Capítulo LVIII
Lá fora as pessoas ainda comentavam sobre os acontecimentos no dia da execução, mas para muitos o fato do rei anterior ter sido destronado e até mesmo morto pelas mãos do próprio filho eram de relevância maior. Haviam aqueles que priorizam o quão elegante o novo rei estava sobre seu cavalo no dia em que foi resgatar da morte uma pobre donzela que estava prestes a ser executada e o quanto aquilo era galante e romântico, tinham até aqueles que espalhavam fofocas dizendo que o rei se interessou pela plebéia a muito tempo e que certamente vinham se encontrando às escondidas desde a participação da mulher no exame de admissão. Heiko sequer podia crer no absurdo que estava ouvindo enquanto caminhava mais uma vez para o quarto no qual Frieda deveria estar repousando.
– Sabe... Fico feliz em te ver de pé. – Ele fala ao ver Frieda realizando algumas flexões no chão. – Mas as motivações por trás desse seu olhar me preocupam. – Depositou a bandeja em suas mãos sobre a mesa, apanhou a caixa que tinha colocado nela e se afastou um pouco. – Consegui frutas, coma ao menos algumas delas, lhe fará mal realizar exercícios sem está devidamente alimentada.
– Se depender de você eu ganharia o triplo do meu peso em uma semana, não consegue vir me ver sem trazer alguma comida? – Ela se coloca de pé e apara uma pequena toalha arremessada por ele, seu corpo está suado , está vestindo uma blusa sem manga nenhuma justa no corpo e um short igualmente justo para treinar.
– Você ficou muito tempo se alimentando mal, na verdade nem dava para chamar de alimentação, tem que comer bastante. – Impôs.
– Sim, vovó. – Frieda disse ácida.
Heiko bufou, mas decidiu não rebater, preferia essa versão dela ainda que soubesse que não passava de mera fachada para esconder como ainda estava por dentro.
– Você está falante demais esses dias, além disso até me obedece quando te digo para comer ou beber algo... – Falou enquanto a observava levar uma garfada de frutas até a boca, ele mesmo lavava, descansava e cortava as frutas para ela. – Convivi o suficiente com as pessoas para saber quando querem algo de mim. – Expôs.
– Tá me chamando de interesseira? – Tentou fingir estar ofendida, mas sua voz e mente lhe traíram, ela não conseguia brincar.
Ele a encarou, não deixou passar aquela prova de que nada ia bem.
– Sim, estou. – Disse de forma descontraída, estava brincando. – Agora me diga logo o que quer de mim.
Frieda hesitou, pareceu avaliar o terreno e Heiko não gostou nada daquilo.
– Não vou fazer. – Já negou antes de ouvir.
– Mas eu ainda não disse nada. – Frieda comentou um pouco perplexa.
– Nem precisa, provavelmente é algo perigoso e descabido. Não vou te ajudar a morrer, gosto de você e sou bem egoísta, você vai viver nem que eu tenha que te prender pelos pés e pelas mão e te jogar numa torre.
– Isso soou bem doentio. – Comentou Frieda.
– Eu nunca disse que era saudável, aceitou ser minha amiga por que quis. – Rebateu.
– Olha, sei que está preocupado, mas eu não vou desistir, apenas vai levar mais tempo para conseguir o que quero. – Disse ela e ele a mediu, não soavam como as palavras de alguém que planejava simplesmente jogar a vida fora.
– Eu vou te ouvir pelo menos. – Falou sem garantir nada.
– Bem... – Iniciou a mulher. – Eu decidi que vou me tornar uma Santa.
Heiko estava em choque, piscou algumas vezes tentando saber se tinha ouvido direito.
– Tipo uma pessoa que fez uma grande contribuição para a humanidade, como a Santa das flores? – No fundo ele sabia sobre o que ela estava falando, mas preferiu negar.
– Eu tô falando de ... – Ela começou a frase.
– Não. Não me diga, eu não quero saber. – Disse sem saber o que fazer com aquela informação, de todas as maluquices que ele deduziu que fossem deixar os lábios da mulher, ela proferiu justamente uma que ele sequer esperava. Heiko tentava se recompor após ouvi-la, parecia que tinha ouvido alguém lhe confessar que cometeu um crime e lhe pedir segredo, isso quando sequer havia a deixado concluir sua fala.
– Quanto drama. – Ela alfinetou.
– Drama? – Ele a olhou como se ela estivesse presa em uma camisa de força. – Por acaso ficou maluca? Sabe quantas pessoas se tornaram Heiliger desde o primeiro desperto de que se tem relato? Pois vá em frente e conte, isso mesmo, pois foram tão poucos que você pode contá-los rapidamente. – Ele apresentou o argumento. – Você já é Meister, pode se refinar com treinamento.
– Não temos tempo, a humanidade será subjugada antes. – Falou ela. – E não seria o suficiente... – Murmurou enquanto sua mente era aterrorizada pela imagem daquelas criaturas poderosas.
– E você se importa? – A pergunta poderia parecer rude, mas não era como se fosse uma mentira completa.
– E então faço o que? Sento e espero? – Revidou Frieda, ela se sentou na beira da cama.
– Que seja! Apenas sente e espere. – Disse o rapaz. – Frieda, não é um jogo. As pessoas podem morrer sabe-se lá por qual motivo quando entram naquela cripta. – Elucidou ele. – A maioria morre antes de sequer passar pelo que quer que os deuses exigem no dito contrato. Você pode entrar lá e morrer sem ter conseguido nada, não vale o risco. Ou você vai olhar nos meus olhos e dizer "eu não tenho nada a perder mesmo"?
Ele a encarou, ela não respondeu ao sermão.
– Tenho coisas para te dar, elas são suas agora. – Informou. – Primeiro isso. – Ele mexeu na bolsa que carregava em volta dos ombros e retirou de lá a di-zi que pertencia ao Felix, então entregou a ela.
Frieda não falou nada, apenas apanhou o objeto com cuidado e zelo, e o colocou sobre o seu colo, o encarou por um bom tempo. Vendo que a mulher não ia se mover, Heiko apanhou a caixa que tinha trazido consigo.
– Ignaz também me enviou isso. – Disse entregando a ela. – Ele mesmo os recolheu e limpou. Eu deveria lhe entregar mais cedo, mas julguei que lhe faria mais mal do que bem no estado em que estava.
Frieda podia adivinhar o que tinha dentro da caixa, mas ainda assim espiou e então fechou a tampa rapidamente, ela segurou o objeto com firmeza e trincou o maxilar um pouco, como se tentasse conter a dor. O rapaz ficou em silêncio por um tempo, deu a ela um momento a sós com o que estava sentindo, então retomou a conversa de antes
– Não posso fazer isso, Frieda. – Falou Heiko. – Espero que você possa entender. Você deveria descansar em paz, sim, mas viva. Talvez ir viver em uma montanha ou perto de uma praia deserta, quem sabe aprender jardinagem ou criar animais.
Frieda se manteve em silêncio, mas ela não desistiria tão fácil, iria conseguir o que queria ainda que tivesse que apelar. Ela colocou o que tinha de lado e se levantou, a seguir se aproximou dele e agarrou sua mão esquerda, prendendo-a entre suas duas mãos.
– Não me faça implorar. – Disse em voz baixa.
– Isso não vai funcionar. – Afirmou ele. – Se fosse qualquer outra coisa eu faria, mas está me pedindo algo que arriscaria sua vida. Como acha que vou me sentir se você morrer? E digo mais, como acha que vou me sentir sabendo que você morreu quando fui eu quem te levou para a morte?
Frieda não respondeu. em vez disso se afastou só um pouco e soltou a mão de Heiko, depois olhou para o rosto dele e ergueu ambas as mãos. Heiko pareceu confuso, o que ela queria fazer, sendo mais alto ele a olhava de cima.
– O que você...? – Ele ia inquirir, mas de repente lhe veio à mente que devia abaixar a cabeça, assim ela ficaria mais acessível às mãos de Frieda e quando ele o fez ela não perdeu tempo e foi carinhosamente lhe bagunçar os cabelos. Ele fechou os olhos e se deixou levar pelo cafuné. – Isso não vai funcio...
Bom... o interior daquela carruagem que Heiko arranjou para que Frieda viajasse com conforto tinha seu requinte.
– Que vergonha! – O jovem rapaz lastimava com ambas as mãos cobrindo o rosto, esteve assim durante toda a viagem. Sua face coberta pelo rubor. – Como pôde terminar assim?
– Vai ficar assim até quando? – Demandou Frieda.
– Você me manipulou. – Acusou ele. – Como pôde?
– Sua acusação não tem fundamento nem provas. – Frieda se defendeu.
– Ah!? Como pude ser tão ingênuo? – Voltou a lamentar. – Se você morrer eu vou te buscar nem que seja pelos cabelos. – Ele a encarou e não pode deixar de notar que ela usava os brincos que um dia pertenceram aos seus irmãos, todos eles.
Ela usava quatro em cada lado, de baixo para cima ela colocou respectivamente: um do em formato de pêndulos, mais fino na base e um pouco mais grosso à medida que ia para a ponta, dois de ponto e um do tipo manguito, repetindo a mesma ordem na outra orelha. A vermelhidão denunciava que tinha feito os furos ela mesma e que o fez recentemente. Heiko decidiu não comentar, assim como nunca comentou sobre o cordão no pescoço dela.
– Você costumava ser mais comedido e racional. – Alfinetou Frieda.
– Quanta cara de pau! De quem você acha que é a culpa? – Perguntou impaciente.
– Chegamos. – Anunciou ela olhando pela janela, ignorando completamente o que Heiko havia dito.
O garoto suspirou exasperado e se empertigou.
– Escute! – Pediu. – Eu terei que entrar primeiro e resolver algumas pendências, mas isso só vai levar uns minutos. Você pode entrar depois, eu vou te esperar na entrada da cripta.
– Vou esperar um pouco no lugar onde conversamos uma vez, depois eu entro e vou direto para o local designado.
Ele assentiu e deixou a carruagem, ela o seguiu até os bancos perto das doze estátuas e então o deixou ir, ficaria sentada ali.
Muitos minutos se passaram desde que Heiko entrou, mas Frieda não percebeu, isso ocorreu porque para ela, desde a morte de seus irmãos, às vezes o tempo parecia não passar, era como se ele parasse. Ela divagava enquanto encarava a estátua mais ao centro, apesar de parecer concentrada, na verdade Frieda estava levemente atordoada devido a gritaria das vozes em sua cabeça, ela sequer tinha o direito de pensar. Não havia nada em sua expressão que denunciasse a guerra interna que a mulher travava naquele momento, Frieda nem teve o luxo de ficar ansiosa quanto ao que lhe aconteceria ao entrar na cripta. "Acha que vai se tornar uma heroína? Tão ingênua." – Uma das vozes se destacou dentre as demais. " Você sabe que foi culpa sua todo o pelotão ter morrido, né? Não seja descarada." – Vociferou uma após tripudiar. "Que discurso lindo você fez antes de os levar para a morte" – Uma outra gargalhou. "Se não tivessem lhe conhecido ainda poderiam estar todos vivos." – Alguém lastimou. "Por que vocês simplesmente não morre? Seria o maior favor que poderia fazer. – Todas as vozes riram com esse comentário. ''Vai matar o pobre Heiko também?" – Dessa vez era uma voz semelhante a sua.
– Senhorita, por que está chorando? – Indagou uma criança que pareceu surgir do nada, ainda que ela pergunte tal coisa, não estão saindo lágrimas dos olhos de Frieda. As vozes desapareceram por completo.
Frieda seguiu olhando para algum ponto próximo a estátua central, ela reconhecia a voz da menina muito bem. Não precisava olhar o seu rosto para saber como se parecia, ela a tinha visto muitas vezes.
– Porque eu perdi tudo o que eu tinha. – Respondeu sem vontade. – Eu tinha várias asas e voava livre no céu, como você jamais seria capaz de voar, mas um dia arrancaram minhas asas da forma mais brutal, como voarei agora? Não sei ao certo como continuar ainda que sinta que não devo desistir.
A menina ficou encarando-a por alguns segundos em completo silêncio.
– Perdeu tudo, mas você ainda tem a sua vida. – Disse a garotinha.
Frieda levou um tempo para responder.
– Sim... – Falou ela. – Eu ainda tenho a minha vida.
A menina sorriu vitoriosa, parecia feliz por ter vencido em ao menos uma argumentação.
– Agora que eles se foram você já não tem mais perspectivas ou propósitos. – Deduziu a doce criança dando de ombros.
– Não... você está errada. – Respondeu pacientemente. – Eu ainda tenho um objetivo, ainda tenho algo ao que me apegar.
– E o que seria isso? – Inquiriu a criança com curiosidade.
– Eu quero dar fim a essa guerra para que meus irmãos não tenham morrido em vão, quero vingá-los e vingar o meu pai... e... – Ela deixou o fim subentendido, de alguma forma, Frieda sabia que a criança entenderia aquilo que ela não disse.
– Você quer morrer? – Demandou a criança ao compreender.
– Nada me trará mais contentamento. – Respondeu ela. – Isso é aquilo que mais almejo. É tão errado assim querer ir para junto deles no pós vida?
– Não, você não está errada. – Disse a menina fechando os olhos, sua expressão era serena. – Eu te entendo perfeitamente. A verdade é que neste mundo ninguém te entende melhor que eu.
Frieda finalmente olhou para o lugar onde a menina estava, mas ela já não estava lá, talvez nunca tenha estado lá.
– Estava falando com quem? – Pergunta Heiko olhando para todo lado.
– Com alguém que já morreu. – Respondeu sem pensar. – Alguém que morreu a muito tempo. – Divagou.
O garoto não entendeu a resposta, de certa forma ele sentiu que ela falava de maneira abstrata.
– Por que ainda está aí sentada? Já faz muito tempo que você está aí. Fiquei preocupado e vim ver já que não foi para o lugar que combinamos. – Disse ele. – Pensei que estava com pressa para entrar na cripta, me fez correr para te garantir uma chance de tentar fazer algo tão louco e que deixo claro mais uma vez que discordo. – Esclareceu – Consegue imaginar quanta gente o rei e o Inquisidor Klaus tiveram que ameaçar e quantos favores tive que cobrar? Espero que você não tenha vindo tão longe para morrer, eu ficarei pessoalmente decepcionado. A sua sorte é que somos amigos. – Ele pareceu estar se gabando nessa última frase. – E então? Por que ainda está aí? – Retomou sua primeira pergunta.
- É que eu não sei... - Frieda se empertigou. - Ela sempre fazia isso pra mim e como achei que ela sempre estaria aqui acabei não vendo necessidade de aprender. Você também fez isso por mim hoje, além de me ajudar a me vestir e arrumar o meu cabelo, graças a você eu aprendi a fazer um pouco dessas coisas, mas ainda não consigo fazer isso.
- Tá falando do quê? - Perguntou ele.
Frieda olhou então para seus próprios pés e Heiko finalmente entendeu, os cadarços de seu calçado estavam desamarrados. Por um momento ele ficou parado olhando para aqueles cadarços, custava a crer que alguém com tanta idade fosse incapaz de fazer algo tão simples, mas não podia deixar de se recordar do dia em que conversaram como amigos pela primeira vez. Heiko agachou diante dela e passou a fazer um laço com os cadarços em um dos pés dela, ele o fez bem devagar para que ela pudesse ver e aprender.
– É assim que se faz. - O jovem disse docemente. - Agora tente com o outro. - Ele incentivou.
Ela fez sem dificuldade, em instantes o laço estava feito, um pouco desleixado, mas não iria desatar facilmente.
- Era tão fácil... - Constatou. Sua expressão se tornou triste. Sua boca amargava.
– Bom... é melhor irmos logo, se vai passar por isso que seja rápido como quando arrancamos um curativo. – Heiko tentou elevar o clima. – Não posso entrar com você, mas prometo que vou montar guarda na entrada mesmo se o mundo acabar.
Ele ofereceu o mindinho a ela para um juramento infantil, mas assim que ela prendeu seu dedo no dele, o rapaz aproveitou a oportunidade e lhe agarrou a mão e a fez se levantar, não largou sua mão até que chegassem na entrada da cripta da Santa. Frieda podia sentir, ele estava mais nervoso que ela.
– A Santa das flores realmente foi sepultada aí dentro? – Inquiriu Frieda.
– Vai saber. – Respondeu o rapaz. – Eu vi alguns projetos antigos e lá dentro parece ser bem maior do que se imagina. – Informou. – Mas você vai ficar bem. – Ele parecia falar mais para si, tentava se convencer.
– Vou tomar cuidado. – Disse ela, tentava ao menos tranquilizá-lo um pouco.
– Isso é fofo da sua parte, considerando que tudo poderia ser resolvido se você desistisse. – Falou como se fosse óbvio e era. – Me escute, se algo acontecer, mesmo que não seja nada, você vai correr como se a minha vida dependesse disso. – Ele olha fundo em seus olhos heterocromáticos.
– Sua vida? – Indagou, pensou que ele tinha errado.
– Pois é, a minha vida, já que você parece não se preocupar muito com a sua. – Alfinetou.
Frieda inclinou a cabeça e lhe mostrou uma cara que dizia " ah! agora eu entendi".
– Por favor, leve isso a sério. – Pediu preocupado. – Se eu sonhar que você está correndo risco de vida eu vou invadir. Você quer que eu morra?
Frieda balançou a cabeça em negativa.
– Então fuja se vê que vai morrer. – Falou sério. O rapaz parecia uma mãe mandando o filho ir buscar algo em uma localidade perigosa. – Frieda, eu juro pelos deuses que se você morrer...
– Eu já entendi! – Disse a mulher. – Não quero correr o risco de ir para o mesmo lugar que você no pós vida. – Falou passando por ele. – Então não vou morrer.
Heiko sorriu sem perceber.
– Estarei aqui quando você voltar. – Foi a última coisa que Frieda ouviu dele antes de entrar.
❇❇❇
Lá dentro era frio, escuro e úmido, o ar era pesado e na falta de luz não dava para saber para onde estava indo, então só restava a opção de caminhar em linha reta, hora a mulher sentia que estava subindo e então parecia estar descendo, tudo aquilo era capaz de desorientar qualquer um, aquele não era um lugar comum, emanava uma aura tão densa e obscura que parecia até piada de muito mal gosto dizer que era um local sagrado no qual alguém entrava para ser elevado ao grau Santo. Enquanto caminhava, os pensamentos de Frieda tentavam se sobrepor às vozes, ela sabia que ninguém esperava que ela tivesse sucesso, afinal, as pessoas a viram em seu pior estado, era um milagre Klaus também não ter desistido dela.
Após muito tempo de caminhada, Frieda se deparou com uma sala bem ampla, porém escura demais para se saber o quão grande era. Ela tentou tatear as paredes em busca de alguma passagem para seguir caminho, uma vez que o lugar estava totalmente vazio, com exceção de um monumento estranho no centro dele, a coisa era composta com duas colunas altas, o que revelou para Frieda que o teto da sala estava a perder de vista, em cima, ligando uma coluna a outra havia um arco e essa era toda informação que Frieda conseguiu mesmo com sua visão privilegiada.
A mulher mexeu no monumento em todos os lugares possíveis, mas nada aconteceu, então ela voltou para as paredes e recomeçou sua busca por uma passagem, muitas horas se passaram, na verdade... quantas horas se passaram? Não dava para saber, era impossível manter a noção de tempo e espaço naquele lugar, a coisa era tão grave que Frieda foi incapaz de encontrar até mesmo o lugar pelo qual tinha vindo, questionavasse se muitos não haviam se perdido eternamente naquele lugar estranho.
Após um bom tempo se debatendo ela apenas se sentou no chão com as pernas cruzadas e começou a meditar a fim de preservar suas energias, apesar de misteriosamente não sentir sede, nem fome, nem vontade de urinar ou evacuar, também não estava suando ou se sentia suja. Enquanto meditava sabe-se lá por quanto tempo, Frieda sentiu uma presença naquele ambiente, seus sentidos estavam mais apurados agora, seu corpo se forçou a isso uma vez que ela nãos estava vendo, ouvindo, degustando, cheirando nem sentindo nada por um longo tempo, na tentativa de captar algo ela foi forçada a mudar, então no instante em que mais alguém adentrou o recinto a mulher sabia exatamente onde ele ou ela estava imediatamente.
Seja lá quem tinha chegado, não se moveu ou apresentou hostilidade, então Frieda também não se moveu, se passou mais um tanto de horas e nada, ela se sentia observada, analisada de fato, de repente uma luz forte clareou o lugar, tal luz foi capaz de incomodar Frieda ainda que estivesse de olhos fechados. A mulher também não precisou abrir os olhos para saber onde a fonte da luz estava.
– Quem chega depois é que tem que cumprimentar primeiro. – Ela disse ainda sem abrir os olhos.
Ninguém respondeu, no entanto.
– Por quanto tempo ficará quieto? – Frieda insistiu.
– Terá que me perdoar, é a primeira vez que me vejo diante de um mortal sem modos. – Frieda reconheceu a voz de imediato, não a esqueceria ainda que quisesse, a pessoa por trás da luz era ninguém menos que aquela que lhe ajudou quando Heinrich estava prestes a perecer durante sua festa de aniversário.
– Nos encontramos novamente. – Disse Frieda, ignorou a afronta.
– Evidentemente eu sabia que você viria aqui um dia. – Disse a voz. – Mas não veio pelos motivos nobres que... imaginei. – A dona da voz levou alguns segundos para buscar pela palavra. – Contudo, esperava que fosse diferente dos demais e não viesse, criança. No fim, parece que é certo dizer que todos os seres humanos são iguais.
– O que sabe sobre as minhas motivações? – Frieda não estava com medo, ela se colocou de pé e lentamente abriu os olhos, então caminhou para perto do monumento.
A luz era forte, mas de algum modo era possível olhar para ela, sua forma era instável, não dava para dizer se era sólida ou gasosa, ela oscilava entre um azul esverdeado até um tom mais arroxeado. Agora se via que háviam runas sagradas em toda a estenção do monumento, entalhadas só os deuses sabem por quem. A estrutura se assemelhava a um grande portão negro como obsidiana e duas genormes serpentes se enrolavam nas astes, ou colunas, do portão e suas cabeças se encontravam voltadas uma para a outra no topo do monumento, uma serpente tinha olhos verdes e a outra tinha olhos vermelhos.
– Humanos... seres ignorantes, vivem uma busca perseguindo coisas fúteis ou cedem a ganância em busca de mais poder enquanto deixam de lado o que realmente é importante. O que é o homem senão uma raça medíocre que vive a base do ódio? – Dispôs. – Sempre em busca de mais poder, não receberam uma porção boa o suficiente? Por que insistir em beber de uma fonte da qual não foram criados para beber? São incapazes de aprender com sua própria história? Quantos de vocês terão de falhar para que se deem por satisfeitos? Quão arrogantes são? Ou pensa que é diferente dos demais? – Divagou a voz. – De tempos em tempos algum de vocês vem aqui querendo um contrato, com o coração cheio de motivações ambíguas, quantas mentiras nos foram contadas pelos seus lábios de mortais? Eu me lembro... Haviam aqueles com mentiras mais toleráveis, também eram mais obstinados e nos faziam crer que poderiam passar no teste, um teste feito especialmente para um coração humano. – Riu um pouco, havia certa desdém e tom de desafio em sua voz. – Quando foi mesmo a última vez que um de vocês entrou nesse lugar chamado de... santo...(?) Tanto faz! Quem estaria contando? Suas vidas são tão curtas que passam mais rápido que um mísero sopro, qual o sentido em contar anos de uma vivência tão medíocre? – Apesar de ácidas, não havia real interesse em nada daquilo.
– Me avise quando tiver terminado. – Falou Frieda desinteressada quanto ao discurso da divindade diante dela, não havia tom de desrespeito, apenas impaciência.
– Petulante! Tenha em mente que não deixarei passar algo assim, quando menos esperar, a farei lamentar por sua escolha de palavras. – Alertou a voz. Soava suave, não havia desprezo. Falava o óbvio.
Não havia nada, aquele por trás da voz não era alguém que ergueria sua voz por tão pouco e certamente não tinha se ofendido com o que Frieda falou, mas o orgulho e a dignidade de um deus é algo que deveria ser mantido e seres inferiores incapazes de compreender isso seriam punidos. Não era assim que deveria ser? Não era?
– Imponha a mim o teste e eu o cumprirei. – Frieda ignorou completamente a ameaça, ela não estava se importando com possíveis represálias, afinal, que castigo poderia lhe trazer desgraça maior que aquela que ela estava vivendo?
– Antes de lhe atribuir o teste é necessário que escolha a divindade com quem realizará o contrato, a divindade deve decidir aceitar você e só então será testada da maneira que ela achar melhor. – Disse pacientemente, a dona da voz tinha todo tempo do mundo.
Frieda pensou um pouco, porém quanto mais pensava, mais sentia que pensar demais era inútil, pouco importava o deus, desde que ele lhe conferisse poder. Contudo, era melhor que fosse alguém de natureza questionável, alguém que não tentaria impedi-la de agir como achasse melhor.
– Eu desejo firmar contrato com a mais cruel de todas, pouco me importa sua natureza, seu teste ou seu preço, nada disso importa desde que eu possa massacrar o meu inimigo da forma mais voraz e brutal que eu conseguir. – Falou Frieda.
A voz silenciou-se por segundos tão longos que Frieda se perguntou se a divindade tinha ido embora, mas de repente irrompeu uma estrondosa gargalhada preenchendo o ambiente, seu riso era carregado de descontração, o que pegou Frieda de surpresa, ria como quem ri das firulas de um bobo da corte, a divindade não pôde se conter.
– Muito bom! Muito bom! – Falou a voz. – Esta que lhe fala detém duas faces e oferece a cada um aquela mais necessária. Escute humana, no universo não há divindade mais bondosa do que eu, entretanto, não surgiu uma que fosse mais cruel. – Expôs. – Muito bem, eu aceitarei este contrato se você for capaz de passar no teste que ei de lhe atribuir.
– Qual a natureza do teste? – Indagou Frieda.
– Não te apresses, paciência é uma virtude, esse teu corpo é um recipiente forte em termos humanos, mas não é digno do poder que vou lhe conceder, terás de passar por um treinamento orientado por mim em um ambiente que desconheces. Contudo, o treino é severo e você ainda está inapta a passar por ele possuindo o coração que tens e uma mente tão instável.
– O que me falta? – Indagou Frieda.
– Um coração indeciso se estilhaça diante do árduo treinamento. – Expôs a divindade. – Não posso lhe dizer exatamente como se tornar apta, mas permita-me lhe dar uma dica: Quem se atém ao passado de modo algum poderá dar um único passo em direção ao futuro... Tudo começa com um passo, o primeiro passo. O perdão se faz necessário, mas a quem deves perdoar? Deves perdoar aquele que mais lhe feriu, mesmo que o perdoe apenas um pouco já será o bastante. – Disse a voz. – Agora vá e se mostre digna, depois volte para que passe eu te elucide a cerca do seu teste , se passar lhe enviarei então para que seja testada e, se obtiver sucesso, iremos discutir os termos do contrato. Se retornar a mim sem concluir o que lhe mandei, será varrida deste mundo sem sequer ter se vingado, não atreva-se a tentar me enganar. Você saberá quando o tiver concluído e adquirido um coração que não vacila.
A luz se apagou e a voz sumiu, a pressão deixou aquele lugar e Frieda decidiu que era inútil continuar ali, mas quando estava prestes a se virar para sair, notou um brilho sutil que vinha do local onde a massa de luz brilhava, havia um cordão negro com uma pequena perola roxa presa a ele. Frieda o apanhou e pôs em um de seus bolsos, deduziu que aquilo poderia sinalizar para ela, de alguma forma, que havia concluído a primeira fase, assim que o fez a luz do dia lhe mostrou onde estava o lugar que tinha usado para chegar ali, ela caminhou para fora e milagrosamente o caminho foi curto, tão curto que ela literalmente entrou onde deveria haver o corredor e se viu do lado de fora, mas não havia luz do dia, já era noite e Heiko havia adormecido em pé. Por quantas horas ela ficou lá dentro? – Frieda se questionou mentalmente.
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