Capítulo XLIX
O dia seguinte foi quente e o que veio após ele também, homens e mulheres da alta classe andavam pelas ruas se abanando com seus leques espalhafatosos no intuito de mitigar o calor, aqueles de classe mais baixa se dirigiam ao riacho próximo com bacias sobre a cabeça ou apoiadas na cintura, estavam indo lavar as roupas e lençóis. Frieda se afastou dos irmãos no segundo dia após a finalização do teste, ela seguiu as lavadeiras e então subiu riacho acima, o som das pessoas foi sendo deixado para trás e o da água corrente preencheu o espaço, ao chegar em uma queda d'água ela parou.
O ambiente em volta da água estava mais fresco, o líquido se chocava contra as rochas e fazia respingar suas gotículas, beijando molhado tudo à sua volta. Frieda suspirou deixando sair sua ansiedade e agonia, lutando para que as vozes se silenciassem, ela soltou os cabelos, antes presos em um rabo de cavalo, deixando-os sacudir e dançar diante daquela doce melodia da natureza. Relaxou forçosamente os ombros e se sentou no chão com as pernas cruzadas para meditar. Ainda que a água fosse agradavelmente barulhenta, de fundo se ouvia o farfalhar das árvores, com os olhos fechados, a garota sentia melhor o toque do vento em sua pele, o ar preenchia seus pulmões com suavidade e os seus cabelos ondulavam ao léu. Seu núcleo de heilig pulsou e se fortaleceu em resposta a meditação, Frieda então se ergueu, tirou as roupas e sapatos, caminhou para dentro da água sem hesitação, foi cada vez mais para o fundo e então submergiu, ficou assim por longos minutos, abraçada aos joelhos em posição fetal, as vozes em sua mente se acalmaram, foram abafadas pela água e a garota desejou ficar assim pra sempre. Quando já não podia viver sem o ar, emergiu das águas tranquilamente, o fez apenas para se deparar com uma figura sentada em uma grande pedra na margem.
– O que faz aqui? – A garota perguntou, sua natureza aparentemente estóica se fazia presente.
O rapaz a olhava nos olhos, sua expressão era semelhante a de Frieda, mas repentinamente mudou de forma drástica, lá estava sua amabilidade sinica.
– Na verdade esse lugar é meu. – Respondeu ele. – Bom... na verdade não é meu, uma vez que não paguei por ele. – Se corrigiu. – Contudo é um lugar ao qual costumeiramente venho para espairecer.
Frieda o analisou, não havia mentiras no que Heiko falou.
– Eu vi as roupas na margem, mas estou aqui a tanto tempo e ninguém apareceu, imaginei que tivesse ido embora e deixado para trás as roupas. – Comentou ele. – Me diverti pensando que situação teria levado alguém a fazer isso. – Sorriu ele. – Além disso, as roupas não denunciavam o gênero de seu dono, passei o tempo tentando adivinhar, os sapatos pequenos me diziam que era uma mulher, mas também poderia ser um rapaz jovem.
Frieda não respondeu a tentativa de Heiko em iniciar uma conversa, ela seguia com a maior parte do corpo imersa na água, porém após observá-lo por um tempo, simplesmente saiu de onde estava e caminhou até suas roupas sem pudor. Heiko não a olhou com malícia.
– Por que vem aqui? – A garota indagou, isso surpreendeu Heiko, ele já havia concluído que Frieda não tinha intenção de conversar.
– Porque é fresco e úmido, os respingos de água me lembram da chuva. – Respondeu a ele. – Essas coisas me fazem lembrar de casa, venho aqui para reafirmar minhas convicções e meus motivos para me esforçar tanto.
A garota vestiu a calça e a blusa, então se virou e olhou para a água, ela compreendia o que ele estava dizendo.
– Você é de Wolkenbruch? – Indagou sem tirar os olhos da água.
Heiko a mediu com o olhar, seus olhos agora denunciavam saber de coisas que ele não tinha intenção de contar.
– Sim. – Ele respondeu. – Nasci em sua cidade mais miserável.
– Regen... – Frieda divagou. A mente da jovem lutava para lembrar e para suprimir as lembranças do que vivenciou naquele lugar.
– Eu sei... – Heiko respondia aos pensamentos de Frieda, ele foi capaz de os ler ainda que a expressão da garota não demonstrasse nada. – Um lugar de merda.
Frieda o encarou e sentiu que estava fazendo isso pela primeira vez, ainda que brevemente, ela capturou um olhar nele que a fez desejar, quase que incontrolavelmente, abraçá-lo.
– Como sabia de onde eu vinha? Quase não tenho sotaque. – Disse ele. – Foi a descrição que dei de casa?
– Isso também, mas a verdade é que eu conheço o seu sobrenome, Heiko von Lenz. – Respondeu ela. – Ainda que não seja um nome nobre, certamente não é tão comum. Além disso, eu conheci a família von Lenz quando era criança, a verdade é que sabia de onde você tinha vindo desde a primeira vez que se apresentou. – Externou a garota.
– Entendo... – A mente de Heiko pareceu vagar, ele suspirou. – Você poderia me chamar apenas de Heiko e esquecer meu sobrenome de agora em diante? – Lá estava a expressão estóica, mas diferente de Frieda, a dele parecia mais verdadeira. Seria possível para um humano viver em concreta indiferença? Seria possível abandonar externa e internamente o prazer, a alegria, a dor ou a tristeza? Não são destas coisas que os humanos são feitos? – Nós podemos ser amigos. – Sugeriu o garoto se pondo de pé sobre a pedra. – Vou me apresentar de novo: Eu sou Heiko, apenas Heiko, gosto de ler e de comer coisas doces. – Ele sorria.
Frieda o olhou nos olhos e sustentou o olhar, a palavra amigo soou em seu ouvidos e ecoou em sua mente silenciando por completo qualquer voz, a imagem de Heiko sobre a rocha lhe estendendo a mão fez seu coração pular uma batida e se aquecer. Apesar de ter sete irmãos, a garota nunca teve alguém com uma idade relativamente próxima a sua a chamando de amiga, aquela era uma experiência completamente nova, seu espírito se fortaleceu e renovou, aquilo era mesmo real?
– Eu me chamo Frieda. – Respondeu ela ainda em uma espécie de transe. – É um prazer...Heiko. – O nome saiu gentilmente de seus lábios e percorreu o caminho até os ouvidos do rapaz, o atingindo como uma lufada de ar. Ele sorriu, desta vez, com um sorriso genuíno.
Frieda olhou para os sapatos em suas mãos e começou a pensar no que fazer, Heiko percebeu que ela estava fazendo isso por tempo demais e a inquiriu.
– Está tudo bem? – Perguntou o rapaz.
A garota não respondeu de imediato, ela mediu os próprios sapatos com o olhar, buscava um modo de resolver o problema.
– Frieda? – Heiko insistiu.
A menina lhe lançou um olhar perdido.
– Eu não sei como é que calça isso. – Disse finalmente.
Heiko olhou para os sapatos nas mãos da jovem, levou algum tempo para assimilar que alguém daquela idade não sabia calçar os próprios sapatos, ele a viu esmagar um Cavaleiro Sagrado de grau Vertraut facilmente, em sua mente não fazia sentido que alguém assim fosse incapaz de realizar uma tarefa tão simples, agora que ele olhava melhor, as roupas de Frieda também estavam colocadas com desleixo. O rapaz desatou a rir da situação.
– Não ria! – Pediu Frieda, ela pareceu levemente envergonhada. Então a garota se empertigou como uma criança.
– Está bem! Está bem! – Heiko se rendeu diante da reação dela. – Venha, sente-se aqui. – Pediu.
Frieda foi se sentar sobre a rocha, deixando os pés penderem na lateral dela, Heiko então se colocou diante dela, limpou os pés da jovem em sua roupa e começou a calçar-lhe os sapatos, ele fez isso com cuidado e delicadeza, amarrando os cadarços com perfeição e quando já estava finalizando o último sentiu algo suavemente pousar no topo de sua cabeça. Heiko olhou para cima, estava surpreso, Frieda afagava seus cabelos com gentileza, ela o fez sem pensar muito. O estoicismo do jovem vacilou, sua voz se recusou a sair de sua garganta, e o rapaz se viu atingido por uma emoção tremenda, o que será que fervilhava em sua mente? De onde vinha aquela expressão tão triste? O que o teria levado à beira das lágrimas? Heiko se afastou dela como um animal acuado por algo que desconhece.
– Já pode descer. – Disse na clara tentativa de afastar a perturbação e disfarçar a fuga.
Frieda ainda estava com a mão erguida onde antes estava a cabeça do jovem, ela então a recolheu e fez como o rapaz pediu. Heiko se aproximou dela outra vez e passou a ajustar a sua roupa, arrumando-a como deveria estar, apanhou a fita no chão e ficou para trás da mulher a fim de prender o seu cabelo.
– Prontinho. – Falou de forma meiga e sorridente, e lá estava suas reações falsas outra vez. – Bom.. Eu tenho que ir agora. – Anunciou. – Preciso ajudar nos últimos preparativos para amanhã.
O rapaz se afastou e já tinha começado a partir.
– Heiko. – Frieda o chamou.
– Sim... – Respondeu se voltando para ela.
– Obrigada! – Disse Frieda.
Heiko a encarou por alguns segundos e então deu um sincero sorriso.
– Você é muito fofa. – Falou ele. – Não precisa agradecer, pode me chamar sempre que precisar. – Seu sorriso se alargou ainda mais. – Até amanhã, Frieda. – Ele se foi.
Frieda ficou alí de pé, olhando para o lugar por onde Heiko tinha partido, e ela sabia... ela sabia que ele não era uma pessoa ruim, ainda que fosse um pouco esquisito e misterioso. Ela sabia que ele não tinha culpa de ter nascido um von Lenz, ela mais do que ninguém sabia que o local e a natureza de seu nascimento não define quem você é. A garota decidiu lhe dar o benefício da dúvida, afinal, Heiko é alguém que se ofereceu para ser seu amigo.
❇❇❇
Após seu feliz encontro com Heiko, Frieda voltou para casa com a mente em melhores condições, alguns de seus irmãos ainda olhavam para ela com desconfiança, afinal era pouco provável que alguém mudasse por conta própria em tão pouco tempo. Contudo, como foram incapazes de identificar a causa da mudança, simplesmente se deram por vencidos, o importante era que ela estava com o humor melhor. O dia transcorreu sem acontecimentos memoráveis, a noite veio e então deu lugar ao alvorecer, Frieda despertou com a barulheira causada por seus irmãos, uns se desentendiam, outros tentavam amenizar os ânimos dos brigões, Johann fazia o café da manhã enquanto cantava, Felix se divertia com a confusão e Erna estava a ponto de ter uma síncope, nada fora do normal. Como sempre, no instante em que Johann anunciou que o café da manhã estava na mesa, todos abandonaram o que estavam fazendo e foram se sentar em seus lugares, picuinhas e o estresse foram deixados completamente de lados e a animação tomou conta do lugar. Frieda assistia a tudo em silêncio e com satisfação.
Após o café da manhã era chegada a hora de se vestir apropriadamente para a cerimônia de entrada, Erna, Hans e Leona compraram algumas roupas novas no dia anterior, nada luxuoso, mas dar uma impressão ruim poderia trazer transtornos no futuro, principalmente quando havia tantos nobres alí e acima de tudo os que cresceram na academia. Não se fez necessário comprar muitas roupas, até porque eles logo passariam a maior parte de suas vidas enfiados dentro de fardas. Uma vez prontos, eles saíram rumo à base militar dos Cavaleiros Sagrados de Ismar e assim que chegaram na entrada do local eles se depararam com uma surpresa, algo que deixou Leona chateada.
– Não tem o que fazer. – Consolou Erna. – Não tínhamos como saber que nos entregariam o fardamento logo na chegada e que teríamos que vestí-los para a cerimônia.
– Tanto trabalho... – Hansel suspirou.
– Pelo menos agora temos roupas novas. – Felix disse de forma positiva.
– Que seja... – Leona falou desanimada.
Após pegarem seus uniformes, o grupo foi levado para um vestiário e depois se reencontraram na frente do auditório. O fardamento que eles usavam era igual a dos demais, uniformes azuis e uma faixa púrpura em volta da cintura, haviam detalhes em dourados sobre o tecido azul, incluindo uma grande camélia na parte detrás do traje, calçavam botas pretas de equitação.
– Pelo menos as roupas não são feias. – Comentou Leona.
– Ainda nisso. – Falou Leon. – Você fica bonita de qualquer jeito, é isso que importa. – O irmão falou orgulhoso e sua irmã se animou.
– Já vai começar. – Anunciou Erna, ela estava atenta ao Cavaleiro responsável por avisá-los.
– Vamos. – Convocou Frieda.
O auditório era amplo, os acentos estavam nos cantos já que não seriam utilizados, Klaus, o Inquisidor, subiu aos palco e verificou as insígnias sobre a mesa, então se dirigiu ao centro do lugar para falar aos novos recrutas, mas antes de dizer qualquer coisa, o homem se voltou para quem estava sentado na lateral esquerda da sala. Em cada lado do palco havia uma pequena arquibancada, no lado direito estavam vários Cavaleiros Sagrados de diferentes patentes e origens, mas a esquerda, em um assento único acima dos Cavaleiros ali sentados, estava alguém que não emitia a aura de um desperto, sim, uma pessoa comum , mas atitude de de Klaus mostrou que aquela pessoa comum não era nem um pouco ordinária. O Inquisidor se curvou diante do homem e nesse momento, até o mais ignorante compreendeu quem era aquela pessoa, os Cavaleiros Sagrados só se curvam perante a família real, não fazem mensura diante de nenhum outro nobre, é sabido que o rei é alguém mais velho, logo, só resta crer que aquela figura era ninguém mais que o príncipe herdeiro daquela nação. Perante o exemplo do Inquisidor, todos os demais se curvaram.
O príncipe herdeiro tinha cabelos pretos, lisos e brilhantes, seus olhos dourados arremeteram ao esplendor do próprio sol, sua pele não era nem branca nem negra, trajava as roupas da família real e as cores da realeza, um broche de ouro no formato de beija flor adornava seu manto. Os bardos cantavam sobre ele, músicas sobre alguém que nasceu abençoado, que era amado pelo povo, mas odiado por seu próprio pai. Burburinhos e boatos diziam que o homem planejava destronar seu progenitor, mas ninguém era capaz de provar nada e, por tanto, sua posição se mantinha segura. A inteligência, a malícia e a cautela de uma serpente, foram características que fizeram um arrepio subir pela espinha de Erna.
O Inquisidor se voltou para os recrutas e fez uma breve introdução, explicando como funcionava a Ordem dos Cavaleiros Sagrados internamente. Klaus disse que mais tarde, após algumas missões de confirmação de classe, os recrutas receberiam novos uniformes e manteriam o atual apenas para treinar, os novos fardamentos teriam formas e cores relacionadas a seus respectivos esquadrões. Ele também falou que após acumular pontos das missões realizadas, um Cavaleiro poderia requisitar uma avaliação para subir de grau. O inquisidor explicou que a cabeça da Ordem era a Catedral e que além da hierarquia interna dos Cavaleiros, ainda havia uma outra a ser respeitada, pois na Catedral também existia divisão hierárquica. Segundo Klaus, dentro da Ordem, as posições estavam dispostas da seguinte forma:
O concelho máximo;
As Irmãs, são doze mulheres;
Os Juízes, que são os comandantes e consequentemente os Cavaleiros mais fortes;
Os Inquisidores;
Demais Cavaleiros Sagrados
Pessoas que dedicam suas vidas inteiras à fé.
Após explicar tudo isso, Klaus parabenizou mais uma vez os novos cadetes, proferiu palavras de fé e desejos futuros, então apresentou à assistência uma mulher que usava um manto carmesim de tecido fino e uma máscara branca, sob o manto ela usava um vestido na cor azul bem clarinho. Apesar de ser chamada de Irmã e ocupar uma posição considerada santa, a mulher emitia uma aura que te fazia desejar não cruzar sozinho com ela em um corredor mal iluminado. Klaus informou aos recrutas que a Irmã iria proferir uma bênção às insígnias e então proclamaria o juramento sob o qual todo membro da Ordem operava, uma vez que, com exceção daqueles que se encaixam dentre as "pessoas que dedicam suas vidas inteiras a fé", todos os demais eram despertos e consequentemente são ou foram Cavaleiros Sagrados ativos.
A Irmã caminhou até as insígnias e rezou na língua santa por alguns minutos, então Klaus deixou o palco e a mulher tomou o lugar em que ele estava no centro.
– São quatro as virtudes que um verdadeiro Cavaleiro deve ter. – Sua voz denunciava que talvez tivesse cerca de cinquenta anos, ela soou suave e amável, porém séria. – Sabedoria, coragem, moderação e justiça. – Proferiu o juramento. – Você jura se ater às virtudes, você jura manter o seu poder longe da carne dos inocentes, honrar a causa que deve defender, proteger o mais fraco e manter a cabeça erguida frente à ameaça que pretende nos extinguir. Não irá recuar perante o ímpio, nem será piedoso com quem traiu sua humanidade, honrará o seu dever e cumprirá com as suas obrigações, deixará para trás o foi e viverá para ser o que é, abandonará as práticas do indivíduo e prosseguirá junto ao todo. Não haverá liberdade para quem é contra a liberdade, não haverá tolerância para com o intolerante, não haverá misericórdia para com quem não nos tratou com misericórdia. Que Ismar seja a sua força e que seus irmãos estejam com você. No sangue e no espírito... Pelo sangue e pelo espírito.
– Pelo sangue e pelo espírito! – Responderam em uníssono.
A mulher deixou foi para junto da mesa, onde estavam as insígnias e Conradine, aquela que aplicou as provas da terceira fase, subiu ao palco com papéis em mãos.
– Vou chamar cada um de vocês e quem tiver seu nome chamado deve subir aqui para receber sua insígnia. – Anunciou ela e passou a convocar cada um por nome, a Irmã prendeu o objeto no cinto de cada um dos chamados.
À medida que recebia sua insígnia, Conradine lhes dizia o nome do local para o qual estavam sendo designados, quando o último recebeu o item ela os deixou saber de antemão que para requerer avaliação para subir de grau era necessário ir até a catedral de Kamelie e então finalizou a cerimônia e os mandou embora, dando a cada grupo um prazo para se apresentar em sua base designada. Felizmente nenhum dos irmãos foi separado.
A cerimônia acabou no final da tarde, o crepúsculo já ameaçava tomar seu lugar de direito quando os irmãos avistaram a entrada da hospedaria onde estavam ficando, mas algo estava diferente, uma carruagem se encontrava parada no outro lado da rua, ela era pomposa e elegante, certamente alguém muito abastado era seu dono, Frieda e os demais a reconheceram de imediato.
– Não dá para fugir dele a vida toda. – Murmurou Erna.
https://youtu.be/UpmeswMK7cY
Dê play na música.
Os filhos de Heinrich se aproximaram da carruagem e aguardaram quem estava nela descer, estavam dispostos em fila um ao lado do outo, peito estufado e queixo erguido como nos dias de treinamento na guilda.
O homem desceu da carruagem sem olhar diretamente para os jovens, ele parou diante deles e os encarou, suas olheiras eram aparentes, sua face trazia uma expressão cansada e seus ombros estavam rígidos.
– É uma grande satisfação revê-lo. – Se adiantou Erna. – Tio Benno.
O homem sustentou o silêncio por um tempo.
– Tio? Sequer me veem como família? – Inquiriu em retórica. – Para onde foram depois de uma tragédia como aquela? Para junto da família? Não, correram por aí atrás de suas próprias vinganças. Acham que eu não teria feito nada? Que eu não teria movido céus e terra para descobrir quem fez tamanha barbárie? Principalmente quando você poderiam ser os próximos alvos... – Desabafou Benno.
Mais uma vez o silêncio se fez presente, o que poderiam dizer a ele sem lhe ferir ainda mais?
– Não vamos envolver mais ninguém, líder da guilda Stachel. – As palavras de Frieda criavam uma linha que não deveria ser ultrapassada. Aquelas eram palavras cruéis demais para serem ditas a alguém tão querido, mas eles já haviam decidido que era melhor assim, arriscar a vida de pessoas tão estimadas era um preço que não estavam dispostos a pagar.
Benno emudeceu, as palavras o acertaram em cheio, ele não esperava por isso, seus olhos lacrimejaram, os grande homem não cederia tão fácil. Ele olhou no rosto de cada uma das suas crianças, e era isso que ele via, a vivida imagem da figura infantil de cada um deles, ele amaldiçoava o destino por ter permitido que algo tão terrível tivesse vindo sobre crianças outrora tão doces. Benno podia ver cintilar nos olhares daqueles jovens a pura sede de vingança, e ele entedia, preferia que não fosse assim, mas entendia.
– O que acham que estão fazendo? – Falou o homem. Benno não se daria por vencido, decidiu ignorar o significado por trás das palavras de Frieda. – Pelos deuses, vocês ao menos sabem o que estão fazendo? Nós não entramos nessa vida por que queríamos, não nos tornamos Cavaleiros porque desejávamos, forçaram essa decisão na gente e nos vimos obrigados a lutar por uma causa que sequer escolhemos. – Contou Benno. – Acham que éramos apenas nós no começo? – Indagou.
O Homem divagava com pesar sobre o passado, na esperança de convencê-los.
– Não, éramos muitos na academia, nós convivemos uns com os outros, dormimos e comemos no mesmo teto como irmãos e então batalhas começaram na fronteira, muitos de nós partimos para aquele lugar infernal, mas quantos voltaram? Empurramos as linhas inimigas de volta para Schwarz, após anos em oposição nós conseguimos uma pequena vitória, eu consegui permissão para me aposentar, assim como Griselna e Meine, Heinrich até conseguiu se tornar um Meister no processo, mas a que preço? – Inquiriu o homem. – Acham que essa vida é boa? Porque acha que o pai de vcs preferiu a desgraça de se tornar um desertor a permanecer na Ordem? Do meu esquadrão só sobreviveram eu, Meine e Griselna, sim, Heinrich não era do mesmo esquadrão que nós apesar de sermos amigos. – Contou. – Ele era o líder de um esquadrão, ele era forte, inteligente, se adaptava a situação com facilidade, um líder nato... É óbvio que o nomearam. Contudo forças individuais nem sempre tornam um esquadrão forte, conseguem imaginar seu desespero ao ver cada um dos membros caírem? Pessoas que contavam com ele, que confiaram suas vidas a ele, conseguem imaginar a sua dor? Havia entre aquelas pessoas alguém que ele amava em especial, ele ia se casar com ela e eu seria o padrinho... – Benno conteve as lágrimas com sua força de vontade. – A luta pela causa não produz heróis, apenas cadáveres e rouba até mesmo a vida de quem sobreviver. Quanto tempo, esforço e sacrifícios fizemos para conseguir sair? E vocês vem até aqui por vontade própria. – Externou.
Os irmãos se mantinham na postura de antes, Leona cerrou os dentes para não ceder. Benno os olhou, pousando seu olhar em cada um deles mais uma vez, um a um.
– Rápido! – Disse ele se voltando de forma desajeitada para a carruagem. – Eu tenho contatos, posso dar um jeito de fazer vocês sumirem de vista por um tempo, até que parem de caçá-los, e então podem se misturar a sociedade quando a poeira baixar. – Disse ele abrindo a porta. – Griselna não quis vir, ela disse que ia esganar vocês se os visse, ela até falou algo como: "já que querem morrer tanto assim, pelo menos vou dar a eles uma morte misericordiosa", vocês sabem como ela é, mas tenho certeza que vai fazer festa para recebê-los. – Falou de modo descontraído. – Já o Mene se trancou na bíblia e não saiu nunca mais, sabem como ele é sensível, é melhor já se prepararem para o discurso de cinco horas que ele vai dar e...
– Tio Benno... – A voz suave de Frieda o fez parar, mas ele não se virou.
– Não!? – Ele bardou. – Não... – Repetiu em voz baixa. – Vocês também vão morrer, não percebem? – As lágrimas rolaram, ele já não podia conter. Um homem tão grande e forte, agora parecia tão frágil.
Frieda deu um passo à frente.
– Nós já nos decidimos. – Falou ela. – Contudo, não tema. Vamos voltar sãs e salvos para você... e então ouviremos o sermão de cinco horas do tio Meine. – Frieda soou otimista.
Benno pareceu pensar, ele chorava, não conseguia responder, não queria que vissem as suas lágrimas, se sentiu impotente, no fim foi até ali e não conseguiu impedi-los. Os irmãos lhe deram tempo.
– Espero que vocês desistam dessa louca e voltem para casa. – Falou ele.
– Eu lamento tio Benno... – O olhar da garota era taciturno. – Mas a minha casa está enterrada em Gesteck. – Havia dor naquelas palavras.
– Sempre haverá um lar para vocês na guilda Stachel. – Disse o homem. – Afinal... Eu sou o tio de vocês, não sou? – Seu coração estava apertado.
Benno entrou na carruagem, não havia mais nada a fazer alí.
– Diga a tia Griselna... – Leona já não continha mais as lágrimas. – que ainda a amaremos mesmo se ela nos esganar.
O homem já estava sentado, suas costas eretas e a postura digna, ele olhava para frente.
– Não direi. – Disse ele. – Voltem vocês e digam.
Ele olhou para seus preciosos sobrinhos uma última vez e então disse ao cocheiro que já podiam ir.
Leona se agarrou a Leon e Felix abraçou Frieda pelo meio, escondia seu rosto no corpo dela, a garota afagou gentilmente a cabeça de seu irmão mais novo enquanto a carruagem partia.
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Que capitulo foi esse? Gostaram? Fique tranquilo que os próximos prometem. Não esqueça de votar e comentar. Até mais <3
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