39. Como escrever HOT sem soar pornográfico
#pratodosverem | Descrição da imagem: em uma cama, imagem tirada de cima, vê-se parte do torso desnudo do autor envolto por lençóis. Porém, tomando quase toda a fotografia original, temos uma estrela amarela gigante. A inserção do recurso foi feito porque algum espírito de porco mal amado denunciou o livro como "pornográfico" devido a foto do capítulo 27 ("Cuidado com nudes de leitores"). Eu tive que explicar para o Wattpad todo o contexto daquela foto e o motivo absurdo de a terem censurado, a hipocrisia que havia no ato. Entenderam e A foto foi republicada. No entanto, para evitar problemas de novo e até que o livro seja excluído sem aviso, preferi eu mesmo censurar esta foto aqui. Paciência, né?
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Você é ginecologista ou é escritor? Para mim, essa é a pergunta fundamental ao conversarmos sobre a descrição de cenas sexuais (ou as "cenas HOT" como muitos preferem chamar). O sexo vende, o sexo atrai, o sexo é instintivo. Digam o contrário, defendam abstinências, falem em "Satanás" e "fogo do inferno", de "Eva" e do famigerado "pecado original", não adianta: o instinto sexual é a coisa mais forte que temos. Erguemos arranha-céus, enviamos sondas para além do Sistema Solar, criamos nano robôs para curar nossas doenças, nos achamos o auge da evolução... No final das contas, morremos e sucumbimos aos instintos sexuais como qualquer outro animal. Ao meu ver, é um tapa na cara muito engraçado.
Diante disso, como moldar uma narrativa sexual que fuja da comparação com um filme pornô?
Para começo de conversa, diversifique tua leitura de obras com temática erótica. Faça isso e verás como você pode escrever o que quiser sem soar como uma professora de anatomia. O objetivo aqui não é impedir que você descreva partes do corpo ou movimentos e suores e gemidos. Pelo contrário! O objetivo é que você consiga passear pelas várias possibilidades de narrativa erótica sem pender sempre para o lugar comum do pornográfico; de um mero conto erótico encontrado pela internet.
A regra fundamental é: a cena de sexo não pode causar um "ruído" na leitura. Em outros termos, ela deve estar atrelada ao contexto da obra. Se você escreve um romance fofo e sutil, espera-se que se houver uma cena sexual ela acompanhe esse sentimento. Eu já vi livros por aqui, romances comuns, sobre a vida cotidiana, sem insinuações sexuais, que do nada pendiam para tórridas cenas de sexo com direito a minúcias sobre fluídos e posições sexuais. O pior é que parece que a autora pegou um livro do Kama Sutra, leu as descrições e copiou. Foi gratuito, exagerado e amador. Ela jogou fora o foco narrativo em prol de um falso impacto no público. Impactou, sim. Quer saber como? O livro perdeu leitores. Muitos leitores.
Esse exemplo nos leva a outro aspecto fundamental: ter alguma maturidade sexual. E não, eu não estou falando aqui sobre experiência sexual. Eu falo sobre consciência diante do tema. Tenha em mente que o sexo é muito mais do que o mero gozo, especialmente o masculino. O sexo traz questões comportamentais, questões de poder; traz medos, fardos, angústias, traumas. E se você para de focar apenas nos corpos e traz um contexto para aquilo, a cena te presenteará com um conjunto rico de possibilidades. E o maior pecado em cenas desse tipo é o constrangimento do leitor. Se o público começa a ler e sente repulsa (não pelo sexo, mas pela técnica utilizada pelo autor), a cena se torna vazia, sem conteúdo, dispensável.
Lembre-se: não é uma consulta ginecológica ou urológica. É um jogo de sedução. E, por vezes, o jogo é muito mais interessante do que o gozo.
Para ilustrar, vou te dar três obras que são exemplos distintos do modo como cenas assim podem ser encaradas.
Comecemos com "O Primeiro Beijo", conto de Clarice Lispector. A obra narra o despertar da sexualidade de modo sutil. Em uma excursão, um garoto beija uma menina pela primeira vez e sente uma explosão dentro de si. O texto pende para o lado mais poético, quase lúdico do momento. Veja este trecho:
"[...] Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido. [...]" (1971)
Clarisse não precisou nomear partes do corpo desse garoto para entendermos sobre o que ela fala, precisou? É sutil, é delicado, é universal. É compreensível e bonito. É humano.
Um segundo exemplo, dessa vez mais direto que o primeiro, vem de "A Casa dos Budas Ditosos" de João Ubaldo Ribeiro. O autor compila relatos de uma mulher que relembra toda a sua vida da infância até a velhice, com foco nos amores e prazeres que vivenciou. É interessante notar como há algo de explícito sim. Porém, a construção narrativa desse erotismo não é gratuita e chega mesmo a ser dramática. Vamos ao trecho:
"[...] Ela me chamou de meu amor, meu amor, minha tesão, minha dona, minha ídola, meu tudo, minha vida e, ai como eu a chupei, como chupei tudo dela, até que ela, falando as coisas mais sublimes que podem ser ouvidas, gozou como uma loba divina uivando [...]" (1999)
É explícito? Sim. É pornográfico? Não. E não, não venha me falar que "ah, mas pelos meus conceitos, é pornográfico, sim". Isso é puritanismo religioso. Saiba diferenciar as coisas. Algo impactante em "A Casa dos Budas Ditosos" é como o João Ubaldo brinca com essa hipocrisia religiosa; com um cristianismo que demoniza o sexo, mas que, internamente, está cheio de "representantes" tomados por luxúria. É a explicitude literária do sexo tomada como ato social e político. É denúncia.
É um soco no estômago e você vai querer mais porque é bem escrito.
Por fim, uma clássico do gênero. Considerado o mestre da narrativa erótica, temos o polêmico Marquês de Sade. Vil, explícito, transgressor, esse autor francês causou tumulto no século dezoito ao expor a natureza humana na sua forma mais suja – ou seria "na sua forma mais real"? Sem pudores, o Marquês é um exemplo de uma narrativa mais impactante, como vemos neste trecho de "A filosofia na alcova":
"[...] Como é bom beijar esta penugem! (...) Como te mexes bem!... Afasta mais as coxas... Ah, és virgem, sem dúvida!... Diz-me o efeito que irás sentir quando nossas línguas se introduzirem ao mesmo tempo nos teus dois orifícios. [...]" (1795)
É mais óbvio, é mais descritivo, é mais explícito. Mas é trabalhado, calculado, moldado com um claro intuito de chocar e de fazer pensar. Algo que o Marquês de Sade defendia é que uma sociedade que teme o sexo é uma sociedade capaz de atrocidades, afinal, quando se bloqueia um instinto, ele explode em algum lugar, normalmente na violência.
Represe um rio e uma hora ele transborda.
Fuja da hipocrisia, mas ciente do que você escreve. Não atire tuas palavras à esmo. Saiba o que, quem e como você quer atingir aquele alvo. Use o HOT para denunciar, por exemplo, a ditadura que as mulheres vivem em relação ao prazer delas. Use-o para mostrar como o mundo machista em que vivemos encara o sexo de formas diferentes para os gêneros. Escreva sobre a farsa de casamentos onde apenas o marido sente prazer e toma a esposa como uma boneca de descarga de frustrações. Maridos homofóbicos que transam escondidos com travestis; a repulsa ao sexo na terceira idade; a fragilidade da masculinidade; o modo como o sexo tem um contexto próprio nas prisões; as pessoas que não sentem necessidade sexual... É um universo infinito de possibilidades, mas cerceado por falsos pudores. Saia do lugar-comum e embarque em outras formas de prazer.
Fuja da besteira sobre pecado, diabo, etc. Escreva sem medo.
É humano!
Animalescamente humano ou humanamente animal, você faz parte disso.
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