal gesto de minha parte.
— Desculpa o convite repentino, apenas aproveitei que alguém conhecido iria almoçar para aliviar a solidão.
— Tudo bem, eu que estou me sentindo estranha devido a este encontro..., mas não é nada que eu não possa lidar.
— Não, eu que peço desculpas afinal deve ser estranho o irmão de sua chefe surgir do nada e pedir para falar com você.
— Tudo bem — ela sorri, é evidente o desconforto mesmo com a clareza em seus olhos. —, mas sobre o que desejava falar.
— Queria saber como ela tem vivido, me refiro a Yuriko, talvez você não saiba sobre isso — bebo do café. — nós, eu e Yuriko somos opostos apesar de sermos irmãos.
— Lembro que certa vez ela disse que você é idiota, desculpa, ela estava bêbada neste dia.
— Yuriko bêbada?
— Sim! Por incrível que pareça nós temos noites onde bebemos juntas e nessas noites conversamos bastante sobre diversos assuntos.
— Curiosidades sobre minha irmã. Imaginar Yuriko se divertindo é algo um pouco anormal, não lembro dessas versões dela.
— Ultimamente ela anda bem feliz, uma nova cliente chegou e desde então elas têm andado bastante juntas... fez uma amiga e tanto.
— Amiga? Minha irmã realmente mudou com minha ausência.
— Ela nunca explicou o motivo de seu afastamento, mas deve ter sido algo bem ruim considerando que sorri sempre não importa o quão ruim seja a situação.
— Divergência foi a causa de nosso afastamento e esse constante isolamento. — toco sua mão levando a sua face um tom rosado. — Agradeço por sua presença na vida dela, fico feliz por compartilhar momentos com minha irmã.
— Não é nada de mais, Yuriko é uma mulher incrível.
— Mesmo assim eu fico impressionado em como ela consegue se abrir com você. Admiro bastante isso, sério, eu esperei que em algum momento ela fosse passar por essa transformação e ver que agora está sendo receptiva me alegra bastante.
— Poderia tentar com ela agora, voltar a ser o irmão mais velho, a figura mais paterna e cheia de conhecimento.
— Posso transparecer isso, mas não sou exatamente assim. Tenho meus momentos mais garotos, ou melhor, juvenis.
— Sabe você não é nada parecido com o que ela me disse, talvez ela esteja realmente engada em alguns pontos.
— Pode ser que sim ou não.
Fito seus olhos que recaem naqueles presentes mais ao fundo do lugar, um casal, no abrir da caixa a mulher surpreende-se com o anel e pelas lágrimas oriundas provavelmente da alegria desata em choro. Nos braços do acompanhante recai e no selar do abraço noto os sorrisos que carregam em suas faces tão brilhantes, um casamento forjado no mais genuíno amor entre duas partes.
— É bonito caso se pergunte — atraio sua atenção rompendo a distância de seus pensamentos. — o casamento, mas para dar certo é preciso mais que beleza e amor. A compreensão deve ser uns principais motivos para que ele dure junto do amor.
— Espero que isso ocorra comigo um dia.
— É jovem e logo poderá, desejo que encontro um bom homem e ele te fará feliz... adianto que quando o amor é genuíno ele certamente irá durar.
— Será? Atualmente poucos são os que desejam casar e isso é desagradável.
— Tudo tem seu momento, não queira apressar as coisas. Viva seu momento com cautela e terá algo grande no futuro.
— Espero, ultimamente nem tudo tem sido tão legal.
Sua risada é contagiante, fico feliz pela forma como minha irmã está indo em simultâneo, me sinto estranho frente a uma pessoa tão diferente do meu convívio. Sinto que posso me tornar um bom amigo para ela, um contraste curioso do qual acredito que nascerá algo interessante.
Presente (03/12/2020 - outono)
Deslizo meus dedos sobre sua face adicionando o rubor suave em suas têmporas, agora eu entendo esse seu desejo. Não quero criar falsas esperanças, entretanto não busco me casar após o divórcio... sinto que isto iria afundar outra vida assim como Murano.
— Peço que não se sinta culpada, pois não é sobre você e sim sobre minha atual condição... me separando eu não posso te pedir em casamento.
— Entendo.
— Não é sobre cerimônias ou emoções, não, isso não me impede ou afeta como pode acabar imaginando de forma errada por minhas falhas justificativas.
— Explique, eu posso compreender, mas só irei se for claro comigo.
— Receio, isso envolve a história do meu casamento e o motivo pelo qual ele ocorreu... algo que eu nunca contei para ninguém.
A luminária é ligada que no iluminar revela sua face repleta de curiosidade, sua beleza é inocente até mesmo frente a momentos onde seriedade tende de tomar distância desta visão mais inocente e lúdica.
— Pode começar?
— Tem certeza que deseja ouvir sobre isso?
— Tenho, se isso vai definir o rumo de nosso relacionamento eu ao menos preciso ouvir.
— Vai me odiar.
— Impossível saber se não me contar.
— Tudo bem, contarei sobre o episódio que levou ao meu casamento e meu maior arrependimento.
Passado (19/10/2005 - outono)
Frente a frente estamos, eu e meu melhor amigo... queria conseguir focar nesse combate e não pensar naquela cena onde às duas protagonizaram aquilo.
Sinto-me mal, não queria presenciar aquilo, Murano tomou a única coisa quão a qual eu me importava nesta escola além de meus dois amigos e mais uma vez sua família insiste em se envolver com a minha.
O apito seguido do abaixar da bandeira da início a luta e sem que eu ao menos tivesse oportunidade para me mover sou atingido pelo seu veloz golpe. Dô. Balanço minha cabeça buscando a realidade, mas não entendo o porquê disto me afetar tanto.
Fito sua postura e no reinício do combate temos seus movimentos ágeis, evito o ataque defendendo-me... parar esse golpe é como parar o golpe que sofri, meu peito dói e por mais que eu tente não consigo não pensar nelas e naquela cena. Pareço um idiota por acreditar que poderia ser a pessoa que etária do seu lado para sempre ao invés dela.
Contra meu capacete a shinai avança quebrando meus pensamentos e postura frente a todos presentes neste lugar, fraquejo e ao chão sinto meu joelho bater. Men. Eu não tenho mais vontade de lutar, não, eu não consigo lutar enquanto está imagem estiver em minha cabeça.
Perdi e não existe nada que altere esse resultado, com o abaixar da bandeira mal tive tempo para reagir a seu avanço furioso. Ataque após ataque e tudo que senti foi o peso da imagem das duas, a imagem da pessoa que eu gosto tomando para si os lábios de outro, melhor, outra. Piso em falso tendo minha postura quebrada, a shinai avança em linha reta, eu perdi... com o golpe na altura de meu pescoço sinto meu corpo cair para trás atingindo o chão.
Eu perdi tudo e não fiz nada que desejava, eu sinto raiva dela e se pudesse faria o mundo desabar sobre Murano. Ela disse que não passava de imaginação e quando eu tento ela se apossa, sou um idiota por cogitar que em suas palavras houvessem verdades.
No final ela é como sua irmã, não existe distinção entre as duas, ambas se aproveitam e depois fogem como se nada tivesse acontecido.
Presente (03/12/2020 - outono)
— Após aquela partida eu deixei de lado o clube de kendo e toda a história que fiz naquele lugar... devido a inveja que cresceu em meu coração.
— Entendi, esse é um segredo muito denso.
— Estava com tanto ódio de Murano que fui até uma das integrantes de outra família rica, seduzi ela e perdi para que inicia-se os rumores no clube de natação.
— Você realmente agiu errado.
—Sim, por isso eu disse que nem tudo dito por Yuriko está errado.
— Mas nem tudo está certo, apenas de olhar em seus olhos eu percebo.
— Fiquei mal por ter pedido pelo rumor e tentei abafar de todo jeito, mas parecia que quanto mais tentava pior ficava até que no final ocorreu toda uma situação estranha envolvendo a tentativa de suicídio dessa pessoa especial.
— Você foi até ela?
— Fui, naquele dia eu estava parado acima do penhasco observando as águas sombrias e qua to pensava em qual seria meu destino... meu pai biológico havia me ligado e dito que eu poderia ser seu filho.
— Eu cheguei a ler sobre isso, que sua mãe deu os filhos e ninguém sabia sobre ela.
— Ele não queria que seus filhos fossem criados perto dele, manchar a família, mas por ser contra ela foi mandada para longe.
— Sua mãe, mesmo que não tenha sido criado por ela vejo que seus olhos brilham quando fala sobre ela.
— Eu conheci ela pouco antes de morrer, seu apelido era a "chama dos palcos" e uma de suas mais famosas peças se tornou minha favorita após sua partida.
— Deve ter sido ruim.
— Não muito, naquela época eu só conseguia pensar que levei duas pessoas a quase morrem afogadas. Eu liguei para o hospital pedindo ajuda para pessoas se afogando e fugi dali com peso na consciência.
— Tentou ajudar.
— Sim, por um breve instante consegui, porém a culpa foi tanta que não sabia o que fazer até que no dia em que fui visitar Naomi no hospital ela me contou sobre o ocorrido e ali eu refleti sobre minha atitude.
Passado (27/12/2005 - inverno)
Frente a esta porta meus batimentos são envoltos por velocidade, como eu poderia dizer algo desta forma sem ferir mais ela... essa garota sofre por minha falha, preciso contar nem que está seja nossa última conversa.
Abro a porta sendo recebido pelo olhar cortante que frente as lágrimas luminosas se revela, nas mãos o cachecol amarelo manchado pelas pequenas e insistentes gotas. Cruzo o limiar fechando a porta, ter esta visível dor escancarada traz um questionamento que evitei desde que espalhei o rumor, será que eu deveria morrer para compensar essa sua dor? Talvez eu não mereça estar vivo pelo que fiz, como eu posso sorrir quando outro está em lágrimas por minha causa.
— Naomi. — sinto o sufocar em minha voz, eu sou fraco demais para isso. — Soube da notícia não é?
— Ela fugiu dessa cidade com a mãe para no final acabar em um hospital.
— É uma infelicidade.
— Ela me entregou isso ontem e disse que iríamos nos encontrar de novo... agora isso acontece... eu trouxe ruína para sua vida.
— Não foi isso, Naomi, infelizmente as coisas acontecem sem podermos controlar.
— Para você é fácil, não precisa se esconder.
— Tem razão, eu não precis-
— Não faz ideia do quanto eu sinto ódio da pessoa que começou isso... ela não merece meu respeito e tão pouco sentimentos bons.
— Triste saber sobre a história toda... não faz ideia do quanto isso me machucou.
— Mesmo? — olhar luminoso busca minha face baixa. — A maioria gostou, imagino que você também... afinal gostava de mim.
— Naomi... desculpa.
— Você não pode controlar as opiniões gerais então não há motivos para desculpas Hanzo, sou eu quem deveria pedir desculpas por nunca ter te contato sobre meus sentimentos quando tive oportunidade.
— Eu poderia ter tentado algo, uma ação que fosse boa para ambas e não o silêncio.
— Esqueça... tentamos de tudo e não havia nada para alterar, o erro foi meu em tentar ir contra as ideias já alocadas por ignorantes.
— Naomi…
Presente (04/12/2020 - outono)
— Este foi meu maior erro do passado, nem mesmo escolher minha família biológica anos depois pareceu tão errado quanto provocar essa ruptura entre duas amigas.
O olhar esfíngico é a resposta para minhas palavras repletas de inseguranças e medo, este sou eu agora, um homem preso a um casamento ruim e marcado pela necessidade ser confortado por esta pessoa em minha frente. No suave toque de sinos o relógio na parede sinaliza, meia noite em ponto... tudo parece tão diferente agora que me abri sobre isso com ela.
— Nossa, você fez uma besteira e tanto. — a vejo sorrir mesmo entre palavras diretas. — Agora entendo o motivo de tanta culpa, afinal machucou os sentimentos de duas pessoas boas.
— Minhas transgressões passadas, eu quero tentar amenizar esses problemas causados por mim e aliviar meu peso com essa atitude certa, porém tardia.
— Bom que reconhece isso afinal é uma maneira de consertar seus erros, tenho certeza de que conseguirá e fará o certo desta vez.
— Espero conseguir desta para que nunca mais precise encontrar me deparar com este problema.
— Entendo agora o motivo de sempre dizer ser um homem irresponsável, realmente foi muito irresponsável essa sua atitude por isso pagaram o preço os três... triste que tenha tido tal final.
— Se um dia eu conseguir reaver aquela confiança eu espero que possa mudar suas visões sobre mim e principalmente a que possui de minha essência tão falha... não sou tão bom ou benevolente como acreditam.
— Mas se tornou após seu grave erro, não pode ignorar que errar fez com que você enfim conhece-se o amadurecimento... agora pode ajeitar as coisas e de quebra mostrar para Murano que está disposto a permanecer do seu lado mesmo que não seja mais um casal.
— Talvez esteja certa quanto a isso, realmente amadureci após cada evento ruim e se hoje estou aqui foram pelos erros e não pelos acertos. — acabo por sorrir.— Obrigado por escutar meu fútil desabafo cheio de pecados.
— Não sou tão jovem assim, vinte e oito anos não me parece essa jovialidade toda.
— Cinco anos de diferença nos separam, fora que seu espírito é mais jovem que o meu e é inevitável não se sentir atraído por ele..., mas agora eu coloquei uma prisão em você.
— E ainda assim eu desejo seguir com isso, mesmo após ouvir toda sua história e sei que não existe ninguém melhor para estar ao meu lado.
— Gosto da sua companhia e dos momentos que passamos juntos, todos eles me agradam, porém, não posso deixar de pensar em como isso pode prejudicar seu futuro em tantos níveis diferentes.
— Pode atrapalhar assim como qualquer outro acidente que um dia eu possa sofrer. Não tem como saber sobre o amanhã por isso eu vivo calmamente.
— Você e suas soluções práticas.
— Façamos desta forma que irei propor, por hoje descanse e amanhã cedo volte para casa sendo sincero com sua esposa... assim ela irá entender mesmo que possa parecer difícil em um primeiro momento.
— Obrigado pela compreensão Hanako.
— Não é nada.
Antes que pudesse concluir minha fala mais eloquente sou capturado por seus lábios suaves, sinto o calor de sua pele e o toque tão carinhoso. No afastar noto o brilho singelo em seu rosto, ela está certa, mesmo que doa em mim, farei o possível para acabar com os erros que trouxeram o afastamento de ambas.
Por hora irei apenas seguir seu conselho e pensar numa maneira de mostrar a Murano que realmente me importo com as consequências de minhas atitudes infantis e estou disposto a enfrentar algo além de meu limite para chegar em um comum acordo com ela.
Com o raiar da manhã deixo a casa como havíamos acordado, a chuva cai e por ela me torno agraciado com a visão de um arco-íris no céu que se divide entre nuvens e sol.
Pelo toque minha atenção é quebrada, escuto pessoas em movimento... afasto a tela de meu ouvido lendo seu nome sobre ela.
— Onde você esteve?
— Passei a noite fora.
— Murano está no hospital, passou mal após tomar seus remédios e não acordou até agora.
— Onde estão?
Desligo seguindo caminho até o hospital construído por sua família, deixo o carro no subsolo e subo indo na direção de seu cômodo reservado no quarto andar. Abro a porta sendo recebido pelo olhar de Reii, Suyen ao lado de Murano dorme e no deixar de ambas sozinhas seguimos para a área externa.
— Brigaram de novo?
— Foi, contei a verdade para ela como você pediu... Naomi também me aconselhou a fazer isso.
— Bom, ótimo, estava na hora de ser claro com ela e você sabe disso.
— Por isso que o fiz
— Fico triste por minha amiga, me sinto como ela às vezes, uma marionete da família e nada mais.
— Vou pedir o divórcio na reunião.
— Sabe que seu sogro vai ficar uma fera não é? Não poso deixar de citar seu pai que provavelmente ficará uma fera.
— Sei bem disto Reii. Farei por ela, mesmo que eu perca a capacidade de ver minha filha farei isso.
— Fico feliz por ver que está disposto a seguir... acredito que posso contar a informação que obtive.
— Sobre o que é?
— A chinesa está de volta.
— Qui Lan?
— Sim, eu sei que vocês possuem toda uma história juntos por isso resolvi contar... terá uma exposição em Tóquio daqui a três semanas e será sobre seu retorno como artística plástica.
Sobre minhas mãos deixa um envelope marcado pelo brasão vermelho vinho, sua marca registrada que pelo visto não mudara nada desde o início de sua carreira.
— Ela veio ver as crianças, não sei como vocês andam e por mais que tenha ocorrido toda aquela história eu acharia válido ir até ela.
— Obrigado pelo aviso.
— Você possui dois filhos perdidos... talvez seja a hora de contar a verdade para eles também.
— No final nenhum segredo pode ficar escondido não é mesmo? Invejo você Reii.
— Não, ainda mais quando são os seus... pelo menos pode dizer que viveu bem.
— Tem razão.
— Vou levar a Suyen para casa, trocar suas roupas e daqui há uma hora trago ela.
— Tudo bem, obrigado por seus serviços Reii.
— Sou eu quem agradeço, se não fosse por vocês dois estaria presa no escritório em Tóquio para sempre.
A distância que agora se faz presente entre nós dois acentua minha deixa para ir, caminho de volta para dentro seguindo o até térreo. Cruzo a rua indo ao encontro do café, frente a entrada o olhar a qual sempre irei reconhecer.
O sorriso ameno e a face cansada, então hoje essa é a face de Naomi? Sabia que por baixo de toda essa mulher existia algo bagunçado e isso com toda certeza é algo bom.
— Hanzo, mais uma vez nos encontramos. — o sorriso cortês ilumina sua face. — Não esperava te encontrar aqui.
— Bom dia, Naomi. — afago meus cabelos. — Posso dizer o mesmo, mas se está aqui imagino que seja visita.
— Está bem? Parece estranho... não sorri como das últimas vezes.
— Não estou, mas irei ficar bem logo assim espero.
— Café? Talvez um pouco de doce faça bem.
— Pode ter razão, não sei bem, são muitas coisas para se pensar.
— Confie em mim quando digo que será a melhor opção.
— Desculpe, é que me pegou um pouco desprevenido.
— Tudo bem, eu entendo, porém, você aceita?
— Sim, aceito.
Relutante adentro seguindo seus passos em direção a máquina, no executar de nossos pedidos sentamos à mesa. Seu olhar vaga pó aparelho digital, esse silêncio é ruim, o feixe de luz recai sobre a face iluminando com sua vividez os olhos de coloração esmeralda.
O clima é quebrado pela chegada da jovem menina, os cabelos escuros devidamente presos e no rosto risonho um bandeide de coloração clara.
— Obrigado.
— Katsumi, é uma surpresa encontrá-la.
As duas se conhecem? Naomi sabe quem é ela ou eu me encontro imaginado coisas demais? Independente da resposta é uma surpresa que saiba quem é.
— Será que eu poderia falar com você depois de seu expediente?
— Desculpa, mas não... aproveitem.
Rápido foi seu afastar da mesa, essa menina, um conhecido havia me dito um pouco sobre ela e sua história... não deve ser fácil carregar o fardo de ser filha única.
— Blue mountain, não mudou seu gosto.
— Jamais irei mudar algo que aprendi a apreciar com tanto apreço.
— Murano sempre iniciando pessoas em hábitos novos, é algo bom que ela sempre faz, gosto disto.
— Ensinei ela a gostar, no começo ela odiava isso, dizia ser suave demais para seu paladar acostumado com sabores mais fortes.
— Mesmo? — solto meu sorriso, curioso pensar nela desta forma. — Nestes últimos anos ela tem trocado tudo que envolve peso pelo comum e confortável.
— Hábitos mudam com o tempo.
— Naomi, ontem pela noite nós brigamos.
— Deixa eu adivinhar a causa, eu? — aponta para si. — Olha eu entendo serem casados, mas essa emoção é incontrolável Hanzo, não pode prender ela.
— Murano desmaiou, não sei o que você pretende com ela ou se essa emoção é verdadeira..., porém eu quero te perguntar algo que desde aquela época permeia minha mente.
— O que é?
— Quais são suas reais emoções? O sentimento que percorre ambas, qual é a verdadeira natureza dele?
— Entendi, então deseja que eu te explique ? Tudo bem, acho que eu posso dizer sobre o que eu entendo.
Notas do capítulo
Kyoto ou Quioto é a antiga capital do Japão, é uma cidade da ilha de Honshu, famosa por seus vários templos clássicos budistas, jardins, palácios imperiais, santuários xintoístas e casas de madeira tradicionais.
O café blue mountain é um dos cafés mais caros do mundo, o café jamaicano é cultivado na montanha Blue Mountain, a montanha mais alta da Jamaica, com 7.402 pés. A cordilheira Blue and John Crow, também foi designada como Patrimônio Mundial da UNESCO. O café Blue Mountain é cultivado na Jamaica desde 1728, quando o café foi introduzido pela primeira vez na ilha e o sabor deste café Arábico suave é doce.
Lámen, ou rāmen é um alimento japonês. Um prato de lámen normalmente é composto por um tipo de macarrão chinês, uma sopa com caldo à base de ossos de porco, peixe ou frango, e temperados com uma base tarê que da sabor ao caldo base
Honmachi é uma rua popular na cidade de Takayama, ela possui prédios de apartamentos e sua trajetória é repleta de lojas de artigos pessoais até eletrônicos. Em paralelo a rua existe o córrego por onde o rio Miyagawa flui. A foto de capa do capítulo é uma representação deste lugar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro