.2.
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Acabei comprando uma capa de couro para esconder o punhal.
Meu pai não poderia sonhar com a existência dele.
Eu devo ser louca o suficiente para aceitar essas coisas, já que a minha avó sempre me alertou sobre certos objetos desconhecidos que são amaldiçoados.
Não que eu esteja com medo ou algo assim, só que é muito estranho receber algo (que pareça ter muito valor) de graça, ainda por uma desconhecida.
Tanto a pulseira, quanto o punhal pareciam ser da mais legítima prata.
Eu gostei, e não sei se teria coragem de dar para o seu remetente, se é que tal pessoa exista.
[...]
-- Você vai comer isso? -- Olho para o lado e vejo Lincoln com os olhos vidrados no pedaço de torta que eu estava segurando em um guardanapo.
Aceno negativamente com a cabeça e entrego o doce para o meu irmão.
-- Você não sabe o que está perdendo, Bel! Essa feira está cheia de doces de maçã. Mamãe nem pode sonhar com isso, mas eu escondi várias guloseimas na minha bagagem. -- dizia ele com a boca cheia.
A criança começou a tagarelar sobre como eu estava desperdiçando o festival sentada nesse banco da praça;
Todavia eu não conseguia tirar as palavras daquela velha senhora, que rondavam a minha cabeça.
Ao meu ver, não havia motivo para me sentir tão instigada.
Mas eu estava.
-- Isabel, olha! -- Cutucou-me Lincoln.
Virei minha cabeça na direção que o garoto apontava e vejo uma linda borboleta monarca.
Ela tinha uma cor azul extremamente reluzente, e dançava com a ajuda do vento entre as folhagens da roseira ali perto.
Uma garota corria entre o espaço das roseiras e parecia seguir a borboleta.
Essa tinha os cabelos escuros e roupas semelhantes às minhas.
Usava um tailcoat cinza, bordado em tons de violeta.
Calçava botas de couro e tinha um adereço em seus cabelos semelhante a orelhas de coelho.
-- Será que são orelhas de verdade? -- perguntou o meu irmão, me fazendo rir.
-- É óbvio que não. Devem ser feitas com pelos de carneiro ou coisa parecida.
A garota se cansa de brincar e para correr. Estranhamente a borboleta faz o mesmo. Depois pousa em sua cabeça.
-- Essa menina é muito bonita, não é mesmo? -- disse Lincoln e eu murmurei confirmando.
Ela pareceu notar a nossa presença ali, mas não sorriu, muito menos acenou para o meu irmão, que estava quase escrevendo "me note!" em sua testa, com o recheio da torta.
Ao invés disso, apenas focou sua atenção na borboleta, que agora se encontrava voando de frente ao seu rosto.
Seus lábios se movem enquanto ela encara o inseto. Ela estava falando com o bichinho azul.
Eu e meu irmão não achamos tal atitude "anormal".
Já vimos a mamãe fazendo isso várias vezes.
-- É sempre uma borboleta azul... -- Lincoln comentou.
A jovem puxa um relógio de bolso do seu colete e começa a olhar o objeto com os olhos arregalados.
Seu enfeite de lã se ergue, assim como as orelhas grandes e atentas de uma lebre.
-- Absolem, estamos atrasados! -- gritou a moça.
-- É. Eu acho que são orelhas de verdade! -- Meu irmão a encarava com fascínio.
-- Isso é impossível!
A menina das orelhas de coelho dispara na direção da mata. Berrando "É tarde! É tarde!" freneticamente.
E esse se torna o segundo item da lista de: 'Coisas estranhas e sem sentido que aconteceram no festival da maçã'.
Não iria ficar calada dessa vez. Muito menos deixar a curiosidade me entorpecer da realidade.
-- Lincoln, fique bem aqui e só saia se o papai ou a mamãe vir te buscar, okay? -- Ele fez um sinal positivo com as mãos, incentivando-me a correr.
E fui atrás dela.
[...]
A garota era ágil. Seus pés pareciam nem encostar no solo enquanto corria.
Não sabia exatamente o motivo, mas sinto que algo possibilita a minha aproximação, porque nos momentos em que eu me cansava, sentia o vento me empurrar para frente, incentivando-me a continuar correndo.
Desisti de tentar pensar nesse momento. Era tudo tão confuso, mas sentia que eu só ficaria melhor quando a garota das orelhas de coelho me desse uma explicação.
Eu sei que ela não tinha esse dever, mas eu iria insistir.
A menina misteriosa ia cortando caminho entre as roseiras altas, que depois deram acesso à um vilarejo abandonado, até se aproximar de um bosque.
Não era um campo limpo. Esta parte possuía vários arbustos altos, o que me impossibilita de enxergar a garota.
Com os braços abrindo passagem, meus olhos capturam a imagem dela novamente.
Ela parou de frente a uma árvore onde tinha raízes tão extensas que impediam a mata densa de cobrir o seu tronco.
Resolvi me esconder ali perto.
Retiro minha cartola da cabeça e a aperto em meu peito.
Meus olhos estavam totalmente fixados nas orelhas dela.
Aquilo era absurdamente exótico...
Paraliso ao ver que corpo da estranha foi criando pelos brancos por toda parte.
Os cabelos negros foram desaparecendo e dando lugar para mais pelos brancos.
Seu tamanho foi diminuindo e diminuindo, até chegar a meio metro.
Num piscar de olhos, ela havia se transformado em um coelho branco.
Eu estava suando frio. Tentava controlar a minha respiração.
Meus olhos queriam saltar para fora.
Tampo a minha boca com a mão livre para impedir qualquer ruído de desespero; incredulidade; admiração ou seja lá os sentimentos que nem mesmo sei discernir no momento.
O animal coloca a pata em uma das raízes da árvore e um buraco muito escuro surge no solo. A garota que virou coelho, se joga dentro dele e ele fecha logo em seguida.
Respirei fundo. Não posso colocar culpa em algum alimento alucinógeno porque não comi nada desde que cheguei.
Ponho a mão no peito, noto as batidas desordenadas e fecho os meus olhos.
Isso não é real!
Perdi as contas de quantas vezes repeti isso para mim mesma.
Tateio os bolsos da minha calça à procura do "presente".
Ah, mas é claro!
Isso deve realmente estar amaldiçoado.
Aquela velha me paga!
-- Sua maldita! -- Atiro a pulseira no tronco.
Coloco minha cartola no chão para prender o meu cabelo. Essa corrida suou até onde não devia.
Um leve tremor começa a chamar minha atenção.
-- Esse lugar me dá calafrios.. -- sussurro.
Decido pegar as minhas coisas e sair o mais rápido possível. Quando me agachei para pegar a cartola, o buraco retorna me fazendo cair dentro dele.
Com o reflexo eficaz, consigo agarrar um pedaço da raiz que estava ao lado da borda da cavidade, me impedido de afundar no buraco.
-- Alguém me ajude! -- começo a gritar para que alguma alma vivente nesse monte de mato, apareça.
As laterais interiores do buraco eram tão lisas, que nem meus sapatos conseguiam fincar para buscar apoio.
-- ME AJUDEM! SOCORRO! -- e nada.
A cartola, por causa do vento, desce buraco abaixo, enquanto eu me mantinha firme para tentar sair. Meus pés não tocavam o fundo e isso me desesperava ainda mais.
Eu não quero morrer.
Comecei a soluçar; eu não sabia se era pelas lágrimas de desespero ou por estar forçando muito a garganta.
Sinto uma pressão em minhas pernas e com isso, começo a gritar ainda mais alto.
Eu não vou morrer. Pelo menos não assim.
Agarro tão forte a raiz na borda do buraco que, sinto a terra entrando em minhas unhas.
Uma batida do meu coração falha.
Tremenda e desconhecida brutalidade começa a me puxar para o fundo.
-- Não, não, não, por favor! -- Clamava com pânico, mas parece que só incentivava esse "alguém" a continuar me levando para a escuridão.
Com o corpo rígido e os olhos cheios d'água, contemplo o que acredito ser a minha última visão em vida.
Caindo de costas ao poço sem fundo, percebo que aos poucos, a escuridão do buraco foi engolindo a imagem redonda do céu limpo com nuvens, que eu enxergava.
O buraco foi diminuindo gradativamente, até eu não conseguir enxergar mais nada.
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