→ Capítulo 3
Uma semana depois...
Kai terminava de vestir o moletom azul enquanto arrumava o cabelo castanho — com cheiro de frutas vermelhas, devido ao shampoo do hospital. Olhou-se no espelho uma última vez: sentia-se vazio, oco, sem ideia do que estava prestes a acontecer e, de certo modo, aquilo lhe machucava bastante.
O rapaz deu um suspiro pesado e bateu a mão na própria testa, ainda encarando a imagem no espelho.
— O que será de mim agora? — Perguntou a si mesmo, sentindo estar angustiado. Uma lágrima escorreu por sua bochecha pálida, que o Huening secou com o polegar.
Logo, saiu do banheiro, notando Woohan a lhe aguardar, com aquele sorriso de coelho no rosto que, por alguns segundos, confortou o paciente.
— Tudo pronto? — Perguntou o Park e Kai assentiu, sem esboçar qualquer reação. — Vamos... — O mais velho abriu a porta do quarto, vendo o Huening lhe acompanhar em silêncio.
Ao chegarem no térreo do hospital, o rapaz desmemoriado foi surpreendido por um abraço, de um homem grisalho que tinha um sorriso gigante de uma orelha até a outra, que o apertava de forma carinhosa, como se quisesse protegê-lo.
— Patrãozinho! Como é bom te ver! — Exclamou o senhor, finalmente soltando o mais novo, que lhe encarava com confusão. — Como está? Ainda sente alguma dor? Posso ajudar de alguma forma?
Sem saber o que responder, Kai apenas murmurou, completamente envergonhado.
— Bom dia... O-Obrigado pela preocupação, estou bem! — Disse, com um sorriso fraco e meio forçado no rosto, o que deixou o motorista perplexo.
— Hyuka? Está tudo bem mesmo? Você parece diferente... — Comentou ele, causando ainda mais dúvida em seu interlocutor.
O que diabos era Hyuka?
— Senhor, sinto muito, mas o que seria "Hyuka"? — Perguntou Kai ainda hesitante, recebendo um olhar incrédulo como resposta.
— Como assim? Você não lembra? — O senhor indagou e, com a negativa, tirou
do bolso sua carteira, pegando uma foto e a entregando nas mãos do Kamal. — Não lembra?
A dita fotografia era de um menino, com olhos meio puxados e cabelos castanhos, em um balanço. Bem sorridente. Ao seu lado, havia uma figura barbuda com um grande sorriso no rosto, bem parecida com o senhor à sua frente.
Contudo, ele não lembrava.
Mesmo que se esforçasse, nada lhe vinha à mente.
Nada.
Kai apertou o papel entre os dedos e encarou o homem, que parecia nervoso.
— Huening... E-Estamos juntos desde que você era criança... E-Eu cuidei de você esses anos todos, como se fosse meu filho... — Disse o outro, com a voz trêmula. — Você realmente não lembra?
Huening sentia-se péssimo, sabia que, se continuasse, o homem não demoraria a chorar, mas não podia mentir, então ficou em silêncio.
O senhor pressionou os lábios um contra o outro, prendendo o choro, logo forçou um sorriso e encarou o jovem.
— Tudo bem! Bem, irei me apresentar de novo então. — Suspirou, ainda segurando as lágrimas. — Meu nome é Kim Kiyoo, trabalhei para a sua família por vinte anos e cuidei de você e de sua irmã praticamente desde sempre... — Fungou. — Vim aqui para lhe levar para casa.
— Oh, obrigado, senhor Kim, é um prazer? — A afirmação saiu mais como uma pergunta, afinal não sabia o que falar, apenas se curvando de leve.
O senhor abriu a porta da Duster branca, e Kai, adentrou ainda meio encolhido. O Kim entrou logo após, no banco do motorista. O Kamal, por sua vez, olhou através do vidro Woohan acenando para si, visivelmente tentando sustentar um sorriso. O rapaz fechou os olhos e deitou a cabeça no banco, tentando ignorar tudo ao seu redor, relaxar um pouco, embora não conseguisse ignorar o som dos soluços do motorista.
Só piorava.
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Jeonghye estava esgotada, tanto física quanto emocionalmente. Já faziam alguns dias que não dormia direito, passara noites em claro pesquisando, em cada site e blog sobre psicologia que encontrava na sua busca pela internet: melhores maneiras de estimular alguém a recobrar a memória. Sim, tudo isso pelo seu "cliente", ou melhor, era para ser considerado como um cliente, visto que, desde a última vez, a situação ficara um tanto pessoal.
Mesmo após uma semana, a ficha parecia não cair: depois de tantos anos, em que ela jurava ter o perdido, o mesmo garoto estava ali, tão perto e tão longe ao mesmo tempo.
Ela faria de tudo para tentar ajudá-lo, mas desejava apenas que Kai se lembrasse.
Yang sabia, sentia no fundo do coração, que o primeiro encontro dos dois foi significativo, para ambas as partes; era impossível que ele não sentisse algo semelhante ao aperto no peito que Jeonghye percebia todas às vezes em que observava os olhos confusos e amedrontados do Huening.estranho insistia em dizer para a detetive que Kai era mais semelhante a ela do que aparentava ser.
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Shotaro abriu a porta de seu grande apartamento e olhou ao redor atentamente, procurando por algo, ou melhor, por alguém.
— Byunmin? — Chamou ele pela filha, e então, ao ouvir um barulho, deu um sorriso, direcionando o olhar 'pro sofá. — Hum, onde será que ela 'tá? — Perguntou, a escutar um murmúrio baixo, e começou a se aproximar do sofá em passos lentos. — Cadê a minha princesinha? — Indagou e, em um movimento rápido, correu para detrás do sofá, encontrando a garotinha a rir ao ver o pai, e logo, começou a correr pela sala, sendo pega pelo mais velho, em seguida. — Ataque de cócegas! — Shotaro começou a fazer cócegas na filha, que ria alto, uma risada fofa que melhorava os dias de Shotaro.
— Papai! — Disse ela, entre risadas. — Isso é trapaça! — Fez um bico nos lábios, recebendo um beijinho na bochecha, advindo do pai.
— Não é, não! — Falou o Osaki, apertando a bochecha da menina, que escondeu o rosto em seu pescoço. — Cadê a tia?
— Ela saiu há pouquinho. — Respondeu a pequena, como se não fosse nada demais deixar uma criança sozinha.
— Saiu? E ainda não voltou? — Indagou o mais velho, encarando a filha, que assentiu. Ele suspirou com incredulidade.. — Okay, depois falo com ela. — Ditou Shotaro então, revirando os olhos. — Enfim, venha, vamos passear!
— Sério, papai? Pra onde? — Perguntou Byunmin, com os olhos brilhando.
— Surpresa! — Proferiu o homem, girando-a no ar, ao ouvir sua gargalhada fofa.
— Eba! Passeio! — Bateu palmas a menor, e o pai sorriu bobo.
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Jeonghye dirigia pelas ruas, apressada. O vento do ar-condicionado batia em seu rosto, e tudo que ela sentia era ansiedade. O pouco que lembrava daquela bendita casa de anos atrás era sua localização, em Daechi-Dong, um dos bairros mais nobres de Seu e, como consequência, uma parte que resguardava uma importante coleção de sua história com Huening Kai.
A mulher então estacionou em frente à grande mansão dos Kamal. O lugar não mudara tanto, mas o jardim da frente que, na sua infância, costumava ser grande e cheio de flores coloridas, estava seco, morto, como se não fosse cuidado há anos. Jeonghye, ao observar tal cena, se questionou, o que teria acontecido com aquela família durante todo o tempo que passara longe.
Tudo estava tão confuso, contudo não podia retroceder, afinal já tocara a campainha, e logo, uma senhora de cabelos grisalhos com uma expressão abalada apareceu, forçando um sorriso ao ver a Yang.
— Bom dia! — Jeong cumprimentou e curvou-se levemente.
— Bom dia, senhorita, em que posso ajudar? — A outra curvou-se também.
— Bem, suponho que soube do caso da família Kamal... — Começou a mais nova e a senhora baixou a cabeça, confirmando.
— Trabalho para eles há anos; tratavam a mim e aos demais empregados como parte da família, e ficamos completamente abalados com o ocorrido e o fato de o senhor Huening estar com amnésia. — Sua voz falhou ao tocar no assunto, deixando o coração da detetive apertado.
— Sinto muito mesmo, meus pêsames a todos vocês. — Ela disse, apertando uma mão na outra. — Mas, estou aqui por esse exato motivo. Sou Yang Jeonghye, detetive responsável pelo caso Kamal.
— Oh sim! Mas, pensei que apenas a polícia estava participando das buscas. — A senhora proferiu, enxugando o rosto.
— Na verdade, meu chefe me passou esse caso, pois ainda não têm pistas. Ele pensou que, comigo o ajudando, talvez conseguiríamos mais resultados, é como um negócio mais autônomo, entende? — Explicou e a caseira assentiu. — Enquanto os policiais estão fazendo o trabalho manual, estou buscando alguma pista e tentando ajudar o senhor Huening Kai a recobrar a memória.
— Entendo. É um prazer, senhorita. Bem, irei chamá-lo, aguarde um momento, sim? — A funcionária da casa falou, abrindo espaço para que Jeonghye entrasse.
A detetive adentrou, olhando ao redor; a casa parecia não ter mudado nada, pois as paredes de madeira escura continuavam ali, assim como a grande televisão e, atrás dela, havia uma estante de porcelanato branco. O piso cinza estava todo limpo, o grande lustre pendurado no teto e o sofá modelo L, de cor cinza, estava em frente ao aparelho.
Nada mudou.
— Senhorita Yang? — A mulher se virou ao ouvir a voz de Kai, que usava uma camiseta cinza do Stranger Things e uma calça de moletom preta.
— Bom dia, senhor Kamal. — Cumprimentou ela, soltando um suspiro por ter que manter a formalidade.
— Bom dia, por que está aqui? Aliás, como sabe onde eu moro? — Perguntou o Kamal, coçando a nuca. — Isso está meio estranho.
— Kamal. — O garoto ouviu-a atentamente. — Eu preciso conversar algo com você.
— Ah, pode falar, sente-se. — Proferiu ele, acomodando-se no sofá, logo sendo acompanhado pela Yang, que respirou fundo.
— Eu sei que... Isso pode parecer palhaçada ou uma pegadinha, mas eu tenho quase certeza de que nos conhecemos, antes do acidente. — O desmemoriado tombou a cabeça para o lado, confuso.
— Calma, como assim? Eu não estou entendendo... — Kai ditou, fazendo Jeonghye suspirar.
— Sabe o sonho que você andou tendo? Com aquela menina? — Ele assentiu em confirmação. — Me diga, em alguma parte desse sonho, essa menina lhe entregava uma flor?
Kai desviou o olhar, tentando lembrar-se de algo e, de repente, um rápido flash sobre a garotinha de seu passado veio em mente, o que permitiu que ele visualizasse sua aparência.
— Eu...Não lembro bem... — Ele pressionou os lábios um contra o outro, sentindo-se culpado novamente. — Sinto muito.
— Ei, não precisa se desculpar. — Disse Jeong, com a voz serena. Ela, de fato, sentia muito pelo rapaz.
— Se isso ajuda, acho que lembro da aparência dela. — Kai fez mais um esforço para lembrar.
— Sério? Como era? — Perguntou ela, esperançosa.
— Ela era baixinha, o cabelo dela era escuro e bem curto, acima dos ombros. Tinha a pele branca e os olhos meio grandes. — Proferiu o rapaz o pouco que memorava.
— Calma. — A mulher, surpresa, pegou seu celular e, procurando entre suas fotografias, encontrou uma foto sua na escola primária, abraçada com Hyunjin no balanço, toda sorridente. — Era essa menina? — Perguntou, mostrando a foto ao Kamal.
— É muito parecida, muito mesmo. — O mais novo olhou com mais atenção para a foto. — Um momento.
— Não podemos tirar conclusões precipitadas agora, por isso vim confirmar isso. — A detetive logo guardou o celular no bolso. — Por essa razão, no caminho para cá, tive uma ideia.
— E qual seria? — Perguntou o Kamal.
— Voltarmos ao local onde você e aquela garota estavam e, se meu palpite estiver certo, nos conhecemos na Sungnyemun Gate, o portão de entrada no centro de Seul. Lembro desse dia como se fosse ontem.
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Em alguns minutos, os dois estavam dentro do carro da Yang, e Kai, no banco do carona, olhava a paisagem pela janela, perdido e sem foco. Sua vida virara de cabeça para baixo, tudo por conta daquele maldito acidente.
Jeonghye dirigia distraída, pensando em tudo que acontecia, temendo as respostas que buscava e da conclusão que tudo aquilo teria.
Ambos estavam assustados.
A mulher então estacionou o veículo, logo saindo junto ao Kamal. Kai parou em frente àquela grande construção, olhando ao redor e, mais uma vez, um fragmento de sua memória voltou, onde aquele mesmo lugar estava cheio naquele fatídico dia. Ao olhar ao redor, vislumbrou um casal de mãos dadas com um garotinho e um bebê de colo; o rapaz os reconhecia: eram seus pais, com ele e Mahina. O casal, no entanto, começou a se distanciar, o menino a qual assistia estava tão eufórico, e Kai precisar correr para acompanhá-los.
O jovem apressou-se pela construção, procurando, em sua visão, pelos seus pais, mas a família havia sumido em meio à multidão.
— Pai? Mãe? — Murmurou ele enquanto os buscava.
O Huening apertou os punhos, segurando as lágrimas. Logo, se virou e ao encontrar os olhos de Jeonghye, um arrepio percorreu sua espinha, o fazendo visualizar outra família.
— Oi?
Pôde ouvir novamente a voz daquela menina, e vendo a si mesmo quando criança a segurar a mão da garota, tudo sumiu enquanto as lágrimas desciam por seu rosto. Muitas coisas passavam por sua cabeça, e ele, cabisbaixo, voltou o olhar para a Yang, que o encarava com preocupação.
— Kai? — Chamou ela, e surpreendida por um abraço do mais novo, sentiu seu coração apertar ao ouvir os soluços do rapaz, cuja única reação de Jeonghye no momento foi retribuir o abraço.
Uma coisa era certa: aquilo não podia ser uma simples coincidência.
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