Apoio o violão sobre as minhas pernas, cobertas por um jeans que tem mais buracos desfiados do que tecido ("cobertas", nesse caso, é relativo). Deslizo os dedos sobre as cordas e sinto a textura de cada uma, e elas imploram: "toque algo, por favor". À minha volta, corredores lotados com os tipos mais variados de instrumentos musicais, sem uma única pessoa por perto. É um lugar muito silencioso para o tipo de loja que é; algo sussurra nas caixas de som nas paredes, mas tão baixo que nem tenho certeza de que seja uma música. Me parece um lugar cruel onde confinar instrumentos.

Tenho apenas duas mãos, então me contento em conceder alguma alegria ao menos para o violão que seguro. Com os dedos esquerdos, formo os acordes, e, com os direitos, dedilho sobre a abertura na caixa de ressonância. É algo novo; a combinação e o ritmo tomam o controle das minhas mãos, formando uma progressão sem que eu precise pensar, de fato, nela. É como desbravar um novo caminho: cada nota um novo passo. Abro passagem entre o desconhecido e gosto do lugar por onde estou seguindo; posso ver um brilho no fim da trilha, sei que me aproximo de algo extraordinário, algo encantador.

— Charlie!

Estou de volta ao ambiente silencioso da loja. Levanto a cabeça. Greta está me encarando com um ar meio irritado (o que não é tão digno de nota, ela sempre está irritada).

— Charlotte... — Soa como quem apenas desistiu. — É claro que você estaria na loja de música. — Ela olha ao redor como se estivesse no pior lugar do mundo.

— Me desculpe. — Coloco-me em pé e devolvo o violão ao seu pedestal (prisão, na verdade). — Perdi noção do tempo.

— Não, Charlie. — Minha amiga apoia as mãos nos meus ombros. — Você perdeu noção do que veio fazer aqui: me ajudar a encontrar um vestido para o evento.

— É que você parecia muito disposta a ouvir apenas a opinião da Sheryl.

Ela rola os olhos azuis e abre um sorriso, suavizando a sua carranca mal-humorada. Sheryl havia nos encontrado sem querer, estava no seu horário de almoço na gravadora e aproveitara para buscar alguns itens que haviam pedido para um vídeo-clipe.

— O ciúme não te cai bem.

— Como se eu fosse ter ciúmes da Sheryl. — Afundo as mãos no bolso da jaqueta jeans do Hard Rock Cafe. — Eu me senti inútil. Para mim, você estava linda em todos os vestidos, e a Sheryl realmente tinha algo para dizer.

— Ela foi embora. — Greta agarra o meu braço e me arrasta consigo.

— Ainda acho que é ela quem você deveria ter chamado para isso. — Meu estilo é tão diferente do de Greta, que todas as vezes em que ela me chama para ajudá-la a escolher roupas, eu me questiono qual é a sua real intenção. Dizer que ela está linda em tudo o que veste, parece pouco confiável.

— Ela não é a minha melhor amiga. E eu amo ser elogiada.

— Céus, Greta. É um evento oficial do Grammy, você não pode confiar no que eu falo.

Deixamos a loja e voltamos ao corredor do shopping. Para onde olhamos, estão os nomes das maiores e mais caras grifes. Greta deveria estar com a stylish dela, não comigo.

— Quero passar na Gucci.

— Já não fomos lá?

— Você me abandonou antes mesmo da Prada.

— E você não achou nada?

— Já comprei o que preciso na Chanel.

— Então por que vamos na Gucci?

— Porque já consegui o que preciso, agora vou atrás do que eu quero.

As atendentes da loja cumprimentam Greta com a animação de quem já se conhece; para a saúde financeira da minha amiga, ela passa tempo demais naquele shopping.

Fico sentada em uma poltrona, enquanto Greta é mimada com indicações de peças de vestuário, observa a própria figura diante de um espelho, então parte para o provador e aparece dentro de uma nova roupa.

— Você deveria comprar algo também. — Greta alisa o próprio corpo, ajustando o vestido em sua silhueta, seu cabelo é uma cortina platinada em contraste com o tecido preto. — Não vai ao evento?

— Eu nunca vou nesses eventos. — Faço uma careta, que Greta capta pelo espelho.

— Ainda me pergunto como você conseguiu se tornar uma das compositoras mais requisitadas do mercado, sem quase sair de casa.

— Conheço as pessoas certas e os meus números são melhores do que eu em falar por mim.

Aos vinte e oito anos, eu estou no ápice da carreira e atingi o que as pessoas mais almejam: estabilidade. Não preciso mais me esforçar para estar em qualquer evento chato do mercado fonográfico para me apresentar às pessoas, como era aos meus dezoito anos; agora, todo mundo me conhece, as gravadoras e os empresários vêm até mim.

— Pergunta séria. — Greta está de frente para mim, com as mãos na cintura. — Você nunca quis ser a cantora? A pessoa que aparece nas capas dos CDs, que dá entrevistas e é ovacionada pelas multidões.

— Por que eu ia querer isso? — Solto um risinho abafado.

Eu posso ficar no conforto da minha casa usufruindo dos milhões de dólares que os royalties que o mercado fonográfico me garantem por ano, enquanto faço aquilo que mais amo sem me preocupar com outra coisa além de criar música.

— Todo mundo quer isso — Greta continua.

— Você quer ser essa pessoa?

— Não, eu gosto de ser um dos tubarões na produção executiva. — Volta a observar o próprio reflexo. — Quero estar no controle.

— Você acabou com o seu próprio argumento.

— Estou dizendo sobre ser admirada, aparecer e ser adorada. Eu faço isso. Amo aparecer como uma das produtoras executivas mais influentes do mercado fonografico, uma das mais jovens a conseguir chegar num cargo como esse.

Greta é um diamante precioso e brilhante, seria um completo desperdício de talento e de imagem escondê-la, ainda que o seu cargo não tenha tanta necessidade de atenção midiática quanto o artista de fato. Mas as pessoas adoram ela, admiram a trajetória dela, a gravadora tem muito a ganhar com a visibilidade de Greta.

— Gosto de ficar na minha bolha confortável — justifico a minha escolha. — Por que eu ia querer trocar isso pela pressão de estar sempre no topo dos charts, passar dois anos em uma turnê exaustiva, centenas de entrevistas, gravar vídeo-clipes... — Fico cansada só de pensar.

— Você vive em uma bolha da qual eu prefiro manter toda a distância. Imagine não ser adorada. — Ela pisca para mim através do espelho antes de voltar para o provador. Sinceramente, nem eu sou capaz de imaginar Greta escondida em casa, como eu.