112. Como você descreve roupas?
#praTodosVerem | Descrição da imagem: vê-se uma foto aproximada do autor. Em primeiro plano, à esquerda, vemos o queixo dele coberto por uma máscara preta com estampa de caveiras. À direita, no fundo, refletido no espelho, vemos a parte de trás da cabeça dele com as amarrações da máscara passando pelo pescoço e no alto da cabeça.
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Você descreve a qualidade do tecido ou as sensações daquele tecido? As cores da roupa têm relevância para a história ou você só descreve a paleta de cores por achar que fica "bonitinho"? Aquela roupa traduz a personalidade do teu personagem ou só está ali para fazer volume na quantidade de palavras escritas? E os teus leitores cegos: descrever em minúcias uma peça de vestuário fará diferença no entendimento que eles terão sobre a tua história? Você já parou para estudar a personalidade das cores?
Este tópico pode parecer "sem noção", afinal, se há algo que poucas pessoas atentam na hora de escrever um personagem é o vestuário. Quando as roupas nem aparecem na trama, ótimo. O problema é quando o autor insiste em descrever roupas para, no final das contas, elas não impulsionarem em nada no livro. Tenha em mente a seguinte premissa: "tudo o que você coloca no texto tem de ser pensado". E outra: se você toma algumas linhas para descrever cores, tecidos, quantidade de fios, caimento, etc, a simbologia dessa ação descritiva é que aquele objeto terá algum papel importante. Se as nossas roupas traduzem as nossas personalidades, as roupas dos nossos personagens traduzem as personalidades deles. Atente para isso. Sendo assim, mergulhe nesse contexto; vá além da mera descrição.
Por exemplo, pensemos que uma personagem acaba de saber que o chefe birrento está prestes a lhe entregar uma carta de demissão. No entanto, essa personagem tem uma personalidade marcante e decide lacrar na empresa para resolver as coisas do jeito dela.
Ao invés de um mero "Elisabete escolheu um vestido tomara que caia e foi para o trabalho", dê substância para a escolha dessa roupa e puxe os sentimentos da personagem para o ato de vestir, as cores, o tamanho, etc.
"Elisabete desligou o telefone e sentiu o chão se abrir. Contudo, ela não deixou que o terremoto viesse. Fechou o piso e abriu a porta do guarda-roupa. Viu o vestido tomara que caia e não pensou duas vezes: vestiu. Aquele tom de amarelo "cheguei" contrastava com sua pele e quase a deixou cega. Sorriu. Já imaginava Jamil, croquetado em seu terno chique, tendo um infarto quando ela entrasse na sala. Arrumou o busto e queria mais. Subiu a roupa dois palmos para cima, colocou alguns alfinetes e mostrou mais as coxas. Das duas, uma: ou seria demitida de uma vez por todas ou promovida na hora!"
Pense no significado da moda. Nós temos uma sociedade que tem preconceito com Deus (literalmente) e o mundo (mais literalmente ainda) e quando se refere à moda, então, entram pensamentos como "é coisa de mulher", "moda é fútil", "a moda não me influencia", etc. Todos nós, todos!, somos sim influenciados pela moda. E não pense em moda só como aquilo que está nos grandes desfiles das Semanas de Moda.
Há uma "moda de passarela", que é mais para apresentar coleções, expor tendências, e há uma "moda de rua", que é o dia a dia, a forma como aquelas peças da passarela se adaptarão ao cotidiano dos consumidores. Um mero calção, uma mero sutiã que você veste hoje, uma camiseta branca lisa, tudo foi pensado por alguém.
E a moda também é política, as cores indicam posições.
Uma Damares, ministra de Direitos Humanos do Brasil, que faz questão de vestir uma blusa rosa e um blazer azul para anunciar que o país se juntou à Uganda e à Arábia Saudita em uma "cruzada contra o aborto" (!) é um ato político; é um ato ideológico.
Quando a agora vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, faz o discurso da vitória vestida com um terno totalmente branco e com aquela cor específica de branco, há uma mensagem ali. Era um símbolo de união, um símbolo de paz, óbvio. Mas também remete às sufragistas, movimento do início do século vinte de luta pelas mulheres pelo direito ao voto. Em 1978, na marcha por Washington em apoio a Emenda pela Igualdade de Direitos, as mulheres estavam de branco. Em fevereiro de 2019, enquanto Donald Trump discursava na Câmara dos Representantes, as deputadas do Partido Democrata estavam de branco. Nesse contexto, o branco é um símbolo do empoderamento feminino na política estadunidense.
Aqui no Brasil, por exemplo, as manifestações de 1992 pelo impeachment do presidente Fernando Collor contou com milhares de pessoas vestidas de preto e com os rostos pintados de verde e amarelo. Os conhecidos "Caras-Pintadas" trouxeram na vestimenta e nas cores a descrença no governo federal, a vergonha, o luto pelo país; no rosto, a esperança de um futuro melhor, a esperança em um país ainda colorido, ainda verde e amarelo.
Voltemos à França do século dezessete. Quando Luís XIV (catorze) sobe ao poder em 1643, o centro da moda não era Paris, era Madrid, com roupas mais sóbrias e contidas que pendiam para o preto. O rei francês, portanto, precisava afirmar o seu poder, domínio e relevância na Europa. E foi então que ele investiu na alta costura, com roupas douradas, cheias de jóias, opulentas, grandiosas, sapatos finos. Não à toa, ficou conhecido como o "Rei Sol". Luís quinze praticamente usava suas vestimentas para performar como Apolo, deus grego do Sol. Palácios, jóias, a estrutura da corte, carruagens, poderio financeiro e político, tudo apontava para esse poder quase divino. A própria corte passou a seguir essa moda. Mas as roupas do rei, o impacto causado por elas, isso o transformava no próprio deus Apolo.
Não ignore o poder que as roupas trazem para o contexto de um personagem. Se for apostar nisso, estude e faça da roupa uma extensão da narrativa.
As roupas também têm suas histórias dentro das histórias.
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