Capítulo 25
5000palavras
Uma forte luz atingiu seu rosto, a acordando de imediato.
Franziu o cenho, apertando os olhos, escondendo a face por baixo das cobertas. Não demorando a sentir mãos as puxando para longe de seu corpo, a irritando de imediato.
- Vamos, acorde! - uma voz feminina e muito conhecida reverberou no cômodo, a fazendo resmungar de frustração.
Estava tão cansada e dolorida da viagem que a única coisa que desejava naquele momento era ficar na cama durante todo o dia a dormir. Mas, conhecendo Andreza como conhecia, sabia que isso não aconteceria.
Se obrigou a abrir vagarosamente os olhos, vendo sua companheira parada ao lado da cama, ainda a segurar o tecido do cortinado, que tinha acabado de tirar das janelas, assim, permitindo a claridade adentrar no quarto.
Reparou que a mais velha usava um vestido amarelo com um decote quadrado. Seu tecido esvoaçante parecia bem leve e confortável, o espartilho não era tão apertado, mas, ainda assim, ressaltava a cintura. Em seu tronco havia uma renda preta sobre o tecido claro, destacando os delicados desenhos que se estendiam até o começo da saia longa. Um belo vestido, não poderia negar tal fato.
- Andreza, por favor, me deixe em paz - disse rudemente, cobrindo novamente o rosto com o lençol de puro algodão.
- Já passa das nove. Está mais do que na hora da senhorita levantar - a mais velha disse impassível, sem dar importância a seu visível mau-humor matutino.
Suspirou, sabendo que Andreza costumava ser muito cabeça dura quando queria, e detestava ser contrariada. Uma das inúmeras características que tinha aprendido e reproduzia com veemência e graça.
Mesmo que a contragosto, acabou por se descobrir novamente, se remexendo para conseguir sentar. Acabou sentindo uma forte pontada no quadril e nas costas, reproduzindo uma careta de dor e desgosto.
- Droga - reclamou em um resmungo, tentando massagear as partes doloridas, sem muito sucesso.
Suas dores eram sempre piores pela manhã. E, sabendo disso, a mais velha costumava a deixar dormir até um pouco mais tarde, para poder amenizar o infortúnio. Mas, sempre chegava uma hora que não podia mais permitir que ficasse na cama, por isso ia acordá-la. Ainda mais quando eram hóspedes e não podiam faltar com o decoro.
Resmungou novamente com tal ideia. Era por esse motivo e inúmeros outros que odiava sair de casa.
Até aquele momento não sabia como Andreza tinha a convencido a participar daquele evento. Se lembrava de que quando recebera o convite, refutou a oferta de imediato. Mas, sua fiel companheira logo começou a discursar sobre o quão importante seria comparecer a todas as festividades, se permitir ver novas pessoas e fazer amizades.
A seu ver, ainda não precisava de amigos, mas de tanto ouvi-la falar, acabou cedendo.
Ela até que podia ser cabeça dura, impassível e dura com suas ideias e palavras, mas a mais velha sempre sabia como a persuadir, e no final conseguir o que queria.
Olhou a sua volta, vendo com perfeição toda a extensão do quarto. Era grande, com a cama de casal de madeira de mogno, um enorme armário de madeira mais ao canto, uma banheira de porcelana para banho e um biombo para se trocar, uma lareira com detalhes bastante ricos, uma porta mais ao lado que dava acesso a outro cômodo contíguo, onde sabia que Andreza tinha dormido, e uma penteadeira discreta com um enorme espelho a sua frente com detalhes em ouro. Era, definitivamente, um belo quarto.
Acabou reparando que sobre a penteadeira havia uma bela bandeja de prata com seu dejejum, e mais ao canto, perto da porta que dava acesso ao corredor, uma moça vestida com o uniforme padrão de serviçal da casa, a espera de que lhe pedissem algo.
- Por favor, diga a senhora Roberts que não estou me sentindo muito bem e não irei poder comparecer aos eventos tão cedo - tratou de falar o mais rápido possível para a moça, que concordou com um manear de cabeça, abrindo a porta para sair.
- Espere! Não saia ainda - Andreza disse apressadamente, impedindo que a outra saísse a cumprir o pedido. Logo depois voltou a falar a olhando. - A senhorita está faltando com a verdade e não tem mais desculpas. Já faltou ao café da manhã e não pode mais faltar aos outros encontros.
- Isso é ridículo. Tenho certeza de que não precisam de minha presença para poderem se divertir - reclamou fechando a expressão de imediato.
- Bem, a senhora Roberts espera ansiosamente por sua presença. Ela a convidou com o intuito de participar de todos os eventos e não para ficar presa dentro do quarto.
- Não vim porque quis. Você sabe muito bem disso. Não queria ter vindo, mas fui obrigada. Então, não me peça para participar de todos os pormenores dessa festa com um sorriso largo no rosto, porque não vai acontecer!
- Não estou pedindo para ficar com um sorriso no rosto, apenas que apareça de vez em quando. Chegamos ontem pela tarde e você já fez questão de entrar neste quarto e não sair até este exato momento. Já estão começando a notar sua ausência. Então, faça o favor de levantar agora e dar uma volta - Andreza ralhou, a segurando pelo pulso e puxando para fora da cama.
Sentiu uma forte fisgada no quadril, a fazendo reclamar com a dor insuportável.
- Calma. Está doendo - disse chorosa, fechando os olhos e tentando respirar o mais tranquilamente possível, na tentativa de amenizar o incômodo.
A mais velha suspirou, suavizando sua expressão de imediato, se abaixando a sua frente, passando as mãos frias por seu rosto, para acalmá-la.
- Vai ficar tudo bem. Minha garota é forte e sempre consegue superar as adversidades.
A olhou, deixando uma grossa lágrima cair pela face, e um leve sorriso de lado surgir, balançando a cabeça em concordância, por enquanto que secava o rosto em constrangimento.
Detestava demonstrar fraqueza, mesmo que fosse na frente de Andreza, a única que a entendia perfeitamente bem.
- Venha, vamos levantar para poder se lavar - a morena terminou de falar, logo chamando a empregada para ajudá-la a levantar Haydeé com o maior cuidado possível, para evitar que doesse mais.
O trajeto demorou um pouco para ser percorrido, mas logo pararam ao lado da banheira, que estava repleta de água com sua fumaça a subir rodopiante. Andreza a ajudou a retirar a camisola de seda, que caiu graciosamente aos seus pés, logo depois a ajudando a entrar na banheira e se sentar.
A água que a envolveu estava quente, fazendo sua pele arder de imediato. Mas, não reclamou, sentindo seus músculos relaxarem no mesmo instante e a dor sumir gradativamente.
Escorou a cabeça na beirada da banheira, permitindo que todo o seu corpo ficasse imergido. Fechou os olhos, suspirando de prazer ao sentir o efeito imediato de conforto a envolver. Aqueles banhos eram a melhor parte do seu dia. Se pudesse, ficaria o dia dentro daquela água a relaxar.
- Vejo que já está surtindo efeito. Sei que essa água quente aromatizada com sais e ervas são um bom relaxante e a faz se sentir melhor - Andreza disse, pegando um tecido e começando a passar sobre a pele de seu braço.
- Sim - falou em um sussurro, aproveitando das boas sensações. - Pretendo construir uma piscina com águas termais em casa, assim que voltarmos para Paris. Assim, vou poder me livrar das dores com maior frequência.
- Sim, essa é uma boa ideia. Mas, não sei se iremos voltar para casa.
- Claro que vamos, Andreza - disse a olhando com intensidade, não gostando muito do comentário. - Não vamos permanecer por muito tempo nesta cidade. Logo voltaremos para casa.
A morena balançou a cabeça em concordância, mas era nítido em seu rosto que parecia não estar muito convencida disso. É claro que não estava, já que ela sabia muito bem o que estava acontecendo.
- Bem. Ainda acho que deveria investir em um casamento. É algo muito mais seguro. Vi aquele rapaz, Oliver Lancaster. Penso que deveria conversar com ele. Tentar alguma aproximação.
Haydeé perdeu o humor no mesmo instante. Toda a tranquilidade que tinha a atingido, se esvaiu de imediato.
- Ele é casado - disse rispidamente, se sentando e começando a se esfregar para poder se limpar, não se importando com o caminho de fogo que percorreu toda sua coluna com o movimento abrupto.
- Ainda penso que deve ser um equívoco. Reparei que ele veio sozinho.
- E o que tem?
- Se ele for realmente casado, não acho que sua esposa o deixaria comparecer a tal evento sozinho.
- Isso não quer dizer nada! Tenho certeza que sua mulher deve ter tido algum outro compromisso, por isso não pôde comparecer. Mas, ela logo aparecerá. Pode ter certeza.
- E que compromisso seria esse no qual a faz deixar seu marido comparecer sozinho a um evento cheio de jovens a procura de pretendentes? - Andreza inqueriu arqueando a sobrancelha em expectativa.
- Não sei. Talvez tenha algo a ver com sua família. Não me importo.
- Mas...
- Mas nada! - a cortou de imediato, perdendo o último fio de paciência que lhe restava. - Agora, me ajude a sair. A água está começando a esfriar e estou ficando toda enrugada.
- Claro. Como desejar - a mais velha disse séria, deixando claro que não tinha gostado da hostilidade.
Mas, não podia evitar. Já estava ficando sem paciência com a insistência da amiga em fazê-la se aproximar do Lancaster. Era a última coisa que queria. Não tinha intensão alguma em arrumar um partido, muito menos naquele lugar.
Segurou com firmeza nas mãos de Andreza, se levantando com sofreguidão. Gruiu com a dor latente que percorreu todo o seu corpo, a obrigando a parar no mesmo lugar para recuperar o ar.
Parecia que especialmente naquele dia suas dores estavam bem piores que o normal. Atribuiu tal efeito ao fato de ter sido obrigada a ficar dentro de uma charrete por três longos dias.
Mas, reconhecia que apesar das intermináveis horas de tortura, nada tinha se igualado a grande jornada que percorrera de Paris até ali. Ainda se lembrava com arrepios das dores insuportáveis que tinha sentido durante todo aquele dia, desde o momento que tinha chegado a seu destino. Se tinha conseguido superar aquela crise, com toda certeza agora também conseguiria.
-- Está doendo muito? - Andreza questionou preocupada, se esquecendo de imediato da pequena discussão.
Apenas balançou a cabeça em afirmativa, não querendo conversar, com medo de piorar a situação.
- Vou chamar o médico. O vi na comitiva, durante a viagem, o que indica que ele também veio. Pedirei para chamá-lo. Tenho certeza que ele deve ter algum medicamente que pode ajudá-la a minimizar a dor - disse apressadamente, se voltando para a moça que a ajudava a ampará-la, na intenção de falar para que o chamasse.
- Não... Não precisa chamá-lo - disse com um pouco de dificuldade, ainda na tentativa de se acalmar.
- Mas, se está sentindo dores, então devemos chamá-lo para poder ajudar.
- Não há necessidade. Já está melhorando, e logo passará por completo. Não precisa se preocupar.
- Tem certeza? - inqueriu ainda muito preocupada.
- Absoluta! - disse se agarrando a tal perspectiva. Era sempre assim. Sentia muitas dores, mas, no final, sempre melhorava. - Agora, me tire daqui.
- Ok - disse, chamando com o olhar para que a outra a ajudasse a tirar Haydeé de dentro da banheira, logo depois pegando um roupão de algodão a enrolando para poder secá-la.
- Andreza, não acredito que está tão desesperada para ver o tal médico - disse brincalhona, fazendo com que a mais velha a olhasse horrorizada.
- O que está insinuando?
- Não precisa fingir desentendimento. Está mais que evidente que só queria chamar o doutor para que pudesse conversar com ele - continuou brincalhona, sabendo muito bem que Andreza a repreenderia com veemência por tal insinuação. Mas, não se importava. Adorava a ver constrangida. Isso a divertia e a distraia de problemas maiores.
- Não diga asneiras. Aqui estou preocupada com seu bem-estar, e me vem falar tais baboseiras? Ainda não sei porque a levo tão a sério - disse brava, a fulminando com o olhar.
- Eu sei. É porque me ama.
Andreza ficou vermelha de imediato, desviando o olhar, desconcertada. Sorriu minimamente. Também a amava, mas não achava que precisava pronunciar em voz alta. Tinha total certeza que a mais velha sabia.
- Me leve até a penteadeira. Tanta falação me fez abrir o apetite - falou por fim, fazendo com que a mais velha se adiantasse a realizar tal tarefa e deixasse de lado o último comentário.
Sentou em um banco estofado e extremamente macio, se servindo de um belo morango, tão vermelho quanto sangue, e tão doce quanto açúcar. Suspirou de prazer, bebericando do suco de tangerina. Toda aquela refeição se constituía basicamente de frutas. As amava, e tinha total certeza que tinha sido Andreza que tinha escolhido com delicadeza tal cardápio, pois a mesma sabia como ninguém os seus gostos.
- Obrigada - agradeceu sorridente, agora colocando uma uva verde em sua boça, a oferecendo outra para que também pudesse comer.
- Não, obrigada. Já fiz o meu dejejum - disse começando a mexer em suas tranças, soltando o seu cabelo para poder penteá-lo. - O que a senhorita planejou fazer durante o dia?
- Pretendo ficar no quarto e, no mais, ir à biblioteca para ler algo. Quer dizer, uma casa desse tamanho deve uma biblioteca, certo?
- Não mesmo. O dia está muito bonito para ser desperdiçado dentro de casa. Acho que deveria sair para dar um passeio, conhecer o lugar. Durante o trajeto, a paisagem me parecia muito bonita. Tenho certeza que a senhorita vai aproveitar e muito.
- Não estou com ânimo no momento - descartou a ideia, não dando muita atenção a mesma.
- Pois, acredito que deve pensar sobre o assunto. Além do mais, ouvi que os outros jovens pretendem sair para um passeio daqui à meia hora e talvez jogar um pouco.
- Agora que não quero mesmo. Não me vejo andando no meio de várias pessoas desconhecidas com seus hormônios a flor da pele, desesperadas para encontrar um parceiro - falou fingindo um arrepio, fechando os olhos de desgosto. - Este, com toda a certeza, não é o meu tipo preferido de diversão.
- Bem, mas poderia tentar. A senhorita ainda é jovem e deveria participar de tais programações.
- Se continuar me chamando de senhorita, vou começar a duvidar de que sou tão jovem como diz, Andreza - falou a olhando em brincadeira.
Ela sabia muito bem que Haydeé não gostava que se dirigisse a ela com tal título, mas a mais velha às vezes se deixava levar pelos costumes.
- Perdão. Mas, acredito que não seja desculpas. Se não deseja acompanhá-los, tenho certeza que pode seguir em outra direção. O que não falta são lugares a explorar.
- Andreza... - começou a reclamar, preparada a contrariar a mais velha, mas a mesma estava disposta a não desistir, nem ao menos a deixando falar.
- Liz, por favor, continue a pentear seus cabelos - a morena disse a empregada, se afastando em direção ao armário, o abrindo e começando a revirar em suas vestes que tinham sido guardadas no lugar na noite passada.
Ficou a observando através do reflexo do espelho a remexer em seus vestidos, a procura de algo com uma expressão bastante pensativa e analítica.
- O que está fazendo? - questionou curiosa, mas já tendo uma ideia do que se tratava.
Como resposta a viu retirar um de seus vestidos do cabide, se aproximando com o mesmo esticado a frente de seu corpo, como se estivesse a exibi-lo.
- Que tal este vestido? Ele é muito lindo e gracioso. A cor valoriza o seu tom de pele, a deixando muito bonita - ela disse, por enquanto que exibia um vestido verde-escuro, de mangas e gola compridas e tecido encorpado.
Era realmente bonito, mas não achava que servia para a ocasião. Além do mais, estava disposta a colocar todos os defeitos possíveis para conseguir se livrar do passeio.
- Está louca? Quer que eu passe mal com o calor? Ele é muito fechado - reclamou séria, a olhando de canto de olho por enquanto que desfrutava de seu belo café.
Andreza fechou a expressão, olhando o vestido com maior atenção, por fim chegando na mesma conclusão. Mas, parecia que não estava disposta a desistir com tanta facilidade, logo voltando a revirar suas vestes, pegando outro vestido e a mostrando.
- Que tal este aqui? Seu tecido é bastante leve, a cor bem clara. Tenho certeza que não irá passar calor. Acredito que esse deve ser perfeito - comentou a exibindo um belo vestido pêssego com seu tecido esvoaçante.
- Bem, tem toda a razão. Mas, acredito que agora esteja querendo que eu fique doente. Esqueceu que o clima desta região é bem mais ameno? E que na mesma hora que está calor e com um céu limpo, no outro já começa a chover e esfria drasticamente? Se sair com esse vestido, é capaz que eu pegue uma pneumonia. Pensei que gostasse mais de mim, Andreza - disse divertida, sabendo muito bem que seu argumento era válido.
- Tudo bem - falou jogando sem paciência e com nenhum cuidado a peça sobre a cama, rumando na direção do armário, logo voltando com outro.
- Muito aberto - disse sem se quer lhe dar a chance de argumentar sobre as belas características do vestido.
- Pare de reclamar - ralhou voltando ao armário e pegando o primeiro que viu a sua frente. - Você irá com este. Não quero mais saber de discussão. Entendeu, mocinha? - falou alterada, a fulminando com o olhar.
Se tinha uma coisa que ela não tinha paciência era ficar procurando por roupas. Para Andreza, qualquer roupa servia muito bem, se ela cumprisse o papel de cobrir as partes principais.
- Tudo bem - acabou desistindo, sabendo que não conseguiria contra argumentar. Além do mais, gostava do vestido e não sabia como poderia o desqualificar. E Andreza sabia disso.
Era um vestido sem muitos detalhes, mas o tecido azul escuro disposto sobre o branco em sua saia e as pérolas em sua cintura já o enfeitava graciosamente. Levemente acinturado, seu tecido leve era reto, o que não atrapalhava na caminhada. O decote oval e as alças eram confortáveis, parcialmente cobertos com um casaquinho azul escuro bem acinturado, com um tecido mais grosso para mantê-la aquecida. Andreza também pegou um grande chapéu, do mesmo tom do casaco, que cobria parte da lateral de seu rosto, pois sabia que ela gostava deles, principalmente em dias tão ensolarados como aquele.
- Ótimo. Vamos. Já chega de comer. Está na hora de se arrumar.
Resmungou ao ser levantada e ter suas roupas tiradas de si. Odiava todo o processo. Se pudesse, andaria apenas com roupões, camisolas ou calças e camisetas largas. Eram muito menos incômodas. Mas, era uma dama e carregava consigo o título de condessa, o que implicava em se vestir conforme a etiqueta demandava. Como uma dama da alta sociedade.
Não demorou para colocarem suas roupas íntimas e logo depois, o tão famigerado espartilho. Era a parte que mais odiava. Ele tinha sido feito exclusivamente para si, adaptado a sua deficiência, deixando sua coluna ereta, assim a permitindo andar com maior destreza. Mas, a sensação era horrível, pois apertava demais, fazendo com que todos os seus ossos doessem como nunca. Mas, com tantos anos o usando, já estava acostumada a seu incômodo eterno. E, era a única coisa que permitia com que ela andasse normal, sem precisar se encurvar.
Logo estava vestida, seus cabelos devidamente presos em um coque alto, e um chapéu de aba larga na cor azul preso de lado. Era tão grande que escondia a metade de seu rosto. Gostava do efeito, pois era a mais nova moda francesa, e isso a fazia ser única naquele lugar. O último acessório que faltava era uma sombrinha bege toda rendada, que usaria no lugar de sua famigerada bengala. Sempre que era possível usava de tais artifícios para se ver livre daquele pedaço de madeira.
Saíram do quarto, rumo ao andar inferior. Como sempre, havia uma enorme escada, que a fez perder o último pingo de humor que ainda lhe restava.
Lanceou para Andreza, lhe julgando apenas com o olhar, mas a outra estava muito disposta a continuar em frente, nem se quer importando com sua expressão severa e, até mesmo, psicopata.
Como previu, demoraram uma eternidade para descer toda a escadaria, fazendo com que sentisse mais dor, como se todo formigamento e pontadas que sentia de segundo a segundo não fossem o suficiente. Na verdade, Haydeé estava muito surpresa consigo mesma por ainda não ter surtado e disparado um monte de palavreados. Talvez, o ar do campo tivesse algum efeito sobre si. Mas, não achava que iria durar por um longo tempo.
Finalmente, conseguiram chegar ao hall de entrada, encontrando, parada no arco de entrada, a baronesa. Andreza tratou de sorrir afavelmente a cumprimentando com gentileza, ao passo que ela se limitou a olhar sem muito entusiasmo para demostrar algum ânimo.
- Baronesa Roberts, o quão agradável é vê-la.
- Pois, digo o mesmo - a ruiva disse sorridente, com um olhar de genuína alegria.
Ela vestia um belo vestido azul marinho que se ajustava perfeitamente ao seu corpo. A saia era bem cheia, deixando claro que muitos tecidos de seda foram utilizados. Um detalhe em renda dourado adornava seus ombros, busto, se estendendo até o fim da saia longa. O decote, recortado como o topo de um coração, deixava a pele bem cuidada à mostra, e em sua cabeça continha um belo chapéu azul com rendas brancas em sua borda. Com mangas bem abertas no cotovelo, com delicadas rendas brancas na barra, era um ótimo modelo para um clima fresco de campo, elegante e leve.
- Condessa! Está deslumbrante neste vestido. Bem diferente do que costumo ver por aqui, mas, verdadeiramente muito bonito. Está se sentindo melhor? A senhorita Lopez me confidenciou que a senhorita não estava muito bem.
- Haydeé está bem melhor! Até está pensando em dar um passeio ao ar livre, para renovar as energias.
- Entendo. Estou feliz por ter melhorado. A pior coisa que se tem é ficar presa a uma cama e não poder desbravar as maravilhas a nossa volta.
Percebeu de imediato que a senhora Roberts era uma mulher fácil de se interagir. Não precisou mais do que duas palavras para descobrir tal fato.
É verdade que ela era uma mulher que se encaixa em todos os padrões visto como ideais pela sociedade. Mas, pôde ver pelo seu olhar e o jeito como gesticulava ao falar, que ela era, de algum jeito, diferente. Não sabia como, mas sentia que seria interessante conversar com ela em algum momento. Pensava que poderiam passar um ótimo tempo a falar.
Quase se viu tentada a fazer tal oferta. Mas Abdreza estava disposta a fazê-la sair de casa a qualquer custo, não a deixando falar.
- Bem, me parece que a casa está mais vazia.
- Sim, a maioria dos convidados saiu. Alguns dos senhores foram a um pequeno vilarejo para se reunirem com antigos conhecidos, as senhoras estão a passear pelo jardim ou foram ao culto na capela. E, os jovens acabaram de sair, para passearem um pouco pela propriedade. Estavam até mesmo pensando em jogar Pall Mall - desatou a falar rapidamente, de forma fervorosa e animada, fazendo com que tivesse dificuldades para acompanhar todo o raciocínio. Parecia que todas as mulheres daquela região falavam muito rápido, sem parar, ansiosas para contar todos os pormenores.
- Pall Mall? O que é isso? - inqueriu curiosa, por nunca antes ter escutado sobre tal esporte.
- Ah! Mais é claro. As senhoritas não devem conhecer, já que não são daqui. Pall Mall é um esporte muito comum aqui na Inglaterra. É um jogo em que uma bola redonda é atingida com um malho através de um arco elevado de ferro, e quem conseguir atravessar esse arco com o menor número de golpes, ou com o número acordado, ganha.
- Mulheres também jogam? - Andreza inqueriu também interessada no assunto.
- Com toda a certeza. Eu mesma já pratiquei muito nos meus tempos de juventude. Modéstia a parte, eu era muito boa e vencia sempre. Chegou um momento que ninguém mais queria jogar contra mim. Depois disso, acabou perdendo um pouco a graça.
- Não joga mais?
- Não, agora deixo para os jovens. Mas, tenho vontade de jogar contra a senhorita Stewarts. Já a vi jogando algumas vezes, e posso dizer que aquela lá sabe como jogar de verdade. Tenho certeza que teríamos uma partida emocionante.
- Com toda a certeza - murmurou perdendo de imediato o interesse, olhando a sua volta à procura de uma boa desculpa para voltar ao seu quarto.
- Talvez a senhorita aprenda a jogar também - a ruiva disse a lançando um olhar inquisitivo e misterioso.
A olhou desconfiada, pois, parecia que a mais velha estava a falar mais coisas pelo olhar do que com apenas as palavras que foram ditas.
- Eu? - inqueriu surpresa, não se imaginando a praticar nenhum esporte. Sua condição não a permitia realizar tais proezas.
- Mais é claro. Se quiser, posso lhe ensinar. Ou se preferir uma companhia mais jovem, posso pedir a meu filho que o faça.
- Isso seria muito interessante. Haydeé está mesmo à procura de aprender sobre a cultura britânica. Nada melhor do que começar aprendendo a jogar um esporte local - Andreza disparou sem piedade, obrigando a fulminá-la com o olhar.
Parecia que a morena estava procurando briga mais cedo do que de costume.
- Acredito que não - disse seca, sem nenhuma piedade.
- Bem. Não custa nada tentar - a senhora Roberts disse simplista, não se importando com o tom de escárnio.
- É claro - falou olhando para os lados, querendo deixar nítido que não estava mais disposta a falar sobre o assunto.
- Pensamos nisso mais tarde. Por hora, a senhorita apenas quer dar uma volta.
- Quero mesmo!? - disse de forma dúbia, não deixando muito claro se era uma pergunta ou afirmação. Mas, sabia muito bem que as duas tinham entendido seu joguete. Estava apenas a querer provocar.
- Sim. Não se lembra que agora mesmo, por enquanto que ainda estávamos no quarto, me disse que não via a hora de começar a explorar todas as maravilhas da paisagem campestre que nos rodeia?
- Não me lembro de ter dito tais palavras.
- Talvez não tenha dito, mas tenho certeza que seus olhares falavam por si só.
- Não sabia que meus olhos tinham o dom da fala. Sempre pensei que tal dádiva era expressamente atribuído a meus lábios - não pôde deixar de alfinetar.
- Bem, mas para bom leitor, meia palavra é o suficiente. Neste caso, meio olhar já basta.
Ambas ficaram a se olhar por alguns instantes, totalmente distraídas do ambiente a sua volta. Tinham até mesmo esquecido da baronesa, que estava a presenciar tal debate.
- Bem. Infelizmente os jovens já saíram há alguns minutos. Foram a pé para um lago que fica há uns cinco quilômetros daqui - a ruiva disse parecendo querer amenizar a tensão, sorrindo de canto, sem se deixar abalar.
- Que pena. Talvez outra hora - disparou de imediato, grata por ter uma desculpa plausível para ficar.
- Mas, estou enviando uma charrete, para os que não queiram voltar andando. Um dos rapazes se ofereceu para a levar. Ainda não saiu. Está parada na entrada.
- Excelente. Melhor impossível - Andreza disparou radiante, ao passo que sua felicidade morria em seus lábios, a deixando morta por dentro.
Parecia que tudo conspirava para que saísse daquela casa.
No final das contas, era melhor ceder, pois Andreza não sossegaria até a ver bem longe dali.
Não sabia muito bem o porquê de tanta insistência. Geralmente, a amiga apenas a importunava por alguns minutos, mas logo deixava o assunto em pauta de lado, deixando que se decidisse por conta própria. Mas, naquele momento, ela estava agindo de maneira insuportável. E, ela só agia assim quando tinha algo em mente.
Suspirou resignada, permitindo que a outra a segurasse pelo braço e a arrastasse a duras penas para fora da casa. Apenas se permitiu levar, já estando conformada com seu destino. Pelo menos não estaria sozinha no meio de estranhos. Ela estaria ao seu lado, e, com isso, poderia infernizá-la para que voltassem.
Viu parada a frente da porta uma charrete de dois lugares, com um espaço para bagagens ao fundo, puxada por dois belos garanhões puro-sangue e malhados. Era uma condução simples, mas daria para o gasto. Havia um rapaz parado ao lado, mantendo os cavalos parados. Ele se vestia com requinte, logo deduzindo que não seria o condutor, pois o mesmo deveria ser um dos mordomos.
Ele logo se ofereceu para ajudá-la a subir. Teve algumas dificuldades, mas logo estava em postos, sentada como uma dama. Esperou Andreza também subir no veículo, mas a amiga ficou parada em pé no mesmo lugar, não dando sinais de que faria algum movimento.
- Andreza? - inqueriu desconfiada, a olhando de cima, vendo a mais velha apenas sorrir de contentamento, dando alguns passos para trás. - Andreza! - disse exasperada, a fulminando ao constatar os planos da outra. - Não ouse... - rosnou revoltada, segurando na madeira ao seu lado, olhando para baixo a procura de um apoio para poder descer dali. Mas, sabia que não conseguiria sozinha, e não teria ajuda de nenhum dos presentes para socorrê-la.
Arfou com raiva, jurando em pensamentos que se vingaria da companheira.
Como ousava a abandonar a própria sorte, a mandando sozinha pra Deus sabe onde?
- O que pensa que está fazendo? - inqueriu sobressaltada.
- Tenho alguns assuntos a resolver. E, pensei em ler alguma coisa mais tarde. Sabe? Descansar um pouco da longa viagem. Ainda não tive tempo para isso. Tenho certeza que a senhorita me compreende.
- Claro... - sussurrou chocada com a desculpa esfarrapada. Não acreditava que Andreza estava jogando suas próprias palavras contra si.
Aquilo era um absurdo!
- Divirta-se! - a mais velha falou animada, dando as costas e entrando na casa na companhia da baronesa, sem nenhum remorso aparente em seu olhar.
Estava prestes a se jogar dali, sabendo que as várias camadas de tecidos amorteceriam a queda, mas logo sentiu um movimento brusco ao seu lado, e a presença de alguém se sentando ali. Deveria ser o condutor.
Estava pronta para pedir que a ajudasse descer, mas a voz que escutou mesmo antes de poder vê-lo a fez se arrepiar de raiva.
Aquilo só podia ser uma punição divina.
O quão azarada ela poderia ser?
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