Capítulo LVI
A vida é algo tão efêmero e a guerra é algo tão imprevisível, em apenas um momento até mesmo os mais fortes soldados podem simplesmente ser vencidos pela morte dentro de instantes. O pior de tudo é que não há lugar para o luto no campo de batalha, qualquer soldado ou guerreiro sabe disso, ainda assim, como ignorar e seguir em frente quando seu estimado irmão pereceu diante de seus olhos? Ralf urrou de dor diante da situação, como se parte de si tivesse sido arrancada, mas teve que cerrar os dentes e aguentar, teve que se conter em prol daqueles que ainda viviam, um a um ele viu os corpos de seus companheiros de guerra caído ao chão, sua estamina já estava no limite e seus sentidos lhe traíam, em sua última investida recebera um contra ataque violento, seu corpo cobrava o preço. Onde estaria Erna agora? Ele provavelmente se perguntava, a presença dela era aquilo que os permitia avançar sem medo, uma vez que os curava quantas vezes fossem necessárias. Com um dos seus braços arrancados e tendo perdido muito sangue ele se manteve consciente, graças a resistência natural de um desperto, de joelhos ele encarava as costas de Frieda, que tinha se colocado entre ele e o Haidu para defendê-lo.
- Recue! - Ordenou a capitã, mesmo sabendo que era um esforço inútil.
Ralf sorriu sem humor, a dor era tanta que seu cérebro tentava anestesiá-lo.
- Vou te dar uma abertura, você deve voltar pela floresta e avisar aos demais que precisamos de reforços. - Disse ela, seus olhos fixos na criatura que ainda brincava com alguns sobreviventes. Seu rosto trazia a feição de alguém entre o desespero e a fase de negação.
- Mande alguém em melhores condições. - Pediu ele.
- Eu estou mandando vo... - Ela já estava pronta para responder, mas ele a interrompe.
- Sabe que não vou resistir até chegar lá. - Entregou a ela um pouco de realismo. - Minha única chance seria o milagre de Erna aparecer aqui agora, mas dada as circunstâncias em que estamos eu espero que ela não se junte a nós nessa batalha.
- Ralf! - Ela não queria aceitar aquele fato doloroso. - Você tem que recuar, se ficar aqui morrerá...
As palavras amargam em sua boca.
- Não irei recuar. - Respondeu resoluto após olhar para o céu.
- Você vai! - Disse ela, suas palavras soavam autoritárias.
- Não faça isso comigo! - Ele levantou a voz. - O ferimento é fatal, não sou burro. - Disse o homem. - Não me deixe morrer como um inútil. - Era quase uma súplica, seu olhos lacrimejaram com as palavras e ele lamentou por saber que partiria sem poder dar a ela todo o amor que havia guardado para o dia em que voltassem para casa. Quanto arrependimento sentia. - Eu irei permanecer ao seu lado até o meu fim. - Expôs com firmeza. - Eu irei... - Estava se sentindo tonto. - Não me negue isso. - Pediu.
Frieda se manteve em silêncio. Sua oração que lhe garantia mobilidade fora do comum estava ativa e ainda assim não conseguia fazer muita coisa, várias de suas costelas estavam quebradas, orgãos internos avariados, ela estava encurralada. Ainda assim, avançou contra o Haidu brandindo sua Guan dao, golpeando com tudo de si, entoando oração atrás de oração, queimando cada gota de sua estamina, uma investida embebida em uma dor descomunal, uma dor que ia além da que sentia em seu corpo surrado. Ralf se colocou de pé e caminhou cambaleante para onde estava Hans.
- Use aquilo, vou protegê-lo com o tempo que me resta. - Assumiu a postura defensiva segurando sua lança com a mão que lhe restou.
- Mas Frieda... - Dizia Hansel, seu espirito vacilava diante do destino de seu irmão Ralf.
- Ela não vai lhe pedir, certamente espera que poupe suas energias para usar na fuga. - Elucidou.
- Então vamos fugir? - Inquiriu Hans, mas Ralf não respondeu e isso por si já era uma resposta. - Ela vai se sacrificar para que nós fujamos, é isso?
- Nós a conhecemos melhor que ninguém. - Disse Ralf. - Não sou contra a ideia de eu ficar para que vocês fujam, mas não sacrificarei a Frieda também.
Silêncio.
- Nenhum de nós concordaria com isso. - Respondeu Hansel por fim.
Hans assumiu a postura a fim de usar sua habilidade.
- Gastei estamina com outras orações, espero que ao menos consiga machucar aquela coisa o bastante para recuarmos. - Disse Hans.
Vendo o que Hansel ia fazer, Johann rapidamente foi para junto dele a fim de ajudar Ralf a fazer a proteção.
- Não esqueça que se exaurir vai te matar e que ninguém aqui vai ficar satisfeito com isso. - Exortou Johann.
- Deixarei o suficiente para me manter vivo. - Garantiu Hans. – Acho que nem mesmo aquela coisa vai resistir a um golpe como esse se eu acertar.
Leon, Leona e Frieda perceberam o que os outros estavam fazendo e concentraram suas forças em garantir o acerto, eles se empenharam em bater e correr a fim de não levar nenhum golpe fatal, Leona e Frieda entoavam orações a todo momento para que o Haidu não focasse a energia sendo reunida em outro lugar, Leon usava orações de barreira para cobrir suas irmãs que eram mais rápidas que ele. Quando o círculo sagrado brilhou sobre os pés de Azanirug, a criatura bem que tentou sair de seu raio, mas os soldados que ainda viviam sacrificaram suas vidas para que ele não tivesse sucesso, em algum momento Johann partiu para as linhas de frente a fim de segurar a criatura na força bruta, o inimigo estava sendo contido, não havia com o que se preocupar. Foi quando o círculo sagrado desapareceu, Azanirug lançou todos aqueles insetos irritantes para longe manipulando heilig de atributo vento, e Frieda olhou para onde estava Hansel.
O corpo de Hansel estava de pé, mas sua cabeça rolava pelo chão, o reflexo da cena poderia ser visto nos olhos heterocromáticos de Frieda, o mundo parecia girar em câmera lenta ao seu redor, uma gota se desprendeu da nuvem e caiu na poça de sangue produzindo um som que Frieda podia jurar que ouviu. Não há reação, o que acabara de acontecer? A mulher não teve tempo de perguntar e nem de analisar a criatura parada ao lado do corpo de Hansel que ainda cedia, sim, uma nova criatura havia deixado a fenda que ainda estava aberta e ela não estava sozinha. Uma outra criatura avançava em velocidade na direção de Frieda, ela esquivou e bloqueou o ataque graças ao Mergulho do Falcão peregrino, entretanto, haviam outras cinco pessoas junto dela, quatro eram soldados que conheceu no dia em que a guerra começou, mas um era ninguém menos que Leon.
Pobre Leon, foi atravessado por estacas de pedra, o Haidu usou heilig do atributo terra para atacá-los, ele bloqueou alguns, mas não foi capaz de escapar após ter consumido tanto heilig na luta anterior. Lágrimas escorriam de sua face em um choro sentido, mas ele não chorava por estar frente a morte, Frieda seguiu seu olhar e encontrou a imagem de Leona tendo metade de seu corpo devorada por um quinto Haidu que também deixou a brecha. " Eu... Eu... Eu não quero morrer... Eu ainda... não quero morrer." foram as palavras que ela deixou para trás, a metade não ingerida foi arremessada para um lugar aleatório e as pupilas de Frieda acompanharam até que se chocasse contra uma árvore e caisse no chão. Nesse momento, Frieda buscou por Johann, ela precisava salvar ao menos ele, aquele era seu último dia na guerra e na Ordem, ele precisava voltar para Ada e Anelie, mas o destino riu em sua face, como pôde pensar por um segundo que algo sairia como desejava? Uma sexta criatura o desmembrava tal qual uma criança separando as partes de um boneco e parecia contente com isso. Ao olhar em volta, Frieda era tudo que restava naquele campo abominável no qual florescem somente flores sangrentas banhadas com desespero.
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O que você espera de momentos assim?
Talvez já tenha ouvido sobre pessoas que passaram por algo semelhante, através dos bardos e trovadores. Nessas histórias o herói geralmente desperta um poder maior, é dominado pela ira e forçado a evoluir pela dor imediata, mas saiba que a realidade funciona de várias formas diferentes e que uma situação como essa dificilmente ocorreria na realidade de Frieda.
Ao ver os corpos daqueles que ela chamava de família caindo um a um, Frieda não despertou um poder descomunal, não se tornou um berserk ou pensou em vender sua alma para alguma entidade a fim de conseguir mais poder, ela não evoluiu repentinamente ou extraiu ao máximo o poder que possuía... Frieda caiu no completo desespero. O urro grotesco projetado da sua garganta era semelhante ao de um animal sem esperança diante do abate, sua visão procurava algo que lhe fizesse acreditar que alguém ainda estaria vivo, sua cabeça balançava em todas as direções de forma desordenada e confusa, ela estava enlouquecendo e os Haidu admiravam a beleza daquilo. A garota já não se incomodava com a dor física, sequer parecia senti-la, ela segurou sua Guan dao e avançou sobre o inimigo de forma desengonçada, desprovida de postura. Frieda balançava a arma e Azanirug mal precisava desviar dos poucos golpes que ela chegou perto de acertar, as criaturas riam alto em sua maioria e escarneciam dela, se banqueteavam na sua dor e insanidade. O rosto da menina se contorcia em agonia, lágrimas molhavam o seu rosto como em cascata, seus dentes hora serraram hora se abriam para mais um grito, suas cordas vocais se romperam em algum momento, mas tentativas roucas e falhas de gritos continuaram a se projetar de sua garganta, a garota se sentia tão angustiada que queria rasgar a própria pele.
Frieda seguiu balançando sua arma e recebendo golpes vez por outra, até que a raça superior se cansou de seu bobo da corte e decidiu desferir o golpe final. A criatura uniu as garras até se assemelhar a uma ponta de lança e então acertou na região do estômago da garota, atravessando-a, abrindo um buraco oco que logo começou a verter sangue como água que mina de uma nascente. O corpo exausto e arrasado de Frieda cedeu e caiu ao chão totalmente inerte, seus olhos abertos variaram entre a nitidez e o turvo, ela viu, impotente, quando as criaturas viraram-lhe as costas e começaram a conversar entre si.
- Temos que voltar. - Disse um. - Tudo isso porque você demorou demais e tivemos que intervir.
- Não esperava encontrar humanos tão bons e divertidos. - Respondeu Contenda. - Em pensar que haveriam alguns capazes de evitar morrer após um golpe. Parece que tinham mais a oferecer que sua carne e sua arte, Wilderer. Além disso, não me culpe tanto, Engano.
- Porque menciona um inseto de uma casta tão baixa? - Um disse incomodado. - Além disso, vamos parar de falar nessa linguagem humana asquerosa.
- Você reclama demais, Ciúme. - Rebateu.
As seis criaturas repugnantes debatiam.
- Não temos tempo para isso agora, aqueles vermes não perdem uma oportunidade de nos provocar. - Argumentou uma das Irmãs. - Vamos ensinar a eles de uma vez por todas quem é o dono daquele mundo. - Acrescentou indo em direção a brecha outra vez. - Nossa sétima irmã nos espera.
Dito isso, ela foi a primeira a entrar na brecha, seguido das demais. A fenda não se fechou dessa vez e mais tarde seria vigiada pelo que restou dos soldados humanos.
O corpo de Frieda esfriava aos poucos e lentamente começava a formigar e o formigamento se espalhava desde as extremidades até o centro. Ela lamentava morrer daquela forma, queria viver e fazê-los pagar, não deixava de se sentir... Patética.
Devido a calma concedida pela morte, Frieda finalmente conseguia pensar, ela não conseguia deixar de conceber o quanto aquilo tudo era injusto, eles haviam treinado duro a vida toda e ainda assim não foi suficiente, ninguém os recompensou. Foram até lá para se vingar, mas tudo que obtiveram foi uma realidade na qual acabaram sendo esmagados como insetos. Depois de tudo o que passaram, não eram fortes o suficiente? Não eram inteligentes o suficiente? Não eram abençoados o suficiente?... Abençoados...? É claro que não, sua vida tinha se tornado tão boa que havia se esquecido de uma premissa tão simples, a verdade de que ela era antes de tudo alguém amaldiçoado, alguém destinado a ter e a perder tudo. Frieda quis rir de sua própria miséria, mas sua visão aos poucos a traiu e a lançou na escuridão, mas antes de cair no reino do esquecimento ela pensou ter ouvido a voz e Erna bem distante, e então ela pensou em sua preciosa irmã.
- Pobre Erna! Eu lamento que tenha que seguir vivendo nesse mundo sem nós, eu lamento profundamente sequer estar lá com você para dividir o pesado fardo que é ser o único que sobreviveu. - Ela arfava. - Oh deuses!? Tem alguém aí? Pode ser qualquer um. Eu já não exterminei Haidu o suficiente? Não fiz sacrifícios o suficiente? Não os cultivei o suficiente? Então ao menos dessa vez, só dessa vez, escutem o meu chamado, ouçam a minha voz que clama do limiar dos mortos: Protejam o que me restou! Cuidem da minha preciosa irmã! Para tal estou disposta a lhes entregar o meu destino a partir de agora e abrir mão da oportunidade de renascer ou de ir para um lugar bom. Óh Tod! Deus da morte e das coisas funestas, leva aos demais deuses a minha causa, óh Ismar! Soberana dos deuses, atende ao pedido de sua serva. - Disse ela entre suspiros sofridos e tentativa de manter o ar em seus pulmões, sua voz quase não existia, soava tão baixa que a mulher podia jurar que havia apenas pensado em vez de verbalizar.
Nesse momento, Frieda ouviu Erna chamar por seu nome, havia muita dor em sua voz.
- Não chore Erna! Por favor, não chore. - Disse docemente com o que sobrou de sua força. Já não podia ver nada, nem mexer nada, nem ouvir nada agora. - Vai ficar tudo bem. - Suas últimas palavras estavam carregadas de gentileza e amor.
De repente tudo ficou claro, estava claro até demais, mas a luz reduziu aos poucos e Frieda pôde identificar onde estava. A neve cobria todo o lugar, mas ela não sentia frio, então a mulher ouviu uma voz a chamar e seu olhar, que antes fitava o chão, se elevou para olhar aquele que a chamava. Felix estava sorridente como sempre, ele agacha no chão e faz uma bola de nova, em seguida arremessa na direção dela, a menina fecha os olhos e ao abri-los é a versão infantil de seu irmão quem está em sua frente. Outra bola de neve lhe acerta e dessa vez é Ralf quem ela encontra, exatamente como ele costumava a ser após Heinrich ter o adotado, ela faz uma bola de neve para revidar, mas antes que possa arremessar a bola Ralf é atingido pelo projetil gelado de outra pessoa, Hansel sorri com seu feito, Frieda atira sua bola nele e Leon e Leona atiram uma bola cada um nela, ela esquiva de uma e é atingida pela outra, Johann surge para acertar Leona, porém ela se esconde atrás de Leon e o usa como escudo. As crianças brincam de atirar bolas umas nas outras pelo que parecem horas, ainda assim o tempo não passa no lugar onde estão, o riso alto preenche o lugar que um dia foi silencioso e quando a diversão parecia não poder ficar melhor Frieda nota a presença de uma nova criança, ela a reconheceria em qualquer lugar.
- Erna! - Frieda chama seu nome a plenos pulmões, está sorridente, a criança mais feliz do mundo. Ela corre na direção da irmã com uma expressão que jamais demonstrou em vida. - O que faz parada aí? Vamos brincar! O papai vai nos chamar para comer logo logo. - Disse ao se aproximar
A figura infantil de Erna encara Frieda com profunda tristeza, é como se seu espírito estivesse mergulhado em abundante melancolia. Frieda estranha o silêncio de sua doce irmã.
- Erna... - A menina temia ter dito algo que deixou Erna chateada de novo.
- Você precisa voltar. - Disse Erna finalmente.
Frieda inclinou um pouco a cabeça, não conseguia compreender a menina.
- Do que você está falando? - Perguntou com um meio sorriso. - Bateu a cabeça em algum lugar? - Riu de seu próprio comentário. - Venha! Os outros estão esperando por nós. - Ela agarrou o pulso de Erna, mas a menina se desvencilhou dela. - O que há de errado? Você está bem? - Perguntou preocupada.
Lágrimas começaram a escorrer do rosto de Erna, primeiro eram gotas tímidas, mas logo deu lugar ao lamento de uma criança inconsolável.
- Eu lamento muito. - Erna falou. - Me desculpa! Eu não sabia que você estava tão feliz aqui. Se eu soubesse...
- Erna... - Murmurou Frieda, não sabia o que estava havendo.
- Você fez bem, Erna. - Disse Ralf, ele surgiu ao lado de Frieda.
- Do que está falando, temos que falar ao papai que Erna está doente. - Frieda falou.
- O seu lugar não é aqui. - Leon falou docemente, ele também havia se aproximado e não estava sozinho, os demais estavam alí.
Felix desviou o olhar, encarava o chão, mas Leona o cutucou e ele voltou a olhar para Frieda lhe mostrando um largo sorriso. Johann deu um passo à frente e estendeu a mão para Erna, Frieda apenas pôde assistir enquanto sua irmã passava por ela indo na direção de Johann e os demais. Hansel abriu a boca para falar, mas voltou a fechar, seus olhos se tornaram marejados. Então um rapaz abriu caminho entre os irmãos de Frieda e se aproximou da menina, ele era mais alto que ela, o garoto gentilmente colocou a mão no topo da cabeça dela e afagou seu cabelo, outras seis crianças surgiram ao lado de Hansel, Leon, Erna, Leona, Felix, Johann e Ralf, uma delas, uma menina, entregou o bebê em seus braços para que Ralf segurasse. O rapaz cuja a mão acariciava o cabeça de Frieda era ninguém menos que seu irmão mais velho, ele a olhava com ternura, o mesmo amor fraternal que sempre demonstrou mesmo naquela vida terrível.
Ela o reconhecia, a imagem de seu irmão mais velho se arrastando no chão e se colocando sobre ela e o bebê como um escudo para protegê-los era vivida. A cena dos seus outros irmãos tentando chegar até ela e o bebê para fazer o mesmo, era fresca em sua mente, sim, Frieda tinha consciência de que não sobreviveu aquele dia por pura sorte ou pela ajuda dos deuses, o suor, as lágrimas, o sangue, o esforço e acima de tudo o amor de seus irmãos foi o que a salvaram. Por que outro motivo eles teriam enfrentado seus progenitores? Eles podiam ter tentado fugir. A garota se lembrava agora, uma memória dolorosa demais para ser relembrada, algo que ela empurrou para o fundo do seu ser afim de esquecer, ela era a mais fraca dos irmãos, impossivel de carregar por ser mais pesada que o bebê, a mais nova, e por isso não seria capaz de correr por sua vida, seus irmãos teriam de abandoná-la e a menina sabia disso, mas eles não fizeram, zelaram por ela até seus últimos momentos, a amaram até seus últimos momentos. E é por isso que ela sentia tanta culpa, por saber que quem extinguiu as chances de sobrevivência deles foi ela. Frieda o encarou, quis chorar mais não conseguiu e em um momento ela já não era mais sua versão infantil, era uma adulta, diferente dos demais, alguém que já não pertencia aquele lugar, então ela olhou para um ponto além de seu sorridente e caloroso irmão mais velho e pôde ver a pessoa que mais queria encontrar naquele momento.
Heinrich estava sozinho, ele a observava de longe com um olhar que misturava saudade, amor e tristeza, uma nevasca se iniciava e a ventania agitava seus cabelos grisalhos, Frieda tentou ir até ele, mas era como se seus pés estivessem presos ao chão, então em uma lufada mais forte de ar e neve veio e, num piscar de olhos, ele desapareceu. A menina começou a entrar em desespero, olhava para todos os lados o procurando, mas ele já não estava lá, então olhou para onde seus irmãos estavam, porém algo os havia afastado bons metros dela, a mulher tentou ir até eles, porém eles não tentaram fazer o mesmo. Em uma última tentativa Frieda estendeu a mão... mas nenhum deles a agarrou dessa vez, em agonia ela viu seus irmãos sumirem na tempestade e tudo foi engolido pela escuridão. Nesse momento a mulher ouvi uma voz amável ecoar naquele vazio sem fim e lhe dizer: "Eu fui muito feliz, obrigada... Frieda.".
A mulher caminhou por aquele campo frio e sombrio, coberto de sangue, a imagem de desolação que se abriu diante dos seus olhos ao chegar certamente a afetaram, em meio aos corpos, Erna pareceu saber exatamente onde encontrar Frieda, e diante do corpo arrasado, ela sentiu a dor e o limite da tristeza. Nesse momento, memórias vieram até ela, elas traziam parte de uma conversa tida no passado: "Ei Frieda, como sabia onde eu estava?" – Ela perguntava a sua irmã. – Eu apenas sinto que sempre vou te encontrar não importa onde. –Foi o que Frieda lhe respondeu".
– Era assim que você me encontrava? – As palavras sairam amargas, repletas de sofrimento e angustia.
Frieda não saberia, mas enquanto tudo aquilo lhe acontecia, havia alguém ao lado do seu corpo dando tudo de si para trazê-la de volta, ela tinha percebido inteligentemente que havia desleixo e furos demais nas ações do inimigo e por isso retornou as pressas ao seu posto apenas para encontrar todos os seus irmãos mortos. Erna chorava em luto pelos seus irmãos e estava usando seu último recurso para fazer aquilo que qualquer um deles faria em seu lugar.
– Você aceitaria desistir agora? – Erna indaga ao corpo inerte de Frieda em meio ao choro. – Eu dúvido, conhecendo-a só posso pensar que ainda estaria pensando em se vingar enquanto morria. – Disse a mulher ao forçar um riso que apenas evidenciou sua expressão de dor. – Ainda não acabou. Então para que você ainda possa lutar eu devo me sacrificar, dentre nós você certamente é aquela capaz de vingar-nos.
Erna remove seu brinco, o presente que a ligava a seus irmãos, aquele que fora um presente dado por aquele que para ela foi um pai, então a mulher deposita o objeto na mão da irmã, se põe de pé, se afasta um pouco e coloca uma palma contra a outra, uma voltada para cima e outra para baixo, era chegada a hora de usar aquilo que aprendeu na área proibida da biblioteca da Catedral de Kamelie.
– Espero poder tocar guqin contigo outra vez, Felix certamente soprará seu di-zi para nos acompanhar e Leon se juntará a Leona para dançar, talvez Ralf e Hansel cantem um pouco e Johann nos alegre batendo palmas. Tio Heinrich certamente estará lá para afagar nossos cabelos e nos elogiar. – Erna despeja as palavras no ar enquanto prepara seu espírito que já sente saudades. – Mas não se apresse em vir para junto de nós. – Pediu. – Eu não queria ter que ir, se eu partir agora quem lhe protegerá desse mundo? – Erna pensava. Lágrimas escorriam de seus olhos, ela tentava segurar o choro e mordeu o lábio inferior para tal.
A mulher sacrificaria toda sua estamina em uma oração estendida com soma de autoridade divina, uma vez que foi incapaz de alcançar o grau Heiliger ela certamente morreria, não, é provavel que ainda que tivesse se elevado a esse grau ela ainda morreria devido a complexidade e o preço exigido naquela oração.
- Ni nagi alzo xo, alzo metuno, alzo nevalu, iso erã nagi puri ulon onan kipo xo. - Erna deu início a oração, depositando toda a sua fé. - Ni nagi xo ni hild xu ni hild bealf uni mak vazur, ni nagi xadur av suee, mitai ule kipo gongtoin un azur. - O circulo sagrado brilha sob seus pés e um outro se acende abaixo de Frieda, a mulher sente seu corpo formigar, mas não sente dor. A imagem da deusa Ermiran surge formada por água detras dela, uma forma com pouco mais de dois metros de altura, cabelos ondulados e chifres de carneiro enrolados nas laterais da cabeça, vestia uma calça folgada e uma camisa aberta que cobria os seios, mas deixavam a barriga esposta, uma fita flutuava ao redor de seu corpo e uma lâmina curta estava em sua mão direita. - Ni nagi xo ibi fan. Peg ni aburitana uni mercala uni nagi, Ermiran, Imecula ni nagi av gongtobi irgo aven nano reu oden. - Prosseguiu, ela hesita um pouco e dá uma ultima olhada para a face de usa amada irmã. - Ivolun uni servab: Ceda Luitseleno. - Finaliza a oração. A imagem da deusa se desfaz e se choca nas costas de quem a invocou ali e entra em seu corpo fazendo Erna sangrar pelos ouvidos, boca e nariz.
Em tradução ela disse algo como: A água tudo é, tudo contém, tudo forma, eu sou água assim como você também é. A água é a vida e a vida transborda do vaso excelente, a água leva para longe, mas ela também trás de volta. A água é um ciclo. Sob a autoridade da deusa da água, Ermiran, invoco água para devolver o que me foi tirado. Sacrifício do Altruísta: Berço celestial.
Ao proferir sua última frase e após receber o impacto da imagem da deusa em suas costas, Erna começa a se desfazer em gotículas de água e a água serpenteia no ar até o corpo desacordado de Frieda, ela envolve o corpo da mulher e é absorvido pela pele, momentos antes de seu corpo de desfazer por completo, Erna deixa para trás suas últimas palavras em vida, na esperança de que alcance sua irmã de alguma forma.
- Eu fui muito feliz, obrigada... Frieda.
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Desde já gostaria de dizer que eu não tive nada a ver com isso.
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