Capítulo LXV
Heiko levantou cedo naquela manhã, tinha ciência de que não veria sua irmã por um tempo e não perderia a oportunidade de se despedir dela antes de sua partida. O rapaz teve o cuidado de ele mesmo selar o cavalo da mulher e a aguardou na entrada principal da base, Frieda chegou carregando somente uma bolsa maior que ficaria presa à sela, e uma menor que levaria junto a si, além de sua Guan dao cuja lâmina seguia embrulhada por um tecido.
– Pegue! – Heiko estendeu para sua irmã um pequeno saco de moedas, sua atitude parodiava a de uma mãe enviando seu filho em uma longa viagem.
Frieda hesitou.
– Não pense muito sobre isso, não estou te dando todo o dinheiro que guardei e se te fará sentir melhor, apenas volte viva e bem e me pague cada centavo. – Evidentemente o rapaz não tinha intenção de aceitar a devolução.
– Obrigada! – Frieda respondeu a gentileza e recolheu o presente.
– Você está viajando para um lugar tão distante com tão pouca bagagem, levará meses para chegar lá mesmo se você for pelo porto em Falter. Sei que pretende caçar e dormir sob as estrelas, mas ao menos deve levar uma certa quantia. – Se justificou. Ele conhecia Frieda bem o suficiente para saber que ela estava se sentindo mal em aceitar o dinheiro mesmo que não dissesse nada.
– Eu já estava levando algum dinheiro. – Falou, mas guardou o saquinho na bolsa menor que carregava consigo. – Eu vou me virar, não se preocupe tanto. – Frieda bagunçou o cabelo do irmão e foi subir em seu cavalo. – Não se esqueça de cumprir bem a missão que eu te dei. Resolverei o que me foi atribuído e irei até você. Evite riscos desnecessários e fique bem vivo até o meu regresso.
– Olha quem fala. – Desdenhou. – Mantenha o cuidado sobre a sua vida como se estivesse cuidando da minha.
– Quanta pressão. – Comentou, já estava montada.
– Volte logo Frieda, não me faça morrer de saudade. – Falou o rapaz.
Frieda o encarou em silêncio por um tempo.
– Heiko, eu estou falando sério, se as coisas fugirem do controle apenas pegue Anelie e Ada e fuja, se esconda em um lugar no qual nem eu os encontraria. – Falou ela. – Me prometa!
– Frieda... – Ele estava para argumentar.
– Eu não me importo! – Falou a mulher. – Não me importo com o resto da humanidade, nem com esta terra, existe apenas um grupo com o qual me importo verdadeiramente. Eu tô pouco me lixando para o seu dever de cavaleiro ou o seu juramento. Se tudo der errado, você vai fugir mesmo que tenha que aturar a desonra. – Suas palavras soavam como uma ordem gravada em pedra. – Você está me escutando, Heiko?
Frieda olhava seu irmão fundo nos olhos. Heiko apenas suspirou e assentiu.
– Me prometa! – Pediu uma vez mais. Ela precisava ouvi-lo dizer.
Silêncio.
– Eu prometo. – Heiko falou por fim, não havia outra forma de tranquilizar sua irmã.
Frieda se deu por satisfeita.
– Mas no instante em que eu desconfiar que você morreu... Acabou para mim também. – Acrescentou pegando a jovem mulher de surpresa.
– O que está dizendo? – Inquiriu, o olhava de soslaio.
– Você sabe muito bem o que estou falando. – Heiko sustentou o olhar, estava firme, deixou que ela visse por completo seus pensamentos e intenções. Ele faria o necessário para que ela valorizasse a vida dela, nem se tivesse que ameaçá-la usando sua própria vida.
O vento que parecia estático por um momento finalmente voltou a soprar.
– Eu vou voltar. – Falou a ele.
– Não preciso lhe fazer prometer nada uma vez que tenho a mim mesmo como refém. – Deixou ainda mais claro a suas intenções. – Fico feliz em saber que faço parte do grupo de pessoas que você quer proteger. – Heiko soou ardiloso.
– Maldito pirralho. – Revidou Frieda sem quebrar o olhar.
– Você me deixa lisonjeado. – Rebateu ele ainda firme.
– Não faça nada estúpido até eu voltar. – Falou instigando levemente o seu cavalo a andar. – Por que eu voltarei. – Disse ela, olhando para o horizonte visível, mas era como se tentasse ver o futuro.
O cavalo mal tinha se movido e ela parou, sem olhar diretamente para ele deixou um último pedido antes de ir.
– Não use o poder que usou em Rengen, não importa o que, não use aquele poder que te deixou naquele estado.
Essas foram as palavras de Frieda antes de partir e ir se aventurar no desconhecido. Deixou para trás um Heiko de expressão neutra, mas que em sua mente certamente se questionava como ela sabia que ele tinha sido ele a infligir dano em si mesmo naquela batalha.
Quando estava a uma certa distância, Frieda olhou para trás uma última vez, não conseguiu se conter, apenas para constatar que seu irmão ainda estava de pé no mesmo lugar. Aquela imagem apenas a fez sentir que precisava ficar mais forte, pois ainda tinha muita coisa a perder.
A viagem seria bem longa, não era exagero dizer que meses se passariam e Frieda por várias vezes se questionaria o quão confiável era a garantia da divindade quando lhe falou que os Haidu não lançariam um ataque em massa até que ela tivesse retornado.
Frieda atravessou o noroeste de Tulpe, passou pelo extremo sul de Biene e finalmente chegou em Falter, ali ela fez todo o trajeto até chegar no porto onde subiria a bordo de um navio que a levaria até uma pequena ilha chamada Naniwa dentro do território de Noboru Asahi, nessa ilha ela pegaria um barco menor que a levaria para a costa onde iria aguardar pelas orientações da divindade.
Quando finalmente chegou no porto em Falter, Frieda aguardou por um dia até que o navio estivesse preparado para partir, ela não sabia muito sobre a terra para onde estava indo, apesar de seu reino ter alguma relação comercial com as Terras do Oriente, a mulher nunca foi realmente interessada em políticas internacionais. Enquanto raciocinava sobre isso não pôde deixar de pensar que Erna certamente saberia sobre isso e que talvez Leona também soubesse, afinal ela queria viajar para vários lugares e aprender coisas novas para colocar em seu livro. Uma pontada forte de tristeza fez a boca de Frieda amargar, mas ela se manteve firme após apertar o seu punho.
Evidentemente o rei de Weinrose estava fazendo vista grossa quanto aos navios navios entrando e saindo de Falter, Frieda viu soldados do exército real a postos na cidade portuária. Mas quem podia criticar o rei? Ainda que o rei anterior tivesse criado uma lei problemática, o rei atual e qualquer pessoa com o mínimo da inteligência humana saberia que se o comércio internacional fosse extinguido, os danos à economia seriam irreparáveis. Os comerciantes receberam um alvará extraoficial que lhes permitia manter o comércio ativo, os soldados estavam ali para garantir que nenhuma irregularidade seria cometida, que outras pessoas além dos comerciantes não viessem a quebrar a lei até que o rei se livrasse dela, e para proteger os cidadãos de possíveis ataques de piratas ou outras ameaças.
Quando o navio finalmente estava pronto para ir, Frieda foi até um posto perto do cais e apresentou sua autorização com o selo real ao fiscal, ele trocou olhares com um soldado que estava ao seu lado, carimbou o documento e devolveu. Enquanto ela se afastava eles a mediram com o olhar, ela usava um Haori preto com flores de lótus brancas espalhadas pelo tecido, mas boa parte da manga e do meio do corpo do Haori até sua barra, estava coberto de pássaros igualmente brancos. sob o Haori, Frieda vestia um quimono em vários tons de azul e sobre o quimono, cobrindo os membros inferiores, ela trajava um Hakama que começava azul claro e ia se tornando gradativamente escuro até chegar na barra em uma cor quase preta. Calçava sandálias e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo com duas mechas da frente presas atrás das orelhas, como sempre. Ela tinha optado por seguir as orientações de seu irmão e estava usando roupas tradicionais do lugar para o qual estava indo.
– Quem diabos é essa mulher? – O fiscal sussurrou para o soldado e o homem deu de ombros.
Frieda os ignorou e subiu a bordo da embarcação, foi procurar um lugar para se sentar perto da popa. Não demorou muito para que o navio partisse e quando a costa sumiu no horizonte, a mulher ouviu uma voz masculina gritar chamando por alguém, ela assumiu que não era da sua conta e não deu atenção, em algum momento aquele que chamava desistiu e tudo voltou a tranquilidade de um navio em alto mar, mas durou pouco, pois apenas alguns minutos depois ela sentiu a aproximação de alguém que vinha lhe perturbar.
– Não deu para perceber que eu falava com você? – O homem disse de maneira despretenciosa. – Tive que dar a volta pois o caminho estava obstruído. – Ele agia como se a conhecesse.
– Não é educado saudar e se apresentar ao chegar? – A mulher inquiriu sem olhar para ele. Ela estava sentada no chão com as costas encostada na borda-falsa ou parapeito do navio.
O homem primeiro ficou surpreso com a resposta, mas logo desatou a gargalhar, Frieda se perguntava o que era tão engraçado.
– Por que não levanta o olhar e me vê de perto, não acho que mudei tanto assim apesar dos anos. – Disse ele animado.
Frieda conteve seu descontentamento, queria se livrar rapidamente do recém chegado e voltar a solitude. Ela decidiu ceder e finalmente olhou para quem a importunava, foi impossível não conter a surpresa, a garota não foi capaz de reconhecer sua voz uma vez que estava mais grave, mas jamais esqueceria uma pessoa cuja imagem foi capturada por seus olhos.
– Você parece feliz em me ver... – Disse ela ao homem, seus ânimos se acalmaram, qualquer sinal de incômodo se foi, pois para ela ele não era um estranho. – Sr. Ignaz, o bardo.
O homem lhe apresentou um largo sorriso e se sentou ao lado dela sem sequer lhe oferecer sua companhia antes.
– Vejo que ainda se lembra. – Falou ele. – Essa será uma viagem longa, é animador ver um rosto conhecido.
– O sentimento é recíproco. – Respondeu a mulher. – Como sabia que era eu? Você não mudou muito pois já era um homem feito quando nos encontramos, mas eu certamente cresci.
– Você cresceu de fato, mas eu a vi embarcando, não são muitas pessoas por aí que possuem olhos heterocromáticos. – Disse o bardo.
– Muito observador. – Falou ela. Então olhou para o instrumento que o homem tinha apoiado, apesar da capa era evidente que se tratava de um alaúde. – Fico contente que não tenha parado de cantar. – Comentou.
O bardo olhou para o seu instrumento e pareceu nostálgico.
– Certamente não teria seguido em frente se não fosse graças a vocês. – Falou o homem.
Nesse momento ele finalmente pareceu ter assimilado que a mulher estava sozinha e olhou em volta brevemente apenas para ter certeza de que não tinha apenas falhado em reconhecer os demais. Frieda percebeu o que ele estava fazendo.
– Eles não estão aqui. – Respondeu a pergunta não dita. Seu olhar taciturno não foi percebido de imediato pelo bardo, ele não estava olhando para ela ainda.
– E onde estão? Eram tão unidos, não acho que lhe deixariam viajar sozinha. – Comentou de forma inocente.
– Essa é uma boa pergunta, para onde vamos quando o nosso tempo terreno finda? – Inquiriu sem pensar muito sobre a pergunta.
O bardo sentiu-se triste, ele compreendeu claramente o que ela quis dizer, também não precisou de muito tempo para analisar a situação.
– Wald von Grenze? – Mencionou a floresta do limiar.
Frieda não respondeu, mas sua falta de resposta era esclarecedora.
– É claro que estariam no pelotão de elite, já eram tão talentosos com pouca idade. – O bardo comentou com certa medida de pesar. – Imagino que você seja a capitã Wanderfalke da qual ouvi falar. – Ponderou tristemente.
– Já não sou mais capitã de nada. – Respondeu levemente derrotada.
Ignaz não sabia ao certo o que dizer, existem palavras certas a se falar para alguém que evidentemente parece ter perdido todo um mundo? Quem saberia o que dizer?
– Eu lamento o que aconteceu. – Falou ele. – Ainda que eu não estivesse lá para ver com meus próprios olhos, tenha a plena certeza que você fez tudo que podia.
Frieda não olhava para ele.
– Baseado em que? – Ela perguntou.
Ele levou alguns segundos para responder, não porque estava hesitante, mas porque queria que suas palavras soassem claramente.
– Baseado na fé. – Disse ao fechar os olhos serenamente.
Frieda não esperava uma resposta como aquela, mas em vez de se aprofundar ainda mais no que sentiu ao ouvir tais palavras, ela apenas as guardou em seu coração e resolveu dar outro rumo daquela conversa.
– Para onde está indo? – Demandou a mulher.
Ignaz percebeu a mudança repentina de assunto e apenas seguiu o embalo.
– Estou indo para a casa dos parentes da minha cunhada, ela me pediu para lhes entregar uma carta já que eu ia viajar para as Terras do Oriente. – Respondeu ele.
– Você escolheu um lugar bem distante para ir desta vez. – Comentou ela.
– Sou um bardo, afinal. – Falou sorrindo outra vez, era como se estivesse a se gabar. – Estou indo para Zhèngwǔ.
– Zhèngwǔ? – Indagou.
– Não é anormal que não saiba tanto sobre as Terras do Oriente, mesmo os nobres com a melhor educação em nosso reino não sabem muito, uma vez que não é de interesse comum. – Argumentou Ignaz. – Zhèngwǔ é um dos três países das Terra do Oriente, no idioma local significa meio-dia.
– Quantos países tem nesse lugar? – Perguntou.
– Pelo menos três países. – Falou ele. – Este barco está indo para Naniwa, uma ilha dentro do território do país chamado Noboru Asahi, que significa nascer do sol na idioma local. Mas ainda tem o país chamado de Ilmol, que significa pôr do sol no idioma desse país. – Explicou. – Então temos, Noboru Asahi, Zhèngwǔ e Ilmol, cada um com sua riqueza, cultura, tradição e política própria.
– O mundo fora do ambiente que conhecemos é vasto? – Demandou pensativa.
– Imagino que seja algo fora da nossa atual compreensão. – Falou o bardo. – Parecemos bem pequenos quando pensamos sobre a grandeza desse mundo, não?
– Você tem razão. – Ponderou. – Vamos aproveitar bem a viagem, já que nos separaremos em Naniwa. – Falou ela.
– De fato, pegarei outro barco que vai me levar para Zhèngwǔ e você? Para onde vai?
– Vou seguir para a costa de Noboru Asahi, tenho assuntos a tratar. – Respondeu. Essa não era uma informação completamente sigilosa.
– Entendo, isso explica as roupas que está vestindo. – Disse ele.
– Você também está vestindo roupas que não são comuns em nosso reino. – Contra-argumentou.
– Minha cunhada me disse para me vestir assim, vai chamar menos atenção do que usar meus trajes comuns. – Expôs ele. – De acordo com o que aprendi, se você estiver vestido apropriadamente, for cortês e seguir certas formalidades, as pessoas dessas terras lhe tratarão com cortesia. Por outro lado, dependendo a quem você ofender pode ser que nunca mais volte a ver o sol outra vez. – Ele olhou para ela de soslaio. – Posso lhe repassar tudo o que me foi ensinado durante o tempo em que estivermos juntos. – Ofereceu.
– Fico grata. – Frieda aceitou. – Eu tendo a me envolver em maus entendidos, talvez aprender algumas coisas me ajudem a evitar certas eventualidades.
O homem riu.
– Parece que somos mais parecidos do que eu imaginava. – Falou animado. Um sino soou. – Bem... parece que já está na hora de uma das refeições, é melhor irmos nos juntar aos demais do convés.
A dupla foi atender o chamado para a refeição, é importante estar bem nutrido em uma viagem longa, nunca se sabe quando ou se ocorrerá um evento que exigirá força da parte dos tripulantes e passageiros em um navio em alto mar.
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Espero que esteja gostando, esse foi um capitulo menor, mas em breve teremos mais. bjs <3
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