Capítulo XXX
Cem anos, foram mais de cem longos anos de desaparecimentos misteriosos, ou melhor, cem anos de mortes misteriosas, essa era a verdade sobre aquela cidade. Contudo, esses cem anos são referentes ao período em que começaram a notar os desaparecimentos, em vista disso, não se descarta a possibilidade de que esse Haidu resida nessas terras muito antes disso. Quanto medo foi gerado nesse tempo? Quão alimentados os Haidu não foram? Quanta contribuição foi feita para o enfraquecimento da Linie?
Frieda seguiu pensando sobre tudo o que conseguiu até então, ela e os demais seguiram para seus respectivos quartos, lá eles se lavaram e se encontraram mais uma vez a fim de irem para a sala de jantar, local onde eram feitas as refeições no geral. Não houveram grandes acontecimentos no almoço, exceto se mencionar o fato de que Hansel estava pálido e não respondeu a nenhuma das tentativas de Frieda em tentar interagir com ele, a senhorita Hummel sustentou a ocasião com sorrisos falsos e conversas vazias.
Quando a refeição findou, a anfitriã pediu licença pois precisava fazer os preparativos para o que ela chamou de "surpresa especial" para aquela noite, e por um breve momento ela esboçou real animação, o que lhe conferiu uma expressão levemente doentia, então ela riu e se retirou como se fosse incapaz de se conter um pouco mais.
Ralf sentiu um calafrio, Leon lançou para Erna um olhar que denunciava sua inquietação.
Frieda ignorou aquela cena e se pôs de pé assim que a senhorita Bathild deixou a sala acompanhada por Hansel. Griselna fez o mesmo.
– Vou me recrear na biblioteca. – Disse Griselna. – Alguém mais está interessado?
Sem tempo para resposta, a mulher simplesmente saiu dali e os demais a seguiram.
O quinteto cautelosamente procurou pela biblioteca naquela grande mansão, tomaram os devidos cuidados para não entrar em cômodos suspeitos ou fazer coisas que poderiam deixar a anfitriã ou o Haidu em alerta. Quando encontraram finalmente a biblioteca, se espalharam e foram direto para as estantes.
Aquele era um cômodo consideravelmente grande, havia apenas uma grande janela ali e estava aberta para ventilar, estantes estavam acopladas nas paredes e dispostas em fileiras pela maior parte do ambiente, nelas se encontravam livros que iam da literatura até conhecimentos didáticos, em um canto ficava uma mesa alta com um grande mapa retratando a divisão geográfica do continente, estendido e protegido por uma tampa reta e retangular de vidro. A biblioteca também contava com duas mesas de carvalho acompanhadas por seis poltronas com revestimento de couro na cor cinza claro em cada uma delas, contabilizando doze poltronas nas mesas. Próximo a mesa do mapa, preso a parede, estava um grande quadro negro com suporte para giz no centro inferior, ele parecia ter sido usado recentemente, na verdade toda a biblioteca parecia ser bastante utilizada. A iluminação do lugar era melhor nas mesas e perto do quadro negro, mas entre as estantes era notavel a carência de luminosidade, ao ponto em que se fazia necessário carregar consigo uma lamparina durante a noite ao caminhar entre as estantes mais ao fundo.
A investigação começou, não era incomum que certas informações sobre a história da cidade e da família que a rege ficassem disponíveis na biblioteca, afinal os humanos gostam de expor para a posteridade os seus feitos e o que consideram motivos para orgulho. Enquanto procuravam alguma informação relevante, eles não deixaram de se atentar a possíveis cofres, irregularidades na construção, fundos falsos, compartimentos atrás dos quadros nas paredes e atrás dos livros, ou passagens secretas.
– Frieda... – Chamou Ralf, ele tinha um livro em suas mãos.
O livro não era muito grosso, mas era grande e sua capa era de couro. Parecia antigo.
– Não sabia que a senhorita Hummel tinha um irmão. – Disse ele.
Tal afirmação chamou a atenção dos demais e todos se aproximaram de Ralf.
– Ao que tudo indica, nem a duquesa sabia. – Colocou Griselna.
– Achava que nascimentos assim sempre eram informados ao regente das terras. – Comentou Erna.
– Existem casos em que isso não ocorre, geralmente quando é uma gestação e parto difícil, onde não se sabe se o bebê vai sobreviver, os pais de familía nobres postergam a informação e esperam a criança completar alguns meses de vida antes de anunciar. – Explicou a mulher.
– Aparentemente o bebê não sobreviveu. – Frieda analisava o que estava escrito. – Ele foi registrado no livro, mas não vejo nenhuma criança na mansão. – A garota olhou então para Leon. – Consegue discernir a quanto tempo foi escrito?
Leon levou algum tempo para responder, ele deslizou o dedo sobre o que estava escrito, comparou a tinta e a caligrafia com os dados de nascimento nos registros das outras páginas...
– Eu presumo que tenha sido escrito há cerca de um ano, não menos que isso, talvez alguns meses a mais, porém não chega a ter dois anos. – Leon respondeu.
Após alguns segundos, Erna finalmente assimilou e uniu as informações que adquiriu, então ela olhou imediatamente para Frieda. A expressão da irmã não denunciava nada, mas bastou descer um pouco o olhar para encontrar os punhos cerrados da garota.
Frieda se afastou dos demais silenciosamente, mas os olhares já estavam sobre ela, a menina calmamente andou até a parede mais próxima, ela afastou um pouco as pernas, posicionou a mão esquerda na frente do corpo e ergueu o punho direito como que na intenção de golpear a parede, mas antes que concretizasse a ação, em um instante, Erna apareceu atrás dela e cobriu os seus olhos.
– Você não precisa ver isso. – Erna falou para sua irmã, era evidente que Frieda estava furiosa e a beira de explodir. Lá estava Erna lhe devolvendo a racionalidade outra vez. – Feche os seus olhos, a dor vai embora se você não olhar para o passado, mesmo se ele aparecer na sua frente desse jeito. Não vai acontecer de novo, nós somos fortes também. – Frieda conseguia entender o que Erna dizia, afinal sua irmã viu que o problema estava além do novo descobrimento sobre a família Hummel. – Se você não puder perdoar eu vou entender, se não puder deixar para lá também vou entender, eu me sinto do mesmo modo. – Disse ela. – Imperdoável!
Erna tinha uma expressão irada em sua face, ela sentia tanta raiva que mal podia se conter, mas sabia que precisava resistir ao impulso que tentava lhe consumir ou não poderia evitar que Frieda avançasse de encontro ao perigo.
– Frieda, tome algum tempo para se recompor. – Disse Griselna. – Fique com ela, Erna. Quanto aos demais, voltem ao que estavam fazendo.
Frieda foi para perto da janela e encarou o que estava além dela, Erna se sentou na poltrona da mesa mais próxima a sua irmã, os demais prosseguiram investigando.
Mesmo após passarem mais de duas horas na biblioteca, não foi possível encontrar mais nada de grande relevância, eles até tentaram ir ao escritório para investigar lá, porém Bathild estava lá. O grupo se dirigiu ao quarto de Frieda e Erna, a primeira, que já quase não falava por natureza, estava em silêncio desde o acesso de fúria.
– Bem... não conseguimos muita coisa na biblioteca. Apesar de ter bastante coisa sobre a família e a cidade, não havia quase nada para agregar na nossa missão. – Disse Griselna. – Só resta ir aquele lugar. Já falamos sobre isso antes, acredito que não haja necessidade de repetir que irei sozinha. – Impôs. – Isso é uma ordem.
Eles assentiram em concordância.
Griselna voltou para seu quarto a fim de se preparar, Ralf se encostou perto da porta entreaberta e o quarto se manteve em completo silêncio por uns dez minutos, até que o garoto finalmente ouviu o som dos passos de Griselna no corredor, a mulher passou na frente do quarto e seguiu para fora da mansão. Ralf se desencostou da parede após ter certeza de que ela já estava longe dali.
– Vamos! – Disso o rapaz impetuoso.
– Eu sabia que você tinha deixado isso para lá fácil demais. – Falou Leon, ele mantinha os olhos fechados ao falar e suspirou pesadamente.
Foi então que ele ouviu outros sons no quarto, o barulho de sacos sendo desatados e coisas sendo arrastadas de debaixo do travesseiro. Quando Leonhard abriu os olhos, flagrou Erna puxando um embrulho de debaixo do travesseiro e Frieda desatando outro embrulho preso a um dos sacos de sua bagagem, Ralf já estava com uma das mãos na porta no intuito de abri-la um pouco mais e sair, todos pararam brevemente quando Leon abriu os olhos e os encarou.
– Pessoal... – Disse ele com um sorriso meigo forçado no rosto, tentava manter a calma. – O que estão fazendo? – Perguntou como se não soubesse, praticamente cantarolava as palavras. Ele ainda tentava se convencer de que teria ajuda das meninas para impedir Ralf de cometer tamanha insanidade.
– Frieda ia de qualquer jeito, então não posso fazer nada além de ir também. – Erna disse como se fosse óbvio.
Frieda assentiu enquanto terminava de desatar o nó.
– Sim! Sim! Claro que... – Falou Leon, sustentava a expressão e a entonação anterior. – Vocês só podem ter perdido o juízo. – Ele ficou sério.
– Não há mais nada a fazer aqui. – Disse Ralf.
– Ainda falta o escritório, certamente tem algo lá. – Rebateu Leon.
– Você está certo, tem algo lá, mas é justamente por isso que ela não vai parar de montar guarda naquele lugar enquanto estivermos aqui. – Falou Erna. Ela ajeitou o embrulho como se fosse uma bolsa. – Resta a mina. Além disso, não vamos deixar a Griselna fazer todo o trabalho pesado, ela é a nossa supervisora e, sem querer ser arrogante, a missão é nossa. Viemos aqui compreendendo os riscos, entendo o desejo dela de querer nos proteger, apesar de ser ranzinza ela claramente nos ama, mas para sobreviver nesse mundo precisamos ser fortes, essa é a única opção concedida aos despertos, se não sobrevivermos hoje e nos fortalecermos, morreremos amanhã.
– De todo modo, se houver um confronto na mina e Griselna perecer, nós seremos os próximos. – Disse Frieda.
– Se esse for o caso, teríamos que lutar sem o apoio dela. – Acrescentou Ralf. – No final daria no mesmo. Fora que estamos incomunicáveis, não saberíamos se tudo deu errado na mina a menos que ela volte, e não fugiremos a deixando para trás.
Leon se deu por vencido, ele caminhou até a porta.
– Você bem que sabe usar o cérebro quando quer. – Provocou o irmão ao passar por ele. Ralf respondeu dando um tapa na parte de trás da sua cabeça. – Ai!? ai!?
Leon prosseguiu até seu quarto acompanhado de Ralf, atrás deles estavam Erna e Frieda, elas esperaram na porta até que eles voltassem com seus próprios embrulhos e então o quarteto deixou a mansão sem chamar a atenção. Tudo dependerá de quanto tempo levaria para Bathild Hummel notar a ausência deles.
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