Capítulo VIII
O tempo passou e aos poucos a família que agora era composta por três pessoas começou a se habituar a sua nova realidade, Heinrich deixou de lado o trabalho que fazia viajando, arou seu próprio campo e plantou arroz, próximo a casa plantou hortaliças e legumes para consumo próprio, começou a criar galinhas, o resto do que precisava para o sustento ele comprava com o dinheiro que conseguia do comércio do arroz, das galinhas e seus ovos, não levavam uma vida luxuosa, mas teriam o que comer, o que vestir, teriam uma vida minimamente confortável.
Erna se recuperava do golpe de perder seu pai aos poucos, às vezes chorava nos braços da irmã mais velha, mas logo voltava a falar bastante e a seguir a outra para todo lado, quando ela sumia de vista e ia esconder sua tristeza em algum lugar, Frieda a procurava e sempre lhe pedia a mesma coisa.
- Erna...- Chamou Frieda, a menina olhou para ela, se questionava como poderia a menina sempre conseguir encontrá-la. - Me conte uma história. - Pediu.
Era evidente que ela estava tentando dar a Erna uma tarefa que ela gostava muito de fazer, de seu ponto de vista, o momento em que Erna lhe parecia mais feliz era quando estava contando alguma história ou lendo para ela.
- Ei Frieda, como sabia onde eu estava? - Indagou Erna.
- Isso? Eu apenas sinto que sempre vou te encontrar não importa onde. - Ela respondeu sem pensar muito sobre isso. - Agora... - Olhou para Erna atenciosamente. - Me conta uma história. - Pediu uma vez mais.
Erna cedeu como sempre.
Frieda estava mais falante, mas passava longe de uma criança normal, só respondia algumas pessoas, Erna e Heinrich eram as únicas pessoas com quem ela tomava a iniciativa de interagir, mesmo eles nunca viram seu sorriso. Apesar de personalidade quieta, Frieda era um tanto excêntrica e quando cismava em saber ou consguir alguma coisas fazia de tudo para se satisfazer, quase sempre envolvia Erna em suas tramas. Antes que Erna percebesse tinha virado a porta voz de Frieda, explicando aos outros o que a menina não era capaz de dizer, mas que Erna, com sua inteligência e excelente habilidade de observação somada a experiência por convivência, conseguia perceber com apenas gestos e trocas de olhares com a sua irmã mais velha, ela rapidamente se tornou perita quando o assunto era Frieda. Pouco a pouco Erna se tornou a "razão" de Frieda, servindo como suporte para algo que ela havia perdido com a morte trágica de seus irmãos, sim, Erna representava sua "razão", aquela que a puxaria sempre para o caminho mais racional das coisas, uma das características que diferem os humanos dos outros animais. Quanto a Frieda, confiava completamente na irmã mais nova, delegando silenciosamente a ela até mesmo a tomada de algumas decisões.
O aniversário de Erna estava chegando, Heinrich estava aguardando até que as duas meninas tivessem sete anos para começar a lhes ensinar o básico, ele já tinha começado a ensinar a linguagem sagrada para Erna também, mas logo seria a hora de treinar seus corpos para aumentar suas reservas de estamina. Heinrich tinha consciência de que não viveria para sempre e não sabia a quantas lutas sobreviveria enquanto tivesse que proteger as duas, elas precisavam ser fortes o suficiente para sobreviverem sozinhas caso o pior acontecesse. Ele divagava sobre isso sentado em sua cadeira na varanda da casa, enquanto olhava para a mata do outro lado da estrada.
- Papai? - Chamou Frieda se aproximando. Quando exatamente ela começou a chamá-lo assim?
- Terminou a tarefa que deixei pra vocês? - Perguntou ele.
- Terminei. - Respondeu a menina.
- Erna não te ajudou de novo, não é? - Indogou inquisidor.
Frieda desviou o olhar de forma muito suspeita, ela não sabia mentir. Heinrich suspirou.
- Não dependa tanto da Erna, você precisa aprender também. - Disse ele. - A preguiça é um pecado que pode nos matar. Além disso...
- Tá bom, eu não vou mais dizer para ela me ajudar. - Se rendeu a garotinha empertigada.
Silêncio.
- Papai? - Ela Chamou de novo, estava encostada no lastro perto da escada, olhando para a estrada.
- Sim...
- Você foi amado pelos seus pais? - Questionou a menina.
Heinrich ficou surpreso com a pergunta, às vezes a menina fazia algumas perguntas que o fazia questionar se ela realmente era uma criança de sete anos. Ele pensou um pouco, a pergunta dela foi feita de modo sério e deveria ser respondida com igual seriedade.
- Não sei, despertei como criança santa no meu aniversário de cinco anos, me mandaram para a ordem imediatamente... nem comi o bolo. - Respondeu ele, aquilo o fez sofrer por muitos anos, mas agora já não o incomodava mais.
Frieda levou alguns segundos considerando a resposta de Heinrich.
- Deviam ter te deixado comer do bolo. - Disse ela.
Ele sorriu com a resposta da menina, ela ainda era uma criança afinal de contas.
- Eu queria que meus pais me amassem. - Comentou Frieda, não era sempre que ela se expressava tão abertamente.
Heinrich, a olhou um pouco e então fechou os olhos, como responder a uma coisa dessas?
- Não é o bastante que eu seja o seu pai agora? - Falou amavelmente.
Ela olhou para o céu azul e parecia pensar seriamente sobre o assunto, foram longos segundos em silêncio, a menina estava analisando.
- Não, é o bastante sim. - Respondeu satisfeita.
Erna ouvia tudo encostada na parede da sala e após a resposta de Frieda, se desencostou e retornou ao quarto com uma expressão misteriosa. Frieda ficou mais um tempo olhando para o céu, mas logo desprendeu o olhar do azul e voltou para dentro, Heinrich seguiu vigiando a floresta e a manter o foco em toda a área nos entornos da casa.
A vida cotidiana de Heinrich se resumia a vigiar durante a noite, sair para uma ronda em escala maior depois do amanhecer, voltar pra casa para fazer o café da manhã e deixar algo preparado para o almoço, ensinar as meninas conhecimentos gerais, bem como leitura e escrita na liguagem sagrada durante toda a manhã, ir checar o seu campo de arroz em companhia das meninas, cuidar da horta e treinar, voltar para casa antes do sol ir embora e preparar o jantar, dormir algumas horinhas e acordar ao anoitecer, ajudar as meninas com o banho, com exceção de Erna visto que ela já cuidava de si sozinha e o ajudava com Frieda, servir e comer o jantar, colocar as meninas na cama e ir para a varanda vigiar durante a noite outra vez.
Os poderes de Frieda e Erna saíam do controle vez por outra, mas como Heinrich estava sempre por perto nada grave aconteceu, a primeira vez que o poder de Erna fugiu de seu controle em sua nova casa foi enquanto ela dormia, cerca de dois meses após o falecimento de seu pai, a menina acordou toda encharcada e acabou por molhar Frieda no processo, ela ficou muito envergonhada e levemente ultrajada quando Frieda lhe perguntou se tinha urinado na cama, revoltada não falou com a irmã mais velha por horas, mas logo voltaram a se falar pois Frieda foi perguntar a ela o motivo para ter parado de falar com ela, Erna ficou tão consternada por Frieda sequer saber o que fez de errado que acabou deixando para lá. Com o episódio da cama molhada Heinrich ficou mais atento a Erna também e quando ele a encontrou se afogando presa em uma bolha de água na cozinha, o que aconteceu porque a menina tentou pegar água no jarro e toda a água foi atraída para o corpo dela, o homem entendeu que o poder de Erna era do tipo agressivo com o usuário, o que isso quer dizer? Diferente do poder de Frieda, que não a queima mesmo se ela acabar coberta por suas chamas, o poder de Erna pode a ferir e até mesmo matá-la, por ser do tipo agressivo é também mais difícil de controlar. Para evitar uma tragédia, Heinrich pediu a Frieda que ficasse de olho em Erna e que não se aproximasse caso o episódio da cozinha se repetisse pois era perigoso, em vez disso ela deveria chamar por ele para que ele resolvesse o problema. Aquela não foi a primeira nem a última vez que avonteceu algo assim, Heinrich sempre tinha que salvar uma que tava se afogando no banho e impedir que acabasse fazendo o mesmo com a irmã ou evitar que a outra queimasse a casa, a própria irmã, o campo de arroz e até mesmo a floresta quando eles saíam para pescar, colher ervas medicinais ou colocar armadilhas de caça. Todos dia tinha uma emoção diferente e Heinrich via a crescente necessidade de treinar as meninas.
Os dias passaram e o aniversário de Erna finalmente chegou, eles arrumaram a casa e Heinrich preparou vários pratos deliciosos, o homem sempre soube cozinhar, mas com filhas de paladares cada dia mais exigentes acabou sendo obrigado a aprender muitas receitas novas e a melhorar ainda mais seus dotes culinários. Erna estava um pouco para baixo com a chegada de seu aniversário, seria o primeiro que ela passaria com a ausência do pai, não havia muito a se fazer sobre isso, feridas como essa não se curam facilmente. Apenas pessoas mais próximas foram chamadas, dada a situação, Heinrich achou que era mais sensato evitar um quadro semelhante do aniversário de Frieda, quanto menos pessoas, mais fácil seria para evacuar todo mundo e reduzir os danos, também seria mais fácil manter-se atento a tudo com menos barulhos e distrações. Foram convidados: Olga, Wilbur, Emília, o ferreiro Baldwin, sua esposa Verena e seus três filhos, o senhor Berhtram, que é o dono da loja de penhores e sua esposa Athala, o senhor Burkard, que é o dono da alfaiataria, sua esposa Gisela e seu filho, a sra.Grete, que é a dona da quitanda e seus dois filhos, e o barbeiro Einhardt.
Os adultos conversavam entre si, todos parabenizaram a aniversariante e elogiaram Heinrich pelos seus esforços em criar e educar as duas meninas. As crianças se reuniram ao redor de Erna e Frieda, a mais nova mantinha os diálogos e a mais velha não estava interessada em nada daquilo, sempre que uma criança falava com Frieda ela não conseguia respoder nada e Erna intervia em seu favor, a mais nova pegou alguns livros para mostrar e recomendar a leitura para as outras crianças, eles ficaram surpresos que Erna e Frieda já soubessem ler, e ficaram ainda mais surpresos quando Erna revelou que ela já não lia apenas aqueles livros cheios de gravuras coloridas e foi buscar em seu quarto livros de conhecimentos de todas as áreas, desde história, geografia e instruções sobre como ler mapas e as estrelas, o básico de biologia animal, humana e das plantas, e até um livro sobre produção de venenos e remédios. Os adultos ficaram pasmos e olharam para Heinrich, o que ele estava ensinando a crianças tão pequenas?
- Calma aí pessoal, elas é que queriam aprender, principalmente Erna. - Ele se defendeu. - Além do mais, elas não paravam de fazer perguntas.
- É nessas horas que a gente dá uma resposta mágica e os mandamos brincar. - Explicou Emília.
Era a primeira vez que Heinrich tomava conhecimento sobre isso, não é como se ele tivesse alguém para mandá-lo brincar quando estava na idade das meninas, então para ele era totalmente plausível responder da forma lógica e racional a todos os questionamentos das meninas, ele até poderia tentar fazer diferente agora, mas as garotas já estavam acostumadas a serem respondidas com seriedade e ficariam frustradas se ele parasse de alimentá-las com conhecimento real.
- Ah!? - Disse ele coçando a cabeça.
- "Ah"? - Repetiu Emília chocada.
- Não tinha como ele saber. - Defendeu Wilbur, balançando a cabeça em positivo duas vezes com os olhos fechados e braços cruzados.
- Concordo plenamente. - Respondeu o ferreiro imitando seus gestos.
- Não poderia concordar mais. - Disse também o dono da loja de penhores e copiou os outros dois.
- Faz sentido. - Comentou o barbeiro fazendo o mesmo.
- Admito que seja assim mesmo. - Foi a vez do senhor Burkard imitar os demais.
Emília ficou levemente indignada, mas começou a rir e foi acompanhada pelas demais mulheres, as casadas começaram a falar como foi difícil corrigir seus maridos na criação dos filhos e os maridos tentavam se defender como dava, às vezes não dava.
Quando a celebração estava terminando e as pessoas começaram a ir embora antes que anoitecesse, o alfaiate esperou que todos fossem embora e se aproximou a sós de Heinrich. O alfaiate era um homem uns sete anos mais velho que Heinrich e seu filho mais novo era um ano mais velho que Frieda, ele era alguém em quem Heinrich confiava muito, confiava a tal ponto de pedir a ele o favor de receber qualquer mensagem ou correspondência que mandassem para ele.
- Heinrich? - O alfaiate chamou a atenção do homem ao se aproximar.
- O que se passa, Burkard? - Indagou com um sorriso, mas a expressão do alfaiate era séria e isso o fez ficar sério também.
- Chegou uma carta para você, fazia muito tempo que não chegava nada e eu já estava começando a crer que você havia sossegado finalmente. - Comentou em voz baixa retirando o envelope do bolso traseiro de sua calça, entregando-o aindo dobrado ao meio para o homem. - Apenas tenha cuidado, não esqueça que sua vida já não é apenas sua. - Aconselhou cordialmente o homem, segurando no ombro do amigo enquanto o olhava nos olhos. - Se precisar da minha ajuda estarei sempre a disposição.
- Obrigado, Burkard. - Disse Heinrich. - De verdade.
O alfaiate foi até sua esposa e filho, juntos eles deixaram a casa, acenando da estrada antes de seguir seu caminho de volta pra casa. Heinrich foi para seu quarto e encostou a porta, abriu o envelope lacrado e desdobrou a carta, leu ela inteira com atenção, pelo selo ele já sabia que não era alguém que ele pudesse recusar, mas esperava que fosse algo bem simples de fazer e não tão perigoso. Ele estava de mãos e pés atados, não podia deixar as meninas ali e viajar para tão longe, o que fazer? O homem passou a mão pelo rosto e esfregou os olhos, olhou para o teto e ficou assim por longos segundos, depois olhou para a parede em sua frente e fez o mesmo, então ele encarou o chão. Heinrich estava pensando em como resolveria esse problema, ele precisava atender aquele chamado, mas também precisava proteger e treinar as meninas, o que fazer? O homem sentiu que alguém o observava e rapidamente moveu os olhos na direção da porta, Frieda o olhava através da porta entreaberta.
- Entre, Frieda. - Autorizou ele. Ela entrou e caminhou para junto dele, sentado-se ao seu lado na cama. - Algum problema? - Indagou ele.
Ela olhou para a parede que antes ele encarava, sua expressão de sempre se fazia presente em seu rosto.
- Você vai viajar de novo? - Perguntou ela.
Heinrich parou de olhar para ela e voltou a olhar para a parede.
- Vou. - Respondeu ele.
Um breve silêncio.
- Nos leve com você. - Pediu ela sem mais nem menos, era como se fosse algo tão simples.
Heinrich assimilou cada palavra naquela frase, ele sequer tinha cojitado fazer isso, era perigoso demais levá-las com ele. Nos últimos meses ele teve que enfrentar vários Haidu em suas rondas e... É isso, agora que pensava melhor, lugar seguro não existia, se ele as deixasse em casa com Olga a tragédia seria inevitável, com ou sem ele elas seriam atacadas e estando com ele as chances de sobrevivência seriam um pouco maiores. Erna era saudável e Frieda já havia se recuperado também, ele poderia treiná-las no caminho durante a viagem e cuidar para que não se ferissem caso perdessem o controle, também poderia protegê-las dos Haidu e instruí-las na prática de táticas de sobrevivência.
- Está bem então. - Respondeu ele. - Vamos partir daqui a vinte e cinco dias contando a partir de amanhã, vou começar a treiná-las, se vocês se esforçarem e aprenderem o bastante eu levo vocês comigo, só dependerá de vocês. - Disse Heinrich. - Vá contar para Erna. O treinamento começa amanhã e não vou pegar leve só porque vocês são crianças ou porque são minhas filhas.
Frieda assentiu com a cabeça e saiu do quarto apressadamente, quem não a conhece não perceberia, mas ela estava extremamente animada e empolgada apesar de sua expressão apática.
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E esse foi o segundo Capítulo de hoje, não esqueça de votar e comente se gostou ou o que está achando dessa história. Fiquea vontade para comentar nos parágrafos, basta selecionar o trecho que você quer comentar que a opção de colocar teu comentário aparece. Um beijão pra vcs e boa sexta-feira. 💜💟
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