Capítulo LXIX
Mais uma manhã em Anzen na Minato, estava levemente mais frio que no dia anterior, o orvalho se assentava nas superfícies externas. Frieda seguia isolada em um dos cantos da cela quando a mulher que a trouxe até ali finalmente apareceu.
– Sua audiência foi adiantada. – Proferiu enquanto uma outra mulher e um homem abriram a cela e sinalizaram para que ela saísse, ambos estavam presentes no dia em que ela foi apreendida. – Mantenho o meu conselho de que não tente nada. – Falou e se virou sem temores, ela demonstrava ter plena confiança de que Frieda não seria um problema e sua confiança não parecia ser baseada em orgulho ou ignorância.
Frieda analisou a mulher mais uma vez apenas para reforçar suas certezas, de fato, aquela pessoa não tinha aberturas mesmo de costas e com posição relaxada, vencê-la no um contra um não seria uma tarefa penosa. Observando-a atentamente ela foi capaz de notar que a mulher carregava um objeto semelhante a sua insígnia pendurada no cinto, contudo o símbolo nele era claramente um "Kamon" ou "Mondokoro", isto é, o emblema da casa (família ou clã) que aquela pessoa fazia parte. Nesse momento, a jovem sentiu uma sensação de familiaridade, como se já tivesse visto algo parecido antes, mesmo que o tenha observado apenas pelo canto do olho. O kamon em questão se tratava de uma representação que continha um sensu ou leque no centro, com um dragão serpenteando ao redor dele.
O trio guiou Frieda para fora não só da cela, mas atipicamente a levaram para fora do local de julgamento e encarceramento, eles cobriram suas mãos algemadas com um pano e a conduziram pelas ruas da cidade. Aquela situação trouxe memórias detestáveis, lembranças do dia em que quase foi executada em praça pública, a jovem tentou se acalmar pensando que a divindade não lhe levaria até ali só para morrer.
Após vários minutos de caminhada, Frieda se viu diante de uma mansão bonita e antiga, apesar de reformada. Ainda do lado de fora do lugar, era impossível não ter visto o muro que cercava o lugar, o portão mais alto que o muro, trazia uma inscrição em sua fachada que sinalizava o nome daquela família, a fachada era bonita e continha elementos do Kamon utilizado pela mulher que guiava Frieda.
No interior, a jovem se deparou com um amplo espaço antes de chegar na porta de entrada, um jardim de gramado bem cuidado se estendia na frente dela, ela contou pelo menos três árvores de cerejeira, mas haviam outras árvores que ela não foi capaz de reconhecer a espécie. Mais adiante em sua caminhada, Frieda passou sobre uma ponte que ficava acima de um lago com carpas coloridas. Haviam esculturas dispostas naquele belo jardim, e tudo aquilo lhe dava um ar elegante.
A garota foi conduzida então para dentro da mansão, sua arquitetura continha semelhanças com outras casas mais abastadas que ela viu em Anzen na Minato. Predominava a madeira e o estilo de telhado era parecido, mas se via claramente a diferença na qualidade dos materiais. A habitação contava com dois andares, mas Frieda estava sendo levada para uma sala no andar térreo.
A mulher caminhava à frente da cavaleira de Ismar sem pressa, os outros dois evidentemente estavam confortáveis então certamente estavam habituados a frequentar aquele local. Contudo, Frieda tinha consciência de que não era comum que audiências de pessoas detidas fossem conduzidas em um ambiente como aquele, ela começava a se perguntar o que o seu amigo tinha aprontado.
Ao adentrar na sala, a dupla que a guiava de perto parou após alguns passos, o que fez com que Frieda compreendesse que ela deveria fazer o mesmo, já a mulher que ia na frente deu alguns passos a mais, parou e se curvou para alguém que Frieda ainda não tinha visto, uma vez que a mulher estava bloqueando sua visão.
– Ryuu Yukihiro-sama, eu estou de volta e trouxe aquela pessoa. – Informou a mulher.
– Ayumi, não já lhe disse para me chamar apenas de pai. – Repreendeu chateado e levemente manhoso.
Ayumi bufou em desaprovação.
– Não é apropriado que lhe chame assim na frente dos outros, dada a sua posição. – Falou respeitosamente e de forma ponderada, mas sua expressão deixava clara sua indignação.
Ryuu Yukihiro suspirou tristemente.
Enquanto ainda falava, Ayumi caminhou na direção do homem e se posicionou no lado oposto ao qual estava uma pessoa que Frieda reconheceu rapidamente. Ela o encarou e ele sorriu para ela descaradamente.
– Vejo que tem alguma queixa para com o meu filho. – O homem surpreendentemente leu através do rosto inexpressivo de Frieda e isso a pegou desprevenida. Ela apenas assentiu para o homem sem mais reações e então se voltou para o seu conhecido.
– Ryosuke-san, você não disse que o seu sobrenome era Shinkai? – Inquiriu contidamente indignada com a suposta mentira.
– "Ryosuke-san"? – A jovem próxima a Frieda sobressaltou ofendida. O rapaz que mantinha guarda junto a ela tentou abafar o riso. – É "Ryosuke-sama". – Corrigiu. – Na verdade é "Ryuu-sama" ou "Ryuu-Dono", por favor, não seja tão desrespeitosa. – Repreendeu.
– Tá tudo bem, Riko, eu quem permiti que ela me chamasse como desejasse. – Informou gentilmente.
Riko suspirou, ela já esperava algo assim de seu amigo. Ayumi olhou torto para o seu irmão e então o analisou com uma expressão inquisidora.
– Frieda-san, eu não menti para você de fato, é verdade que Shinkai é o sobrenome da minha família, da família de minha mãe para ser mais claro. – Explicou. – Contudo, o meu sobrenome é Ryuu, como um dragão. E este é Ryuu Yukihiro, ele é meu pai e governante de Anzen na Minato. – Falou. – Pai, esta é Frieda-san, minha amiga.
– "Amiga", né? – O rapaz perto de Frieda provocou o jovem mestre com intimidade.
– Takeru! – Reclamou Ryosuke, suas orelhas levemente avermelhadas. Ayumi não deixou aquilo passar, suas feições evidenciaram sua surpresa, então ela olhou de canto para Frieda.
Quanto a jovem cavaleira, estava mais atenta ao homem que viu através de seu estoicismo agora. O pai tinha o maxilar marcado e um pouco de barba, sua beleza era grosseira e seu porte era o de alguém que treinava para a guerra. Ele não parecia muito com o filho, é provável que a beleza fina de Ryo tivesse vindo de sua mãe. O homem tinha mais de cinquenta anos e sua voz rouca ecoou contra o silêncio naquela sala, sentado em seu trono baixo e quadrado.
– Criança, você tem o rosto de alguém que perdeu muito. – Falou como se pudesse ver o passado de Frieda, ele percebeu que estava sendo analisado. – Diga-me, que assuntos alguém assim teria em nossas terras? Por acaso todo esse ódio que você tenta mascarar com essa sua expressão apática é direcionado a alguém que vive aqui?
Frieda não conteve a surpresa, agora não restava dúvidas de que sua façanha anterior não foi mero chute ao acaso.
– Como consegue ver? – Ela perguntou.
– Através do seus olhos o ódio fervilha, pode até conter seus gestos e expressões, mas os olhos nunca mentem. – Ele apontou para os próprios olhos enquanto explicava.
– Me vejo diante de alguém perspicaz, imagino que foi de ti que seu filho herdou os bons instintos. – Comentou, e é claro que ela estava jogando. Conseguir que um homem de tamanha influência deixasse de vê-la como uma ameaça em potencial era algo que poderia decidir o seu destino. – Respondendo a sua pergunta, posso dizer que vim aqui para aprender algo novo, não tenho rancores contra ninguém nessa terra. – Falou. – Nenhum humano pelo menos. – Se corrigiu.
O homem de expressão séria finalmente sorriu. Frieda não sabia dizer se ele agiu assim por ficar lisonjeado ou por ter visto através dela mais uma vez.
– A muito eu já havia percebido que você era como nós, mas não senti nenhuma hostilidade em relação a minha terra e meu povo, então julguei que talvez fosse apenas uma visitante curiosa. – Comentou Ryosuke. – Contudo sinto que há algo mais. – Ele ponderou.
– Ouvi dizer que o acordo de paz feito entre os países no continente está fragilizado. – Ayumi finalmente se pronunciou. – Segundo as informações, Mond se uniu aos Akuma, traiu as demais nações e nesse momento estão em guerra. Me pergunto se a nossa "visitante" não tem mais a nos contar sobre isso.
Ryosuke olhou para Frieda requerendo alguma resposta, mas ele certamente não esperava que ela revelasse muito sobre as questões políticas e militares de seu reino. Ele estaria certo se não houvesse alguém influenciando ativamente naquele caso.
– Dê a eles o máximo de informação possível. – A divindade surgiu novamente, invadindo a cabeça de Frieda com a sua voz.
– Não fique aparecendo sem aviso. – A garota acabou pensando alto por acidente.
– Como assim? – Ryosuke indagou, estava confuso.
– Não é nada. Só estava pensando alto. – Informou.
– Sua missão atual é iniciar uma aliança com o povo dessa terra. – A divindade ignorou a reclamação de Frieda. – Eles irão ficar a cargo de reunir força em todas as terras do oriente e se unirão na frente de batalha. Se certifique de explicar com clareza e deixar claro que a sobrevivência deles também depende dessa aliança, incentive-os a enviar uma carta oferecendo ajuda e que menciona o seu nome e o do seu irmão no documento. – A divindade instruiu Frieda e desapareceu novamente.
– Na verdade, talvez o destino tenha nos reunido aqui. – Disse ciente de que o tal "destino" ela conheceu em uma cripta, provavelmente teria rido se conseguisse. – Espero que estejam com tempo para ouvir, as informações não são poucas e a situação pode ficar confusa vez ou outra. Fiquem à vontade para fazer perguntas.
– Por falar em ficar a vontade, já passou da hora de removermos as algemas. – Ryuu Yukihiro gesticulou para que Takeru se mobilizasse.
O rapaz tinha a chave em mãos, ele foi até Frieda e delicadamente removeu as algemas.
– De todo modo, não acho que esses grilhões teriam qualquer efeito de contenção em você. – prosseguiu. – Ryuu Yukihiro.
Frieda pensou em argumentar sobre o quão confiante ele estava por ter uma contenção muito maior que as algemas bem ali naquela sala, mas se resguarda.
– Não farei rodeios. – Avisou ela. – Os Haidu, raça que vocês chamam de Akuma, estão mais organizados que a séculos atrás, isso vocês já devem ter notado. Suas atitudes nos levam a crer que estão se preparando para algo.
– Para quê? – Indagou Ryosuke.
– Eu vou chegar lá, antes preciso revelar uma informação importante sobre mim. Saber disso talvez aumente o valor das minhas informações. – Disse ela. – Permitam que eu me apresente de novo: Eu sou Frieda Falkenberg, parte da Ordem dos Cavaleiros Sagrados de Ismar, amplamente conhecida como "Wanderfalke", capitã do pelotão de elite e única sobrevivente do massacre que ocorreu em Wald von Grenze, ou melhor, sou alguém que voltou dos mortos. – Informou.
O choque foi inevitável, qual a probabilidade de tal figura simplesmente estar ali diante deles? É óbvio que já tinham escutado sobre o massacre, também já tinham ouvido o nome "Wanderfalke" e tinham ciência de que é assim que chamavam uma figura de força esmagadora do continente.
– De fato, esse é um encontro inesperado. – Comentou Ryuu Yukihiro. – Seu nome lhe precede, apenas evitarei considerar os muitos boatos ruins que ouvi a seu respeito. – Comentou.
– Parece que fiz uma amiga mais interessante do que imaginava. – Disse Ryosuke. – Por favor, prossiga.
Frieda assentiu.
– Começarei dizendo algo que talvez tenham desconfiado, mas a nossa derrota e desgraça em Wald von Grenze se deve sobretudo ao fato de que fomos traídos. – Externou.
– Soubemos sobre a traição de Mond. – Falou Riko.
– De fato, fomos traídos por Mond, mas eu me refiro à traição de um integrante do pelotão de elite. – Sua boca amargava. – Alguém que outrora considerei um amigo, se aproveitou disso e nos apunhalou bem diante dos nossos olhos.
– Eu sinto por isso. – Ryosuke disse.
– Ele também sentirá. – Ela divagou.
– Contudo, imagino que o pelotão de elite tenha recebido esse nome por reunir figuras fortes, é inconcebível que tenham sido obliterados. – Prosseguiu Ryosuke.
– Fomos surpreendidos por uma criatura nova, a séculos não se fala sobre elas e as informações de seus aparecimentos anteriores, que possuímos, datam de antes dos acontecimentos de quinhentos anos atrás. – Falou.
– Espera! – Ayumi estava consternada. – Você disse "uma" criatura nova? – Deu ênfase no número. – Você quer nos dizer que o seu pelotão foi esmagado por uma única criatura?
– Sim e não. – Expôs Frieda. – Sim, porque a criatura que apareceu parecia brincar conosco, como um gato brincando com a comida antes de devorá-la. Muitos de nós já tínhamos morrido, outros estavam gravemente feridos e iriam morrer posteriormente. Só estavam de pé os mais fortes dentre os mais fortes no pelotão de elite. E é agora que entra o "não", já que novas criatura como essa saíram da brecha e dizimaram os que haviam sobrado. – Cada palavra doía, ela lutava para não relembrar a cena. – Eu serei bem clara, a brecha não se abriu naturalmente, como tem sido a muito tempo, os Haidu abriram propositalmente a brecha.
– Está dizendo que eles descobriram como abrir a passagem quando quiserem? Isso é muito grave. – Riko se sobressaltou.
– Eles também parecem mais articulados, é necessário certo grau de estratégia para escolher alvos. Eles certamente perceberam, racionalmente, que o pelotão de elite era um problema a ser sanado, além disso reuniram peças chaves dentre os humanos para que seus planos dessem certo. Desde quando são tão inteligentes? – Comentou Takeru.
– Sempre foram. – Respondeu Frieda. – Provavelmente não nos viam como uma ameaça, mas foram derrotados a quinhentos anos e estão nos levando a sério agora. – Argumentou.
O grupo ficou em silêncio, considerando o que acabara de ouvir.
– Os ataques também foram planejados e possuem o objetivo de espalhar o terror. – Continuou. – Eles estão enfraquecendo a linie, já começamos a considerar a possibilidade de que estão preparando o terreno para que se torne possível que e criaturas ainda mais fortes venham para o nosso lado e isso deve ser evitado a todo custo. Se não encontramos um meio de superar esta crise, certamente o continente será tomado e as Terras do Oriente não tardarão a cair também. Eu recomendo fortemente que se unam as nossas forças enquanto ainda podemos contar com os números.
Ryuu Yukihiro olhou para seu filho, confiava muito em suas decisões e instintos, sabia que Ryosuke sempre colocaria o seu povo acima de tudo e jamais faria uma escolha que os levassem para um campo de batalha se existisse outra possibilidade.
Ryosuke estava em silêncio, tinha se recolhido para dentro de sua própria mente, considerava tudo que tinha ouvido até ali e usava toda a sua razão para procurar um resultado razoável. Os olhares pesavam sobre ele.
– Certamente você ainda não nos contou nem a metade. – Disse finalmente, olhava fundo nos olhos de Frieda. – Eu não consigo ver um futuro no qual a humanidade prevalece. – Havia tristeza em sua fala. Para muitos soaria pessimista, mas não havia nada além de realismo ali.
– E então... Lutaria mesmo sabendo que apenas a destruição nos espera no futuro? – Instigou a garota.
– Somos humanos afinal. Se vamos morrer de qualquer jeito, então que seja lutando. – Declarou.
– Então está decidido, Anzen na Minato irá lutar nessa guerra. – Disse Ryuu Yukihiro. – Mas se quisermos que todo o império de Noboru Asahi, bem como Zhèngwǔ e Ilmol sejam convencidos a se unir também, então você terá que nos dar mais informações.
Frieda passou então a contar o máximo do que sabia, mas não revelou a eles que era alguém em vias de se tornar uma Santa, nem que tinha interagido com uma divindade. Quando seu conhecimento já tinha sido repassado, ela os instruiu a entrar em contato com o rei de Weinrose e mencionar na carta que aquela aliança era recomendação dela e de seu irmão Heiko. Frieda tinha em mente que a divindade, provavelmente, ordenou que fizesse assim pois o fato dos irmãos estarem envolvidos de alguma forma deixaria o rei mais propenso a acelerar os processos democráticos a fim de firmar o acordo. Sua missão ali estava completa.
A jovem mulher foi acompanhada até a hospedaria em que estava, lá ela tomou banho, trocou as roupas e retornou a mansão da família Ryuu para fazer uma refeição e discutir mais a respeito do combate às forças inimigas. Na noite daquele dia, Frieda foi contatada pela divindade e ela lhe contou para onde deveria partir em três dias.
✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴
Espero que estejam gostando, não esqueça de votar e comentar. Bjs no coração <3
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro