30. Fuja da padronização LGBTQIA+
#pratodosverem | Descrição da imagem: diante de uma obra de arte geométrica, com formas triangulares em preto e em branco, vê-se o autor sentado de costas, abraçado aos joelhos e de chapéu. No centro das costas dele, vemos a bandeira do arco-íris como se fosse uma tatuagem.
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Gays brancos de classe alta que se apaixonam por héteros brancos de classe alta. Lésbicas fadadas ao estilo "caminhoneira". Bissexuais que parecem ter uma "chave" gostar de homens/gostar de mulheres. Transsexuais cujo único foco de vida é a redesignação sexual. Queers, assexuais, não binários, arromânticos, intersexo e todas as demais letras ignoradas... Quando o assunto é a comunidade LGBTQIA+, o Wattpad é um antro de padronização. E, para mim, isso fica ainda pior por um motivo simples: grande parte do público da plataforma é formado por jovens em formação de personalidade (13 – 19 anos) e, por mais que não pareça, um livro idolatrado pode influenciar nesse processo.
É preciso ter responsabilidade na escrita.
Imagine uma jovem de 14 anos que vem se descobrindo interessada por meninas. Esse não é um processo fácil. Por mais que ela tenha apoio familiar, a sociedade lança estigmas que estão em nosso imaginário coletivo e fugir deles é uma tarefa árdua. Agora, imagine que essa garota leia no Wattpad e, como somos atraídos por situações semelhantes à nossa, ela embarque nos livros com histórias de amor lésbico. E então, todas as histórias (ou a maioria delas) evoque um padrão de comportamento, um padrão de problemas e um padrão de soluções. Livro após livro, conto após conto, todas as tramas trazem mulheres cuja orientação sexual é o cerne de tudo. Essas mulheres trabalham pensando nisso, vão a festas pensando nisso, sempre se apaixonam pelas melhores amigas ou pela chefe e parecem viver voltadas para esse detalhe da personalidade.
Eis o clichê e eis uma jovem garota cheia de caraminholas na cabeça.
Você já percebeu, por exemplo, como a maior parte dos personagens gays do Wattpad têm corpos atléticos, cabelos ondulados ou lisos, olhos claros e são de classe média alta ou da classe alta? Já percebeu como a base da pirâmide LGBTQ (mulheres gordas, negras, pobres e transsexuais) raramente são abordadas? Já percebeu como não há gays peixeiros, lixeiros, policiais, carpinteiros a não ser que seja em um contexto de fetiche? Já notou como o que é mostrado nesses livros, com capas cheias de modelos estonteantes, passa longe da tua vida, da vida dos teus amigos e dos teus conhecidos? Será que TODAS as pessoas da comunidade LGBTQ+ serão escurraçadas de casa e comerão o pão que o diabo amassou? Onde está a pluralidade que a própria bandeira do arco-íris evoca?
Eu tive problemas e agressões, mas, definitivamente, a realidade mostrada nesses livros não é nem 10% da minha realidade...
Por mais que muitos digam que o interessante de uma história é fazer com que a pessoa fuja da realidade, eu acredito que uma história que aborde essa mesma realidade da qual se tenta fugir é muito mais relevante e transformadora. Quando lemos um livro e nos identificamos com ele, quando reconhecemos aqueles personagens como pessoas reais, plausíveis, que estão do nosso lado, que estão nas ruas, nós criamos empatia. Nós respeitamos ainda mais aquela obra; nós aprendemos a nos respeitar e aceitar ao invés de corroborar para a criação de padrões inalcançáveis que apenas geram preconceitos dentro da própria comunidade LGBTQIA+.
Sabia que dentro do mundo gay os afeminados não são bem vistos e o estereótipo do "macho alfa" é adorado? Pois vá para o Wattpad e perceba como isso é enaltecido. Muitos dos livros da plataforma reiteram isso. E o pior: não é algo consciente. Como disse acima, são conceitos que estão em nossa base educacional, familiar, religiosa. Conceitos que dizem que tudo o que é feminino deve ou escondido (nos homens) ou exacerbado (nas mulheres).
Você já percebeu isso? Já notou como tudo o que se aproxima do feminino é envolto em polêmicas? Um homem que tenha trejeitos femininos foge do "esperado de um homem macho", não? Uma mulher com trejeitos masculinos, então, foge do que é esperado de "uma delicada dama". Boa parte dos livros LGBTQ+ do Wattpad mergulham nesses preconceitos.
A realidade pode não estar nas tramas, mas está nas entrelinhas. E as entrelinhas doem, pois no momento em que você não se vê representado, você se sente anular cada vez mais e mais.
Pegar um ator "bonitinho" ou um cantor de "K-pop" e colocar no elenco na tua história como uma "representação" do gay sem ter uma contexto de inclusão, um contexto que vise abraçar a realidade do país que mais mata pessoas LGBT+ no mundo, contribui apenas para uma coisa: para você sair por aí falando que tua história "tem representatividade".
Qual representatividade?
Sinceramente, o mundo já nos joga pedras demais. Ao invés de colocar ainda mais pedras, ajude as pessoas a construírem pontes.
Saia da bolha.
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