69. Você não é o J. R. R. Tolkien!
#praTodosVerem | Descrição da imagem: fotografia em preto e branco com desenhos por sobre a foto. O autor está de perfil e olha para o horizonte. Está com cabelos grisalhos, veste camisa de lã quadriculada e segura um cachimbo. A fumaça espirala diante do rosto dele.
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As pessoas se esquecem de que o maravilhoso e grandioso universo criado por Tolkien não foi tirado "do nada", criado por uma "inspiração que caiu do céu" ou por um "milagre literário". Quem estudou a história do autor sabe das credenciais que ele teve para escrever suas obras e do quanto estudou para moldar seus mundos. A Terra Média é uma construção que tem geografias de lugares visitados pelo autor e, claro, adaptados para a fantasia. Ele soube ambientar os lugares onde Luthien, Bilbo, Frodo e companhia caminham porque ele viu as referências, estudou, pesquisou, mergulhou nessas pesquisas; ele pisou em muitos lugares e usou essa experiência em seus livros. Dito isso, por que você continua achando que não precisa pesquisar, estudar e até viajar para moldar mundos plausíveis?
Muitos autores do Wattpad se inspiram em "O Senhor dos Anéis", mas só veem o final, o produto pronto. Eles esquecem de todo o trabalho de ANOS, DÉCADAS que o Tolkien levou para construir essa obra. São autores que querem os louros do sucesso, porém, se recusam a terem a calma e o empenho necessários para alcançar isso.
Entenda: mundos de fantasia só são plausíveis quando eles têm bases em lugares reais, em sociedades reais, em algo que sustente aquela magia. "Harry Potter", "O Senhor dos Anéis", "Percy Jackson", "Crepúsculo", "Jogos Vorazes", "Divergente", "Desventuras em Série", todos eles têm algo em comum: suas bases narrativas, seus alicerces, são moldados em cima de ambientes reais que só foram adaptados pelos autores.
O termo "ambientes reais" não se refere apenas a lugares. O ambiente usado para moldarmos uma narrativa envolve as pessoas, os conflitos sociais, a linguagem, a cultura, os costumes. Gêneros como a fantasia e a ficção científica podem parecer desconectados da realidade, uma "fuga", mas passam longe disso. A beleza de uma narrativa fantástica é o modo como ela traz temas da nossa sociedade envoltos em uma capa lúdica, algo que faz com que entendamos um assunto delicado de forma mais suave.
Na série "Jogos Vorazes", por exemplo, a opressão social que vivemos, os temas políticos em que estamos inseridos, fica evidente na trama da autora Suzanne Collins. Em "Harry Potter", a fantasia se presta a discutir temas como morte, amadurecimento e escolhas da vida. Em "O Senhor dos Anéis" (especificamente a trilogia), apesar de o próprio Tolkien dizer que não fez alegorias, temos uma história que conta muito sobre os povos europeus, conflitos e redenção.
Esses universos de fantasia, reitero, não vieram "do nada"; não "pipocaram" na mente dos escritores. E, mesmo que tenham "pipocado" em suas mentes, eu te garanto que esses autores não "saíram escrevendo". Pelo contrário: essas pessoas pararam, silenciaram, tiveram calma, estudaram, planejaram, roteirizaram, escreveram, reescreveram por diversas vezes para, só então, mostrar para alguém.
Em resumo, se você quer criar mundos de fantasia e não tem paciência para moldar as bases desse universo, será difícil construir algo que se sustente por mais de um livro – quiçá, por mais de um punhado de capítulos.
Uma das experiências mais diferentes que já presenciei aqui no Wattpad são os autores que começam a escrever/publicar um livro de fantasia e a obra de repente faz algum sucesso. Então, sem planejamento, decide aproveitar a onda e expandir a história. Perceba: não há erro algum em expandir um universo de fantasia. O problema é quando você faz isso sem um mapa, sem um roteiro, sem um planejamento prévio, tendo como foco somente a manutenção daquela visibilidade. Não raro, os resultados são personagens mal aproveitados, erros de continuidade, tramas cansativas, protagonistas que vão de encontro ao que foi estabelecido no livro original.
Quer um exemplo de como fazer uma expansão com cuidado? O próprio Tolkien.
Quando terminou "O Hobbit" e mostrou para o editor Stanley Unwin, este ficou tão empolgado com os hobbits que pediu mais histórias sobre eles - algo que o Tolkien não tinha. O autor ainda chegou a apresentar a obra "O Simarillion", mas Unwin a recusou. Ele queria hobbits!
Então, o que o Tolkien fez? Sentou-se, estudou, moldou, construiu, reconstruiu, fortaleceu e expandiu esse universo. Ele respeitou a própria obra, o próprio esforço. Claro, é necessário dizer que foram doze anos de trabalho até sair "O Senhor dos Anéis". E não, você não precisa passar doze anos escrevendo as bases de uma trama! Por favor!
O foco é o cuidado; a vontade de moldar uma história pujante, relevante, com bases sólidas ao ponto de ser atemporal. Se Tolkien tivesse se empolgado com a oportunidade editorial e escrito "qualquer coisa" só para atender ao pedido do editor, "O Senhor dos Anéis" não seria o que é hoje. Talvez, apenas talvez, ainda fosse bom. Mas não teria a mesma força e o mesmo significado.
Quer fazer uma série? Planeje. Não caia no que o público pede. Tome as rédeas da tua narrativa. Acima de tudo, preserve o percurso narrativo dos protagonistas.
Há pessoas por aqui que criam ótimos conflitos no primeiro livro, caem nessa armadilha de continuar a história porque alguém pediu e escrevem dois, três, quatro livros a mais que não trazem nada de relevante. E pior ainda é quando a pessoa publica e escreve todos os livros da série ao mesmo tempo com a desculpa de ter "medo de perder a inspiração".
Não faça isso. Tenha paciência. Você só "perde" a inspiração se não a desenvolve antes de começar a escrever. Desenvolva-a e a tua série de livros agradecerá.
E os teus leitores mais ainda.
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