秋 (Aki) - Fim de um ciclo
Presente (12/12/2020 — outono)
Este momento chegaria cedo ou tarde não podendo mais ser adiado para um futuro próximo onde tudo estaria resolvido, sorrio diante sua imagem serena. Alívio e um genuíno sorriso são o que te contemplam neste instante, Murano, obrigado por fazer o necessário para que essa decisão fosse tomada.
— O que houve para esse sorriso?
— Você, pensando em como resolveu isso, reuniu sua coragem e seguiu com o certo.
— Alguém precisava fazer isso, não acha?
— Concordo, sobre isso e admito que se não fosse por você talvez eu nem teria feito algo para mudar isso agora.
— Mesmo assim não há o que comemorar, temos o jantar ainda, ele irá descobrir assim que eu certificar o divórcio.
Tomo as peças de roupa nas mãos e sob a cama as deixo em auxílio, seus olhos buscam a mim e como resposta afago-lhe a cabeça. Sento-me na cama e antes que algo fosse dito abraço-a.
— Estarei com você, não precisa pensar nisso agora, farei o possível para proteger você e seu coração de ouro.
— Hanzo, eu não duvido muito de seus feitos quando esse é o intuito, porém, é inegável que nada pode fazer.
— Falhei demais com você Murano, quero que ao menos no final minha ajuda possa servir de algo.
— Será por todos os momentos bons e ruins que tivemos, quero fazer o certo. Não pensar se isso irá ferir os velhos que nos colocaram no mundo, isso não me importa.
— Falando desta forma até parece que um marido bom para mim. — esse sorriso, ao menos no fim pude vê-lo brilhar. — Obrigada por facilitar tudo.
— Minha intenção é a mais correta possível, não quero te atrapalhar. Na verdade, quero que aprenda a dizer para si mesma que não está com medo.
Seu silêncio corrobora com o que digo, e pelo desviar de seu olhar posso ver a fragilidade exposta que carrega.
— Murano, não estaremos mais juntos como marido e mulher a partir daqui. Será você por si mesma e eu por mim, saiba que agora, — seguro sua mão. — você é uma mulher independente e forte, então nunca diga que você está com medo, levante-se e diga bem alto que pode fazer isso.
— Põe muita fé em mim.
— Assim como nossa filha também coloca, farei o mesmo por saber que isso está enraizado em você e pode ser mais forte do que tudo isso.
— Tudo bem, farei meu melhor.
— Mesmo que te puxem saiba que é tarde para voltar, agora, daqui em diante, busque o presente que deseja viver. Demônios todos terão, mas o que define quem somos é como iremos lidar com eles.
No dizer de minhas palavras pude notar o escorrer de uma lágrima pelo canto de seus olhos. Mesmo distante dela eu sei que vivia mal, sem esperança e repleta de demônios enquanto vagava assustada pelo escuro. Eu admito que fui um marido falho, um pai ausente em essência, porém, farei diferente com o tempo que tenho para evitar que algo ruim aconteça em dia vida mais uma vez.
Com esse pensamento em mente percebo que tenho outros paradigmas para por um final descente, antes que possa viver ao lado de alguém novamente, preciso limpas os fantasmas de meu armário para que não volte a ver a luz do dia.
Presente (18/12/2020 — outono)
Termino de selar a última das caixas do sótão, enfim acabou, todos aqueles momentos tiveram seu fim ao fechar dela. É necessário não é? Agora não existe como retroceder.
Tomo a caixa em meus braços, pelos degraus de madeira retorno ao segundo andar vazio seguindo rumo ao primeiro semelhante ao anterior, sua presença era o que iluminava esse lugar.
Ponho a caixa na entrada da casa, busco a presença que gradualmente se aproxima portando um sorriso ameno em face. Estende a mão em minha direção trazendo consigo uma lata gelada de água com limão.
— Como está se sentindo Hanzo? Tudo bem?
— Sim, não havia muito o que ser feito aqui, não éramos um casal e nuca fomos para ser honesto.
— Suyen ficará com quem?
— Murano, é a melhor decisão quando pensamos no bem maior. Eu não poderia ficar com ela, Suyen cresceu apagada a mãe e intervir nisso seria ruim.
— Agora poderá viver da forma como deseja, sem mais segredos e revelações bombásticas né?
— Quanto a isso temo que não, existe uma parte de meu passado ainda não revelada e que precisa ser resolvida.
— Fala da pintora, a chinesa, esqueci seu nome.
— Qin Lan, este é seu nome artístico. Para os mais íntimos... outro nome.
— Mais íntimos, sei. — toca meu ombro. — Não me diga que possui um segredo com ela.
— Sim, compartilhamos algo nesse mundo apesar de ser algo reservado que poucos sabem.
Meu celular vibra, puxo-o de meu bolso e no desbloquear da tela atendo a ligação.
— Oi.
— Faz tempo não é? Pensei que esse dia não chegaria nunca.
— Idiota.
— Soube da notícia não é? — suspiro. — Uma hora iria descobrir.
— Terminou seu casamento? Como pode fazer isso após tanto tempo?
— Quer conversar? Podemos fazer isso hoje?
— Não liguei para isso.
— Então qual o motivo de sua ligação tão repentina irmãzinha?
— Idiota... parabéns por fazer o certo depois de tantos anos.
— Obrigado pelos parabéns, suponho que possamos conversar depois, vamos sair para comer.
— Não é para tanto, enfim, tchau.
Antes que pudesse dizer mais o encerar da ligação, ela mudou mesmo, guardo o aparelho em meu bolso retornando a caixa no chão.
— Quem diria que ela iria te ligar.
— Yuriko amadureceu Tatsuo, ela não é mais aquela garota cheia de raiva e rancor. Soube que até namorar esta fazendo.
— Jura? Nunca vi essa pessoa.
— Eu sei quem é, desde a escola ela tinha uma paixonite numa pessoa de uniforme roxo. Eu descobri depois de algum tempo que era a irmã de Murano, a falecida Sayako.
— Elas estudavam numa escola apenas de garotas não é? Faz sentindo, mas esquecendo esse assunto e voltando a Murano, onde ela irá ficar?
— Numa casa simples próxima ao parque, ela quer fazer o certo desta vez.
— Fico feliz por ela assim como fico por você, agora poderá seguir fazendo o que deseja.
— Sim, vou ir para Quito no ano que vem. Espero conseguir levar ela comigo, quero mostrar um mundo novo.
— Eu realmente desejo que você consiga, não entendo como anda esse seu relacionamento e por mais que tenha começado errado... acredito que possam mudar.
— Também quero acreditar nessa possibilidade, o motivo desse meu desejo são as últimas palavras de minha mãe. Tem algo em Quioto que desejo desbravar.
— Hanzo aventureiro? Em breve teremos essa visão pelo visto.
— Quem sabe não? — acabo por rir. — Por hora eu quero apenas poder viver tranquilamente sem uma empresa, famílias poderosas ou pessoas assustadoras. Viver bem e de forma pacífica.
No levar da última caixa para o carro tenho a visão do imóvel agora vazio, não existem mais traços meus ou de Murano aqui. Acredito nunca ter existido isso, afinal, fomos duas pessoas que nunca se apegaram a este lugar marcado por um casamento falso.
No fechar desta porta o encerrar de um ciclo complicado, para o passado dou minhas costas, que ele repouse no meu imaginário. Momentos bons e ruins, todos serão bem vindos para que em meu futuro nada do mesmo ocorra.
— Acabou.
Paro meu carro diante da faixada do estabelecimento que apaga gradualmente sua luz, no abrir da porta desço de meu carro parando diante de seu olhar posso notar o entrelaçar de mãos e o espanto em seu olhar. Ao lado a figura que comumente vejo no caminho, os cabelos curtos na altura de seu ombro balançam e assim como a acompanhante posso ver o rubor em face.
— Boa noite, desculpa se atrapalhei.
Faz tanto tempo e ainda assim continua linda, semelhante à imagem de nossa mãe em sua fase mais jovial. No fechar da porta do carro sigo para a calçada buscando proximidade de ambas.
— Não sabia que tinha compromisso hoje, Yuriko.
— Tão pouco teria como saber, enfim, já que está aqui deixe que eu te apresente. Está é Nana, minha namorada e Nana, este é meu irmão mais velho, Hanzo.
— Eu já a conheço, Murano.
— É um prazer revelo Hanzo.
— Não quero tomar muito do seu tempo, imagino que tenha coisa melhor para fazer do que perder tempo comigo. Queria saber sobre a Hanako, ela não me atende.
— Ela não estava se sentindo bem, tirou o dia de folga... por um acaso sai com ela?
— Aproveite sua noite, e descanse.
— Isso explica muita coisa, apenas não pise nela. Ultimamente ela tem sofrido muita pressão.
— Não farei isso.
Dou minhas costas para ambas seguindo de volta para o carro, dirigindo para longe dali chego até sua rua. Após estacionar o carro abro a porta do prédio e subo suas escadarias até seu apartamento, tomo a chave reserva no jarro de flores e abro a porta.
O gracejo que esperava é aquilo que não possuo em minha visão, um semblante inconsciente, tomada pela mais singela face da dor encontro seu corpo estirado. Em meus braços tomo seu corpo, o conduzindo para fora do apartamento.
Escadaria abaixo sigo, a chuva molha não somente a mim como sua face.
Para dentro do veículo a conduzo permitindo que seu corpo seja protegido. Para longe dali a levo indo ao encontro do hospital mais próximo, não sei o que houve ou como tudo ocorreu..., porém fico preocupado com essa sua situação.
Minutos se passam e pela porta deste quarto observo seu semblante mais brando, difere daquilo que testemunhei antes, ao menos sua agonia cedeu neste meio tempo.
Na deixa da sala tenho a visão da médica, parece que foi ontem a última vez em que a conheci. Foi neste mesmo momento, quem diria não é, abro um sorriso e logo a cumprimento.
— Nori, como ela está?
— Tenho uma notícia ruim para te dar sobre o estado de saúde dela. Infelizmente ela perdeu o bebê, aborto espontâneo.
— Deus...
— Fizemos os procedimentos cabíveis, mas imagino que isso se deva a pressão que ela tem sofrido ultimamente. Tem andado bem estressa nesses últimos dias, família talvez, não tenho certeza.
— Estresse? Não sabia disso, que sua situação era tão ruim a este ponto.
— Agora que o pior ocorreu peço que cuide dela, não será nada fácil para ela. Hanako estava feliz com a ideia de ser mãe.
Com suas palavras em mente adentrei o quarto hospitalar permanecendo ao seu lado até que o limiar entre seu repouso e realidade fosse desfeito, suave fora a abertura de seus olhos cheios.
Pressiono sua palma a minha sentindo esse calor sutil que lhe percorre, em seu levantar a expressão cabisbaixa que toma sua face.
— Tudo bem?
— Desculpa por te preocupar.
— Sabe que isso não deveria ser sua preocupação, jamais será um problema, entenda isso.
— Tem algo que me incomoda nisso tudo... é difícil para minha mente aceitar essa realidade, gostar de você, tem um peso maior do que o esperado.
— Essa notícia não é que possa diminuir seu peso, mas saiba que acabou, tem alguns dias que eu assinei meu divórcio.
— Então acabou?
— Sim, não posso dizer que estou alegre com essa decisão de separação..., entretanto estou bem com essa situação.
— Fez bem, tenho certeza de que ela ficará feliz.
— Todos ficaram bem, mas agora, minha maior preocupação não é sobre quem irá ou não... quero saber o motivo de ter escondido de mim sobre seus problemas.
— É difícil.
Tais foram suas palavras, suspiro, a visão desta chuva é algo novo. Simbólico como um novo amanhecer, ou no caso, o cair de uma tempestade que irá abrir um período de calmaria.
— Já que não deseja conversar agora ficarei aqui até o instante onde ira falar.
— Eu sei que perdi o bebê, não precisa me dar essa notícia tão pouco buscar meios de tornar ela mais branda.
— Não como mentir para você não é? — suspiro diante do olhar. — Hanako, você certamente sentiu-se sozinha esse tempo todo, agora eu estarei aqui então pode contar comigo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro