→ Prólogo
A estrada estava quase deserta, o dia clareava e o cheiro de canela pairava no ar dentro daquele jaguar prata, juntamente ao clima pesado enquanto o carro estava em velocidade média.
O jovem rapaz encarava a estrada pela janela com a expressão entediada e os olhos pesados, quase dormindo, mesmo com os fones de ouvido no volume máximo. Já a garotinha, ao seu lado, sorria largamente enquanto brincava com suas bonecas.
— Estava conversando com ela, de novo? — Questionou a mulher de cabelos longos e castanhos no banco do carona ao marido, com um semblante indecifrável em seu rosto, arrancando um suspiro do motorista carrancudo.
— Qual o problema agora? Não posso mais falar com ninguém? — Rebateu o homem grisalho, com a voz carregada de ironia.
— Você sabe... — Suspirou ela, encarando a estrada. — Já disse para ficar longe dessa gente.
— A vida é minha, eu decido o que faço. — Respondeu, apertando o volante com pouca força.
— Ainda quer argumentar? Não lembra da última vez? — Insistiu, séria, consequentemente mudando a expressão do esposo.
— Os negócios são meus, não se meta. — Apertou mais o volante.
— Papai, mamãe, por favor, não briguem. — Pediu a garotinha com um bico nos lábios e os olhinhos preocupados.
— Fica na sua, pirralha. — Disse o pai, com a feição irritada.
— Não fala com a minha filha assim! — Gritou em resposta ao marido, com seu instinto de mãe afiado.
— Ela também é minha filha! — Devolveu, furioso. — Eu falo com ela do jeito que eu...
— Pai! Mãe! — Só então se deram conta do caminhão à sua frente, e assim o veículo da família Kamal bateu de vez contra o vidro do carro, estilhaçando tudo.
De repente tudo se apagou, então surgiu um silêncio ensurdecedor.
Até dava para ouvir algo, mas parecia tão distante...
Pareciam... Máquinas?
O rapaz na maca parecia em estado crítico, seus cabelos castanhos cacheados caíam sobre seus olhos fechados, logo ele os forçou um pouco, abrindo-os com dificuldade pela claridade local. Estava tudo embaçado, todavia, após piscar algumas vezes conseguiu enxergar onde estava.
As paredes eram brancas, do seu lado esquerdo a janela estava fechada, dava para ver que era de noite, ao lado um ar-condicionado, logo abaixo um sofá marrom-claro, ao seu lado direito uma bolsa de soro conectada em sua veia, também tinha um monitor de pulsação ligado ao seu peito e uma cadeira de couro da mesma cor do sofá.
— Droga... — Passou a mão pela cabeça, suspirando pesado. — Que dor. — Olhou em volta confuso, a porta logo foi aberta, revelando um homem de cabelos castanhos com um jaleco branco, a feição antes apreensiva em seu rosto mudou rapidamente para o que pareceu ser alívio ao perceber o jovem acordado.
— Que bom, você acordou. — Disse, aproximando-se do menino confuso.
— O-O que aconteceu? Q-Quem é você? — Perguntou, assustado.
— Tenha calma, não deve se estressar agora. — Apontou para o monitor de batimentos cardíacos que já começava a soar mais rápido.
— Por favor, me diga, o que aconteceu? Eu só lembro de um... Forte barulho e... Os gritos... — Murmurou algo indecifrável, sentindo-se desconfortável.
— Você lembra o seu nome? — O homem de jaleco perguntou, enquanto o garoto acastanhado sentiu uma dor forte na cabeça, fechando os olhos com força.
E então um zumbido alto.
Kai...
— K-Kai... — Murmurou tentando lembrar de mais alguma coisa, depois logo encarou o homem. — Esse é o meu nome?
— Quero que me diga, lembra do seu nome completo? — Ele tentava, mas não conseguia se lembrar, e quanto mais tentava tudo voltava a doer com mais intensidade, então suspirou derrotado e negou. — Seu nome é Kai Kamal Huening, e eu sou Park Woohan, seu médico. — Por fim, o rapaz alto de jaleco branco disse, um pouco decepcionado pela reação do seu paciente desmemoriado.
— Onde é que eu tô? Onde estão os meus pais? O que está acontecendo?
— Preciso que você mantenha a calma e respire fundo. — Kai obedeceu inspirando e logo depois expirando, repetindo o processo quatro vezes. — Agora preciso que me diga, do que você se lembra? — Tentou manter a voz serena.
— E-Eu lembro de... A minha irmã! Ela parecia triste por alguma coisa e... Eles estavam falando alguma coisa, mas eu não conseguia ouvir... — Disse, com os lábios trêmulos, apertando o punho esquerdo. — Onde eles estão?
— Por favor, mantenha a cal...
— Eu estou calmo, só quero saber onde eles estão. — Seu coração voltou a acelerar, Park suspirou e se sentou numa cadeira perto maca onde Kamal estava.
— Contarei o que aconteceu. — Juntou as mãos uma na outra, tinha o rosto inexpressivo, mas com um pouco de dor no meio. — Você e sua família se envolveram num acidente. — O acastanhado sentiu todos os pelos do seu corpo se arrepiarem, nenhuma palavra saiu de sua boca, o que arrancou outro suspiro do doutor. — Felizmente, você conseguiu sobreviver, mas... — Abaixou a cabeça, sem coragem de olhar nos olhos do garoto. — Fizemos de tudo... E infelizmente... — Respirou fundo. — Tanto seus pais quanto a sua irmã... Não resistiram.
Aquela era a pior parte de ser médico, ter que dar uma notícia como aquela para a família de alguém. Era difícil para todos, sem exceções.
Kamal ficou sem reação, não acreditava, não queria acreditar.
— Não... I-Isso não pode ser verdade. — Encarou o médico inexpressivo. — Me diga que isso é mentira... — Engoliu em seco, sentindo um nó na sua garganta quando lágrimas começaram a se formar em seus olhos. — P-Por favor...
— Eu lamento, senhor Kamal. — A voz de Park estava embargada.
— Não... Não pode ser... — Fungou, encarando o lençol que cobria suas pernas. — Não acredito em você... — Então ele começou a tremer, tentando tirar os aparelhos de seu corpo.
— Não pode fazer isso! — Tentou impedi-lo segurando seu pulso, mas o rapaz começou a se debater.
— Minha família! Eu preciso vê-los...! — Começou a chorar desesperadamente, ele quase gritava. Seu estado assustou
Woohan o e o obrigou a apertar o botão em cima da maca, logo, duas enfermeiras entraram no quarto.
— O que houve..? — Perguntou a mais baixa entre elas, meio assustada, enquanto a outra se mantinha quieta, sem reação.
— Tragam sedativos, agora! — Gritou Park, em desespero, tentando conter o Kamal, que ainda se debatia em seus braços.
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As ruas de Itaewon eram bem movimentadas à noite, vinha gente de todo o lado, sem parar. Algumas famílias eram pequenas, outras bem grandes até, alguns casais andando pela rua demonstravam o seu amor um pelo outro, mas nenhuma daquelas era a realidade de Jeonghye.
A garota se encontrava no meio do mar de pessoas, segurando nas mãos um saco de tamanho médio do Bonanza Caffe, a expressão de impaciência tomava conta de seu rosto.
Yang Jeonghye tinha uma vida um tanto complicada, era o modelo perfeito de filha única, certinha e responsável, mas sua rotina havia mudado drasticamente desde a morte dos pais. Porque só restou ela e sua triste solidão.
Conseguir ganhar a vida como detetive havia sido bem difícil, não era muito comum na Coreia que mulheres seguissem aquele tipo de carreira e, apesar de muitas vezes rebaixada pelos outros por sua condição. Jeonghye não se deixava abalar, não precisava da aprovação de ninguém a não ser da própria.
Alguns minutos se passaram. Logo, Yang suspirou aliviada ao chegar no escritório, abrindo a porta pesada.
— Boa noite, senhorita Yang. — Disse o recepcionista, um senhor grisalho e sorridente.
— Boa noite, ahjussi. — Curvou-se levemente e enfiou a mão dentro do saco, colocando um copo com chá gelado em cima da mesa. — Aproveite. — O mais velho juntou as mãos em frente ao rosto, vendo a mais baixa andar pelo corredor.
Hye então pegou seu celular do bolso e começou a digitar algo, mas seu corpo se arrepiou por inteiro ao sentir uma mão sobre seu ombro.
— Ainda não se acostumou, criatura? — Revirou os olhos e se virou para encarar o homem loiro que sorria com a sobrancelha levantada.
— Hyunjin-ah, sorte a sua que eu não tenho outra pessoa pra te substituir, do contrário, já estaria num caixão.
— Você não vive sem mim, bebê. — Brincou, abraçando a mais baixa que bufou como resposta. Hyunjin e Jeonghye eram melhores amigos que se consideravam como irmãos, se não fosse por ele, Yang estaria ainda mais solitária que o de costume. — Cadê meu chocolate?
— Cara, você é interesseiro, hein. — Colocou a mão dentro do saco, puxando o copo de chocolate gelado entregando ao Hwang, logo pegando a mesma bebida para si e jogando o saco na lixeira do corredor quase vazio.
— Ainda temos vinte minutos, podemos comer na sua sala, como nos velhos tempos. — Yang riu, em seguida, tomando um gole do chocolate pelo canudo.
— Pode ser. — Pegou a chave e destrancou a porta, entrando com o amigo.
A sala de Jeonghye era pequena, mas não tanto. As paredes eram beges com alguns detalhes em madeira, a mesa de marrom ocupava quase metade da sala, tendo em cima um notebook branco juntamente a uma caneca de cor branca do Pacman com algumas canetas dentro e um caderno grosso listrado. De um lado da mesa havia uma cadeira, do outro, duas. A janela estava fechada com as persianas brancas escancaradas.
Hyunjin se sentou sobre a cadeira de sua amiga, apoiando as pernas na mesa começando a tomar sua bebida. Jeonghye revirou os olhos e se sentou numa das outras duas cadeiras do lado oposto.
— Folgado. — Murmurou, ouvindo uma risada como resposta dele.
— Noona, você viu? Parece que teve um acidente envolvendo um carro e um caminhão ontem, na entrada de Seul. — Yang deu uma sugada no canudo do chocolate.
— Eu não, como foi?
— Uma família estava no carro voltando de Busan, parece que por um descuido o homem que estava dirigindo não viu o caminhão vindo na mesma direção e eles colidiram. — Respondeu Hwang, com um bico confuso. Então, em meio ao silêncio, um som de notificação foi ouvido, Yang pegou o celular imediatamente.
Jeonghye arqueou a sobrancelha ao observar uma mensagem de seu chefe na tela de bloqueio.
— "Yang Jeonghye, compareça à minha sala." — A mulher leu a mensagem em voz alta, atraindo a atenção de Hyunjin.
— O que foi? — O rapaz tentou bisbilhotar novamente.
— O senhor Osaki tá me chamando. — Yang respondeu.
— Aish, que saco, estamos no intervalo. — Seu amigo reclamou, ela riu e levantou-se.
O rapaz acastanhado encarava o teto do quarto. Possuía os olhos meio vermelhos pelo choro que não cessava, os lábios trêmulos e a ponta do nariz avermelhada, além do corpo coberto até o peito por um lençol branco. HueningKai não tinha a menor vontade ou coragem de se mexer, não conseguia lembrar de nada, sua cabeça estava um caos e seu coração estava desconsolado.
Sua cabeça começou a doer, o que o fez fechar os olhos com força.
— Me deixa te ajudar. — Disse uma menina de cabelo curto, com um sorriso meigo no rosto, estendendo a mão para si.
O zumbido voltou, fazendo a imagem da garota à sua frente se distorcer um pouco e sua visão ficar embaçada.
Kai acordou de seu transe atordoado e com o coração um pouco acelerado. Seu rosto estava banhado por lágrimas, sentia uma dor fraca no peito, ele não soube dizer se era algum problema cardíaco ou um aperto no coração. Ouviu algo, virou o pescoço para encarar a porta que havia sido aberta às pressas por seu médico.
— Está tudo bem? — Ele perguntou, indo até o rapaz na maca.
— Acho que... Mais ou menos... — Respondeu, apoiando as costas no colchão da maca.
— Seu coração está acelerado, o que aconteceu? — Perguntou ele, visivelmente preocupado.
— Um sonho estranho. — Diz meio desconfiado. — Senhor Park, quando vou poder ir pra casa?
— Não sei ainda, Kai, mas acho que em poucos dias receberá alta. — Ajeitou o soro do paciente inquieto. — Faça o exercício de respiração como lhe mostrei antes, isso lhe ajudará a se acalmar.
Kamal inspirou fundo, logo depois expirando, repetindo o processo três vezes, sentindo seu coração bater um pouco mais calmo.
— Prontinho, quer me contar o que acontecia nesse sonho? — Sugeriu Park, com a voz serena.
— Acho que... Eu tava dormindo bem aqui, mas acho que foi um déjà-vu... Não sei explicar, uma criança estendia a mão pra mim, depois disso tudo ficou embaçado e acabei acordando. — Explicou. — Acho que já vi sua imagem antes, mas não lembro muito bem...
— Pelo que você viu, consegue lembrar o nome dela? — Questionou, olhando para ele com atenção.
— Não. — Fez uma expressão frustrada, Woohan suspirou.
— Tudo bem, é melhor você descansar um pouco e tentar novamente amanhã, okay? — O mais novo assentiu. — Durma bem. — Curvou-se de leve e saiu do quarto, fechando a porta.
Kai se deitou e, com todo o cuidado do mundo, abraçou o travesseiro, sem conseguir pregar os olhos de novo.
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O vento gostoso da noite entrava pela janela do quarto, mesmo que meio coberta pelas persianas de tecido bege. Duas das paredes do quarto são brancas e as outras duas de um marrom-claro com desenhos de corações, num canto o guarda-roupa que ocupava quase metade da parede era encostado numa mesa com um computador em cima, do outro lado tinha uma cama grande, coberta por um edredom branco e marrom-claro.
Jeonghye estava em frente ao computador, com o cabelo preso por um elástico, no seu rosto tinha uma daquelas máscaras faciais. Após terminar de comentar sobre seu dia monótono no Twitter, ela suspirou e se sentiu enjoada, pois era sempre a mesma coisa.
Pelo menos, até ela lembrar da conversa de mais cedo.
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— Boa noite, senhor Osaki, queria falar comigo? — Perguntou Yang, entrando na sala.
O homem tinha uma postura séria, seu cabelo era castanho e usava o corte de cabelo chamado mullet, sua pele era meio bronzeada e ele usava um terno casual azul. A sala do chefe era praticamente igual à sua, a única coisa que mudava era a foto emoldurada na parede, na qual ele era retratado com uma garotinha de uns cinco anos nos braços, os dois pareciam felizes.
— Sente-se, Jeonghye. — Disse o homem, com a expressão séria. — Enfim, te chamei porque tenho um caso pra você.
Yang se animou, mas ainda manteve a expressão neutra, fazia tempo que não era chamada para nada, estava começando a se entediar.
— Bem, acho que já ficou sabendo sobre o acidente na entrada de Seul, não? — Perguntou Osaki, seu supervisor, recebendo um aceno positivo da mulher. — A família que vinha de Busan acabou falecendo, com exceção do filho mais velho que, no momento, está internado no hospital central com amnésia parcial. A questão é que, o corpo do motorista do caminhão, que colidiu contra eles, não foi encontrado. Temos quase cem por cento de certeza de que ele fugiu para não encarar as consequências... Já que as evidências encontradas dentro do que sobrou da cabine do caminhão, foram algumas garrafas de soju quebradas, ou seja, acreditamos que ele bebeu e dirigiu, o que é crime.
Como sempre bem observador, ao falar ele transparecia um dos vários pontos que fez Osaki Shotaro ganhar a vida como detetive particular por alguns anos com sucesso, além de estar sempre focado em qualquer caso que se responsabilizasse, logo podendo abrir seu próprio escritório, apesar de sua vida parecer conturbada, tendo que cuidar da filha quase que sozinho, não a trocaria por nada.
— Então devo tentar encontrar esse cara. — Disse Jeonghye.
— Esse é um dos objetivos. Como eu disse, o filho mais velho está vivo, mas não se lembra de nada do ocorrido. O médico acabou por descobrir que os pais e a provável irmã eram a única família dele e, também, descobrimos que o pai era o presidente de uma empresa aqui em Seul. Ou seja, o rapaz é o herdeiro.
— E...?
— Seu principal dever é encontrar o culpado pela batida de carros e deve tentar ajudar o Kamal a relembrar de sua vida. — Jeonghye arqueou uma das sobrancelhas.
— Kamal?
— Kai Kamal Huening é o nome dele, provavelmente americano. — Anotou algo em uma folha. — Enfim, esse é o seu novo caso, espero que possa contar com você, Yang.
— Darei o meu melhor, senhor. — Curvou-se um pouco, antes de sair.
— Sei disso. — Entregou uma pasta à mais nova. — Essas são algumas informações sobre o Kamal e a empresa de seu pai. — A mulher abriu a pasta, quase arregalando os olhos.
— Espera, ele é herdeiro da Key Studios? A segunda empresa de jogos mais incrível da Coreia? A mesma que está desenvolvendo o jogo mais esperado desse ano? — A mulher teve que segurar sua animação ao pensar aquilo.
— Bem, se já sabe o que fazer, está liberada. — Yang se levantou e se curvou novamente, logo caminhando até a saída.
— Tenha uma boa noite, senhor Osaki. — Disse, abrindo a porta.
— Boa noite, senhorita Yang. — Ela saiu, fechando a porta.
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— Kai Kamal Huening, né...? — Perguntou a si mesma. — Por que acho que já ouvi esse nome antes?
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