Capítulo XLIV
Eles seguiram o avaliador mata a dentro, até que saíram em uma trilha, o homem era enorme e os jovens não puderam deixar de notar que ainda assim a pessoa diante deles mal emitia ruídos ao caminhar. O avaliador por outro lado, achava toda aquela situação engraçada, ele quem deveria analisar, mas estava sendo analisado por oito pares de olhos fulminantes, os irmãos não tinham consciência da pressão que estavam exercendo, mais aos olhos do examinador aquela situação parecia a de um coelho cercado por predadores. Após pouco mais de quinze minutos de caminhada, o examinador parou.
– Foi surpreendente, vocês mal hesitaram, não esperávamos que alguém encontrasse o local correto tão rápido. Até o momento nove já foram desclassificados. – Disse o homem. – O tempo limite era até o anoitecer, não esperávamos a chegada de candidatos tão cedo. De todo modo, vocês terão que aguardar aqui, já adianto que não devem esperar chazinho com biscoitos ou um banquete.
Ele olhou ansioso para os ali presentes e riu ao perceber que ninguém caiu na tentação de respondê-lo.
– Muito bom!? – O examinador se retirou, veloz como um esquilo.
Os irmãos se entreolharam, o monólogo do examinador lhes deu informações importantes. A primeira informação diz respeito ao tempo, eles falharam em pensar que o tempo era curto, mas acertaram quanto a haver um tempo limite, a segunda foi a confirmação de que ir ao lugar errado o desclassificaria ainda que não entrasse, foi inteligente reduzir opções e usar estratégia para encontrar o local certo. Aparentemente o processo usado para encontrar o local também estava sendo avaliado, eles se lembraram de ter visto olhares investigativos na rua, mas isso ainda precisava ser confirmado. A terceira informação que conseguiram foi a confirmação de que não deviam se deixar ser descobertos pelos demais candidatos. A quarta é uma informação desagradavel, ou eles não poderiam comer nada até a próxima fase ou teriam que encontrar seu próprio alimento, sem delatar a posição aos candidatos que não encontraram o local da próxima etapa ainda, nesse caso, alimentos que necessitam de cozimento devem ser descartados. Contudo, sobre esse último, eles ainda teriam que descobrir se podem ou não comer. Com todas essas informações em mente, lhes restava ainda descobrir se havia alguma pista sobre a próxima fase.
O grupo se dispersou, cada um foi para um lugar, mas à vista dos demais, eles passariam as próximas horas em silêncio, pensando sobre o que deviam fazer e ocultando seu heilig.
As horas se arrastaram, o tempo custou a passar, os raios de sol se obrigavam a vencer as folhas das árvores e iluminar mesmo que só um pouco o interior da floresta, já passava do meio dia quando o examinador trouxe mais dois candidatos, espertos o suficiente para saber que deviam manter a boca fechada. Nesse momento os Falkenberg se reuniram em um único ponto e redobraram a atenção, Felix estava a ponto de ter um colapso, para ele que geralmente era bem falante, ficar em silêncio forçadamente era uma tortura.
A floresta se tornava cada vez mais escura, pequenos insetos noturnos deixavam os seus esconderijos e vinham fazer companhia a todos, alguns mais desagradáveis que outros. Vários candidatos chegaram nas últimas horas e quando o dia finalmente deu lugar a noite e a primeira tocha foi acesa, a primeira fase do exame se deu por encerrada.
– Podem falar agora. – Anunciou um dos Examinadores. – A primeira fase acabou.
Murmúrios varreram a extensa área, muitos haviam passado, pelo menos oitenta pessoas vindas de todo o reino, das mais variadas idades, mas o mais velho dentre eles não teria mais que vinte e seis anos. Alguns estavam esfarrapados e mal nutridos, outros se via que era filho de alguém influente. Ainda que não fosse bem visto alistar seus filhos muito tarde, muitos nobres preferiam enviá-los quando havia alguma garantia de que o filho ou filha não mancharia a imagem de sua família e lhes traria algum prestígio.
– A próxima fase começará dentro de alguns minutos. – Falou ele. – O senhor Rudolf vos falará sobre a próxima etapa.
Todos assistiram o senhor Rudolf se colocar a frente, Frieda e os demais o reconheceram como o homem que os recebeu e os levou até aquele ponto.
– A próxima fase é bem simples. – Disse o homem. – Vocês só precisam chegar ao outro lado da floresta e entregar ao examinador que os espera um item que nós lhes daremos, cada um receberá o seu. Vocês terão até o amanhecer para concluir essa fase do teste. Não preciso lembrá-los que os testes admissionais não são para qualquer um e que todos os anos alguns candidatos morrem, então reafirmo que mortes relacionadas a natureza do teste serão ignoradas.
Algumas verdades sobre aquele teste estavam nas entrelinhas do que é dito pelo examinador, foi possível notar que o tempo limite é grande demais para um percurso tão curto, a floresta do rei é extensa, escura e úmida, mas indo em velocidade não deveria levar uma noite inteira para cruzá-la. Além disso, e falar tão expressamente que mortes seriam ignoradas os levava a concluir algumas coisas: havia algo lá capaz de matá-los, talvez assassinos contratados ou os próprios candidatos acabariam por se degladiar, e o adicional de que o orientador não falou nada sobre classificação por ordem de chegada, então pouco importa a ordem, o que importa é chegar. Que raios de teste era esse? É claro que haviam pessoas menos preparadas ali, mas ainda assim, mesmo essas pessoas poderiam chegar ao outro lado em algum momento se seguissem em linha reta. Frieda lançou um olhar para Felix e o rapaz assentiu.
– Quem aqui não possui uma arma? Vários candidatos se manifestaram. – Nesse momento algumas pessoas chegaram empurrando um grande carro de mão coberto por uma lona. Eles pararam perto dos avaliadores. Rudolf se aproximou do transporte e removeu a lona, revelando algumas armas. – Aproximem-se. escolham rapidamente a que for mais conveniente para si e então retornem aos seus lugares.
Frieda não teve um bom pressentimento com aquela situação, ela trocou olhares com seus irmãos e percebeu que não era a única a desvendar o que vinha por aí. Felizmente eles haviam levado consigo suas próprias armas. Quando todos se encontravam devidamente armados, Rudolf tomou a palavra mais uma vez.
– Vamos à última regra: – Anunciou ele. – É terminantemente proibido o uso de heilig até a finalização dessa etapa do teste, sob pena de desclassificação imediata do autor. Vocês estarão sendo observados em boa parte do tempo, então não banquem os espertinhos e tentem burlar as regras. – Enquanto ele falava uma bandeira azul foi entregue a cada participante.
– Ele disse "boa parte do tempo". – Leona cochichou aos demais.
– É, ele disse "boa parte do tempo". – Repetiu Leon.
– Mantenham a guarda alta, fiquem juntos e não se percam na escuridão. – Frieda os orientou.
– Comecem! – Ordenou Rudolf.
O examinador mal fechou a boca e todas as tochas foram apagadas, deixando todos os examinados no escuro.
A corrida começou, os irmãos usaram de toda sorte de habilidade para se reconhecer no breu. Eles mantinham uma velocidade constante e confortável para todo o grupo, Frieda ia na frente, graças ao tetracromatismo, ela era capaz de enxergar cores que mais ninguém via, mesmo que a luz fosse mínima, a garota ainda enxergaria uma trilha "brilhante", mas o tetracromatismo era apenas uma das faces da visão de Frieda, a mulher era capaz de enxergar bem mesmo de muito longe, a verdade é que sua visão ficava ainda melhor após o pôr do sol e durante o nascer dele, a mística da coisa não estava na existência de tal habilidade, uma vez que ela não era incomum aos humanos primitivos, mas sim no fato de Frieda parecer conseguir exercer algum controle sobre isso.
– E então Felix? – A garota chamou pelo irmão mais novo em meio a corrida.
– O vento me trouxe as palavras deles. – Respondeu Félix. – Eles disseram algo como "espere um pouco e então soltem ele".
– Como esperado, teremos adversários. – Comentou Johann
Frieda pensou por um momento, a sensação esquisita de antes não a abandonou.
– Não se envolvam em confusão propositalmente, mas revide se a outra parte começar primeiro e tentar atrapalhar, finalize o combate rapidamente e volte a correr, avise se precisar de ajuda chamando ou enviando um sinal. – Orientou Frieda. – Cheguem ao outro lado sem um único arranhão ou rasura em suas roupas novas. Olhem sempre para frente, a linha de chegada é lá. – Aquele era um jeito de dizer para não comprar brigas alheias. – Não se excedam, entre nós não há competição. Fiquem atentos a suas bandeiras. Me sigam, a luz da lua quase não chega aqui, mas não há nada que eu não possa ver.
A corrida continuou, os irmãos de Frieda a seguiam como dava, vez por outra ela checava se algum deles tinha se perdido e diminuía um pouco o passo quando alguém se afastava demais. Sons de atrito entre metais e trocas de golpe surgiam na floresta vez por outra, certamente algumas pessoas não se atentaram ao fato de que não haveria classificação por ordem de chegada nem ganharam pontos por serem os únicos a chegar, ou talvez fossem apenas pessoas de personalidade duvidosa, pessoas que procuravam uma briga em qualquer lugar. Frieda não se importava, para ela estava tudo bem desde que não viessem para cima dela ou de seus irmãos.
Trinta minutos se passaram, Frieda vislumbrou uma movimentação em sua direita, se estivesse sozinha ela provavelmente teria ignorado, mas estar com os demais a deixou ainda mais em alerta.
– Tem algo à nossa direita. – Avisou ela.
– Tem gente demais correndo à nossa volta, estou um pouco confuso. – Disse Johann.
– Algo está errado. – Falou Ralf. – Estamos aqui a tanto tempo e não vejo um animal a vários minutos, é como se todos estivessem se escondendo. A princípio pensei que estivessem fugindo de nós, mas já não tenho certeza, uma vez que até animais que geralmente nos ignoraram fugiram.
Uma comoção se instalou na floresta, gritos e comandos eram ouvidos, sons de combate surgiram da direita. Frieda ignorou e seguiu em frente, a gritaria se tornou ainda mais evidente. Leona era incapaz de ignorar.
– Frieda? – Ela chamou pela irmã, seu pedido estava ali, ainda que ela não o tenha feito.
– Vamos avançar como planejado. – A garota respondeu sem pestanejar. – Não olhe para os lados.
– O que eles estão fazendo? Como puderam soltar algo assim tão perto do rei? – Hansel perguntou.
– Se foram fortes o bastante para capturar aquela coisa viva, não há com o que se preocupar. O rei deve estar bem guardado, do contrário ele não aceitaria que algo assim fosse solto aqui. – Respondeu Erna.
– Ainda assim. – Falou Ralf. – Esses desgraçados não nos veem como humanos? Nos jogaram nessa floresta e soltaram um Haidu para nos caçar como se fossemos animais. – Ele estava revoltado.
– Qualquer um que for incapaz de lidar com uma situação assim não sobreviverá ao que nos espera. – Respondeu Frieda. – É isso que estão nos dizendo.
– E se tudo der errado e a criatura for parar no meio da cidade? – Inquirir Felix. – O rei está bem guardado, mas e as pessoas?
– Essa é a cidade com maior número de cavaleiros sagrados depois de Kamelie e a fronteira de Schwarz, eles têm a situação sob controle. – Disse Erna.
– Mesmo que você diga isso... – Leona deixou a frase morrer, ela ainda tinha sua atenção presa no que ocorria à sua direita.
– De nós você é a que mais tem empatia pelos outros, Leona. – Disse Frieda. – Eu amo isso em você, talvez seja porque é algo que me falta, mas ao mesmo tempo que gosto desse seu jeito também fico preocupada, se eu não estivesse aqui você já teria corrido para ajudar aquelas pessoas, não? – Leona murchou. – Não fique assim, no mundo ideal todos deveriam ser como você, mas não estamos no mundo ideal. No nosso mundo, sabe o que aconteceria se você fosse lá sozinha ajudá-los? Eles te deixariam para trás, para que retardasse o Haidu e lhes desse uma chance de fugir, talvez até mesmo te atacassem para que você não fosse capaz de fugir do Haidu. Esse é o mundo no qual vivemos, e você sabe disso, não importa o quanto tente ignorar a verdade. – Falou. – Você terá que aprender a lutar contra essa sua natureza cheia de empatia se quiser sobreviver, consegue me entender?
Leona hesitou em responder, tanto ela como Johann e Hansel possuíam os espíritos mais gentis, bondosos e cheios de empatia dos oito irmãos, a garota era tão amável que valorizava a vida até mesmo das plantas. Ela queria retrucar, dizer que as coisas não eram assim, mas no fundo ela sabia que por mais cruéis e frias que as palavras de Frieda pudessem soar, elas expunham a verdade, Leona se deu por vencida.
– Eu entendo. – Respondeu cabisbaixa.
– Ótimo! – Falou Frieda. – Dito isso... vamos atacar rapidamente e em sequência, não deem abertura ou descanso para a criatura.
– Tem certeza? – Perguntou Erna.
– Eu disse antes "revide se a outra parte começar primeiro e tentar atrapalhar". – Recordou a garota. – Aquela coisa está atrapalhando o avanço da Leona.
Leon sorriu e os demais se animaram, o clima pesado se foi, eles estavam em sintonia outra vez.
❇❇❇
Aquele era um rapaz jovem, não tinha mais que dezesseis anos de idade, seus cabelos pretos grudam na testa devido ao suor, estava ofegante e segurava firmemente uma lança nas mãos, suas roupas denunciavam sua origem humilde, não estava em forma e certamente sobrevivera por tanto tempo porque Kieniza, deusa da boa sorte e prosperidade, estava de bom humor. O jovem olhou em volta, tantos que estavam com ele se encontravam feridos e cansados, mesmo que não tenham lutado nem por dez minutos, alguns estavam no chão vivos por pouco. O Haidu quadrúpede se deleitava, esteve preso por muito tempo, estava mais fraco que o habitual, ansiava por carne, medo e outras emoções humanas ruins e diante daquele banquete estava conseguindo se alimentar muito bem dessas emoções, ele tinha em mente que precisava se alimentar e se fortalecer se quisesse ter alguma chance de escapar dali. A criatura tinha cabeça semelhante a de touro, corpo parecido com o de um urso e garras em todas as patas, a sua cauda é quadrifurcada e estalava como um chicote.
O garoto tremia, a criatura tinha sua atenção nele, ele tentava se manter firme e brandia sua lança, mas aquela parecia uma imagem onde uma criança tenta afastar um urso feroz usando um graveto. Certamente o rapaz amaldiçoava em sua mente, como pode um mundo ser tão injusto depois de tudo que ele passou para chegar ali? Enfrentou tantos perigos para conseguir uma única refeição, se escondia para dormir um pouco, foi roubado ainda que não tivesse nada de valor, sobreviveu sozinho e sem ajuda, tudo para chegar ali. Ele sabia que a vida de um Cavaleiro era perigosa e curta, mas ainda assim estava disposto a fazer qualquer coisa para não sentir seu estômago se auto destruir devido a fome.Era assim que morreria depois de tudo?
O Haidu se decidiu, era chegada a hora finalizar o jantar, ele se preparou e o rapaz também, não tinha para onde fugir, só lhe restava encarar a morte de frente. Contudo, Kieniza estava realmente de bom humor, pois antes que o Haidu deixasse o lugar onde estava, Hansel saltou e deslizou no chão, atacando baixo, cortando profundamente as juntas das patas traseiras com seu par de foices de hastes curtas. Mal deu tempo do Haidu sentir a dor pois Leona surgiu em surgiu em sua frente, golpeando em um movimento giratório de baixo para cima com sua alabarda. Ralf e Erna surgiram na frente do rapaz, mantendo-o em suas costas onde ele estaria protegido, o jovem estava em choque, seus tremores cessaram, ele não podia crer que outros candidatos estavam enfrentando o Haidu como se fosse nada. Felix estava no topo de uma árvore, pronto para dar cobertura, seus olhos se acostumaram um pouco à escuridão, mas o fato da folhagem ser menos densa e a lua cheia brilhar no alto ajudava bastante. Johann encaixou um golpe poderoso na criatura com sua clava deixando-a desnorteada e Frieda caiu sobre o Haidu girando sua Guan dao como em uma dança, o corte foi tão bem executado que mal se ouviu o som das juntas, músculos e carne se separando até que a cabeça da criatura rolasse pelo chão e ela pousou suavemente no chão. Como a garota havia ordenada, eles não deram descanso ou chance de defesa ao Haidu, a batalha foi totalmente unilateral e não durou mais que um minuto.
– A gente nem participou. – Felix fez beicinho. – Esperava que ele fosse mais forte.
– Devia estar com fome a muito tempo. – Disse Erna. – Geralmente os Haidu ficam mais fortes conforme vivem muito tempo e comem bastante, as emoções ruins os deixam mais fortes, mas também gostam de carne ou partes específicas dos humanos.
– Que nojo! – Falou o garoto sorridente.
– Bom... não acho que hajam mais Haidu, é melhor voltarmos a correr. – Falou Ralf.
Frieda olhou brevemente ao redor.
– O que acha? – Ela perguntou para Erna.
– Não parece que tiveram contato com o sangue da criatura. – Respondeu a mais nova.
– Então não há mais nada que possamos fazer aqui, agora que o Haidu foi eliminado é provável que mandem alguma ajuda. – Disse Frieda. – Vamos!
– Com licença... – O rapaz finalmente criou coragem para falar. – Eu... Obrigado! Pensei que era o meu fim... jamais me esquecerei da bondade de vocês.
– "bondade", é? – Ponderou Frieda. – Bom, você pode esperar aqui ou tentar concluir a fase, a ajuda logo vai chegar.
– Não! acho que esse é o mais longe que consigo chegar. – Respondeu ele com um sabor amargo nos lábios. – Vai ser mais difícil, mas posso tentar crescer depois que entrar na Ordem.
– Nos vemos por aí então. – Falou Felix voltando a correr na direção do objetivo.
Os demais fizeram o mesmo. O rapaz ficou ali olhando para o que sobrou do Haidu.
– Não dá para competir com essas pessoas. – Murmurou ele.
O grupo continuou a correr, em algum momento descobriram que haviam armadilhas plantadas a partir de um certo ponto, também tiveram que desviar de grupos encrenqueiros que se formaram, depois de algumas horas eles finalmente alcançaram o outro lado.
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