Capítulo LIII
A missão ainda não tinha se completado, as chances de algum Haidu estar à espreita não era nula, principalmente se tratando de um lugar relativamente próximo à fronteira e onde já estavam começando a erigir um posto avançado. Hans usou do conhecimento que tinha em primeiros socorros para tratar dos ferimentos de Ignaz, aquele em pior estado dentre eles, depois eles subiram nos cavalos e saíram a procura do povo daquela terra. O grupo encontrou aquelas pessoas vagando em direção a capital de Hortensie, seguindo obedientemente as orientações de Ignaz , mas de forma mecânica e estranha, tal qual gado sendo pastoreado, sem ânimo, sem vontade, sem desejos ou perspectiva, levados como folhas ao vento. As crianças sobreviventes não choravam ou reclamavam do quanto andaram e o quanto teriam que caminhar, os idosos também se esforçavam ao limite da exaustão, vez por outra caíam e levantavam de imediato, como se temessem ofender alguém só por esse fato, Frieda viu na face daquele povo um terror que ela conhecia bem e um sentimento angustiante começou a se revirar em seu estômago.
– Preciso fazer uma pausa. – Disse ao voltar para a frente da marcha, trotava sobre seu cavalo. – Acho que gastei estamina demais naquela luta. – Mentiu.
– Estou vigiando a frente e Hans a retaguarda, te coloquei na posição de ir e voltar devido ao fato de que você age rápido e logo responderia se fossemos atacados, mas também lhe coloquei nessa função devido a sua capacidade de análise e bom julgamento. – Externou Ignaz. Ele desviou seu olhar de Frieda e focou sua atenção nas coisas à sua frente. – Não precisa mentir, sei que precisamos nos afastar de Busch o mais rápido possível, entretanto não sou um demônio, entendo que o povo precisa descansar, apenas apresente o relatório e me informe sobre o que eles precisam.
Frieda tinha visto todo tipo de ser humano durante esses seus anos de vida nesta terra, conheceu do mais vil e cruel até o mais gentil e caridoso, contudo, não podia deixar de desconfiar de cada ação humana e julgá-los "culpados até que se prove o contrário", Ignaz estava provando ser aquilo que chamam de humano decente, mas ela ainda não confiaria nele, apenas lhe daria o benefício da dúvida.
– O povo precisa descansar, já vejo idosos começando a cair e pais cansados tendo que carregar as crianças que já não podem andar. – Informou Frieda. – A julgar pelo o quão traumatizado estão, não vão pedir que façamos uma pausa, nem vão reclamar, certamente por temer que percamos a paciência e os abandonemos.
– Compreendo. – Ponderou Ignaz, ele freou a cavalgada. – Volte e diga ao Hansel que faremos uma pausa, as ordens são as de que mantenham a guarda alta e a atenção redobrada, ainda não estamos a salvo.
– Assim farei. – Frieda já começara a cumprir com o que lhe foi atribuído, mas parou após seu cavalo dar alguns passos. – Eu vou e volto, há algo que tenho que discutir com você, Hansel já sabe e concorda.
Ignaz assentiu.
A garota fez segundo o que havia dito, ela foi e informou a Hans que descansariam ali, então voltou espalhando a informação para as demais pessoas, que sequer tinham ousado questionar o motivo para terem parado de repente. O trio se desdobrou para ajudar as pessoas a se acomodarem, Frieda chamou alguns mais jovens que ainda conseguiam se mover e saiu em busca de água e algo para comer, retornando duas horas depois, a noite já se fazia presente, alguns se voluntariaram para ficar de sentinela, trocando a guarda a cada três horas, para que todos pudessem descansar, mesmo que só um pouco. Após a designação dos sentinelas, Frieda se aproximou de Ignaz para enfim terem uma conversa.
– Não vamos levá-los para a capital de Hortensie. – Disparou Frieda sem rodeios. Obviamente Ignaz se incomodou com a notícia, até porque não parecia que ela estava pedindo uma opinião e sim apenas informando sobre o que iria fazer.
– Poderia me fazer entender? – Inquiriu o homem, preferiu não tirar conclusões precipitadas, ouvira sobre a má fama da garota, a fama de falar as coisas com pouco ou nenhum filtro, de ordenar aquilo que acha melhor sem levar em conta a posição hierárquica, mas preferiu deixar o preconceito de lado, quis crer que a pessoa que se preocupou com as dificuldades daquelas pessoas horas atrás não estava sugerindo que os abandonassem. – As nossas ordens foram...
– As nossas ordens foram para investigar e lidar com a ameaça caso ela existisse. – Esclareceu Frieda. – Não temos ordens de levar refugiados para a capital de Hortensie.
Ignaz não podia crer no que estava ouvindo, ele já estava pronto para dizer algumas coisas para a garota a sua frente, mas parou ao ouvir um alto e pesado suspiro.
– Perdoe a minha irmã. – Hans pediu cortez. – Ela tem o péssimo hábito de ser demasiadamente sucinta, acredito que seja culpa nossa, seus familiares, nós nos acostumamos a esse jeito dela e por convivência acabamos adquirindo a habilidade de saber sobre o que ela está falando e suas intenções, mas é claro que as demais pessoas não vão compreendê-la.
– Eu disse algo errado? – Indagou Frieda, estava confusa, não entendia o motivo para seu irmão estar se desculpando, aquela era uma cena recorrente.
– Você acabou de dizer ao Ignaz que vai abandonar essas pessoas. – Respondeu Hans.
– Eu não disse isso. – Frieda se empertigou.
– Pois é... – Hans deixou para ela o papel de encontrar como é que o que ela disse acabou soando desse jeito, Erna os havia orientado a não dar todas as respostas a Frieda, ela precisava exercitar as habilidades de convívio em sociedade, não haviam garantias de que eles estariam sempre por perto para desfazer maus entendidos. Frieda ponderou sua fala.
– Vou esclarecer. – Disse ela. – Não podemos levar essas pessoas para a capital, não haverá benefício algum em fazer isso, na verdade, as coisas só ficarão piores. – Expôs ela. – Levar tantos refugiados, sem moradia os esperando, sem empregos nos quais possam trabalhar para se manter, sem dinheiro ou outros bens, só vai lhes atribuir mais sofrimento, sem contar que injetar tantas pessoas nessas condições na cidade pode arruinar sua economia e eles já não serão os únicos a sofrer, a população local também irá. A quem acha que o povo na capital vai culpar? – Perguntou em retórica – Exatamente, vão culpar os refugiados, eles serão perseguidos. É claro que a nobreza quase não será afetada, mas não são apenas os ricos e nobres que vivem na capital de Hortensie.
– Eu entendo o seu ponto de vista. – Comentou Ignaz. – Contudo não podemos simplesmente abandoná-los em benefício da maioria. – Argumentou.
– E quem falou em abandoná-los? – Questionou a garota. – Planejei tudo nas últimas horas. – Informou. – Após analisar o mapa e pensar um pouco, encontrei uma opção que a condessa de Hortensie não poderá recusar. – Disse ela. – Nós vamos escoltar o povo para os pés de uma montanha a oeste da capital, o lugar tem solo bom e uma excelente fonte de água, além disso fica mais próximo daqui que a capital, o que reduz os riscos de perdas no caminho.
– Não será fácil estabelecer tanta gente em um novo lugar, eles terão que começar do zero. – Comentou o homem.
– Também pensei sobre isso. – Falou Frieda. – Enviarei três mensagens no caminho para lá, uma para a condessa e a outra para uma certa guilda. Eles firmarão contrato e irão trabalhar juntos no estabelecimento dessas pessoas.
– Como tem tanta certeza de que a condessa lhe dará ouvidos? – Perguntou Ignaz.
– Não há motivos para ela não fazer isso, estou lhe dando um jeito de conter a crise, ela ainda ganhará um novo polo com potencial de crescimento, contudo, ainda que ela planeje fazer vista grossa e fingir que nada aconteceu, não terá essa opção. – Informou ela. – Eu não lhe disse que enviaria três mensagens? A terceira mensagem irá para o príncipe herdeiro, ela será entregue através de um contato meu na capital real, ouvi dizer que o príncipe tem todos os nobres na rédea curta, além disso, ele está fazendo tudo o que pode para acumular ainda mais o amor do povo, o que vende mais que a história de um herói altruísta? Estou dando a ele um presente perfeito, ele não vai deixar passar a oportunidade.
– Você é uma figura bem assustadora, tem planos de se tornar a rainha deste reino ou algo assim? – Comentou com um sorriso ambíguo.
– Não tenho interesse em coisas como essa. – Respondeu ela meneando a cabeça e gesticulando com as mãos, como se tentasse afastar o presságio.
– Não estou brincando quando digo que você poderia se tornar alguma coisa se desejasse tomar o caminho da política. – Argumentou. – Bem... o seu plano ainda depende de outro fator, a guilda em questão tem que aceitar se envolver.
– Convencer o tio Benno não vai ser difícil, aquela raposa sente o cheiro do lucro futuro de longe. – Falou ela.
– Benno? Fala de Benno, o urso? O lider da guilda Stachel? – Ignaz estava chocado. – E como assim "tio Benno"? – Ele respirou fundo e desistiu de pensar. – Vocês não cansa de surpreender, primeiro chama a atenção de um Inquisidor e muitos outros figurões, é sobrinha de um nome conhecido em todo o reino, tem a audácia de negociar com a condessa de Hortensie e ainda vai tentar jogar com o príncipe herdeiro. De onde foi que você saiu? Foi de alguma história de fantasia por acaso?
– Você é bem estranho. – Respondeu Frieda sem qualquer emoção.
– Ser chamado de estranho logo por você me fere profundamente. – Rebateu ele.
– De qualquer forma é isso que vamos fazer. – Hans retomou a conversa. – A nova posição para a qual vamos levar o povo será desconhecida para os Haidu, isso vai diminuir as chances de um novo ataque tão cedo, eles poderiam se aproveitar uma vez que essa gente ainda está frágil, além disso essas pessoas terão a chance de se recuperar do trauma e recomeçar em um novo lar. Contudo, é como lhe disse Frieda, você deu luz a esse plano, não poderá deixar para outra pessoa, terá que assumir a responsabilidade até o fim. – Enfatizou. – Levá-los para a capital e deixar a condessa lidar com o problema ainda é uma opção, mas concordo com você e tenho certeza que os outros também ajudarão.
– Agora que ouvi tudo, também não tenho objeções. – Falou Ignaz. – O meu relatório só aumenta. – Lamentou. Ele olhou então para um lugar aleatório e seu olhar encontrou uma mãe ajeitando o bebê nos braços enquanto seu outro filho a cobria com um tecido pequeno e fino demais para protegê-la do frio. – Mas vai valer a pena. – Comentou ele. O homem foi até seu cavalo e retirou de lá uma capa, em seguida a entregou para a criança em questão, o menino lhe respondeu com um sorriso e Ignaz certamente sentiu que a esperança ainda poderia florecer mesmo em um terreno sombrio.
Ao amanhecer o povo marchou rumo ao recomeço, foram dias de viagem, levou mais tempo que o esperado, uma vez que eram tantas pessoas. O trio lidava com a segurança e a gestão daquelas pessoas, administraram o grupo durante todo o tempo, um trabalho cansativo e desgastante. Quando finalmente chegaram nos pés da dita montanha, Frieda já tinha uma idéia de como alocaria o povo, ela escolheu algumas pessoas para ajudá-la no processo e os deixaria responsável por cuidar da população quando ela partisse. A garota saiu para analisar e reconhecer o terreno, depois se reuniu com Ignaz e Hansel para decidir como repartiram as terras, após fazer isso era hora de iniciar a construção de um acampamento improvisado. alguns dia após chegarem naquele lugar, Erna apeou de seu cavalo, havia sido enviada sob recomendação de Klaus, o Inquisidor, ela ajudou na recuperação dos danos físicos infligidos a população e implementou normas de higiene e saneamento para evitar o surgimento de doenças.
O trabalho árduo deu para aquelas pessoas algo para ocupar suas mentes e um novo propósito, elas se empenharam e se deixaram levar pelo ritmo do trio, em pouco mais de um mês enviados da guilda vieram fazer seu trabalho, a condessa também enviou algumas pessoas, até mesmo o príncipe ajudou com recursos, como era esperado. O lar daqueles que antes não passavam de um bando de desesperados começou a ganhar forma e se fez necessário que atribuíssem um novo nome, o povo decidiu por chamar aquele lugar de Lichtblick, pois foi ali onde encontraram um raio de esperança.
Três meses se passaram e o trio finalmente foi chamado de volta para a base, Erna regressou junto a eles, era chegada a hora de apresentar relatório e dar aquela missão por finalizada. O povo veio para se despedir, novas expressões já começavam a florescer em suas faces outrora sombrias, eles gritavam frases de gratidão enquanto o quarteto passava e mais tarde acabariam por erigir três estátuas em homenagem aos santos enviados pelos deuses, aqueles que vieram para lhes salvar e não os abandonaram.
As atividades dos Haidu estavam tendo um crescimento nada moderado, as criaturas surgiam em vários lugares em todo o continente, essa era a prova de que o inimigo tinha conseguido enfraquecer a Linie ou fortalecer demasiadamente seus aliados no plano não humano. As ações do culto certamente tinham sua influência nisso, então não foi surpresa quando Frieda entrou na sala do administrador da base, junto a Ignaz e Hans, e encontrou seus outros seis irmãos, já os esperando, também não foi surpresa a presença de uma outra figura na sala.
O administrador cedeu a palavra e Klaus foi sucinto ao revelar que todos naquela sala seriam alocados para a divisão de inquisição, incluindo Ignaz. O Inquisidor se desculpou por não ter averiguado melhor a situação antes de requisitar que o trio fosse enviado e os parabenizou pelo sucesso. Ignaz estava surpreso, nem sabia o que dizer diante daquela situação, já Frieda não se importava com tais pensamentos, ela apenas se deu por satisfeita, afinal finalmente tinha conseguido chegar aonde queria chegar. Agora os irmãos poderiam se concentrar no objetivo que os levou até ali, Klaus viu em suas faces a frieza e em sua volta a aura de caçadores, exatamente o que ele buscava, só de olhar para eles o Inquisidor podia constatar que eles não hesitariam em matar se necessário, não teriam piedade quanto a quem traiu sua humanidade, sim, Klaus viu além de seus olhares frios, ele viu um ódio que não podia ser contido por mais tempo.
O homem havia pesquisado sobre aquele grupo logo após o teste, ele descobriu que eram filhos do Meiger e que receberam treinamento na Guilda Stachel, sabia que nomes como Benno, Griselna e Meine também estavam relacionados a eles. Ele investigou e chegou a causa da morte de Heinrich, de fato, o Inquisidor sabia exatamente qual era a motivação dos filhos daquele homem e ele usaria isso em benefício da humanidade. Saber as motivações de Frieda e os demais, deu a Klaus motivos para confiar que cumpririam com seu dever.
Na mesma semana em que receberam a notificação de transferência, os irmãos organizaram uma singela cerimônia de casamento para Johann e Ada, a família compartilhou daquele momento de felicidade absoluta. A base da Inquisição fica a leste da catedral de Kamelie, lá Johann e Ada se estabelecem na cidade fora da base, uma vez que são casados, mas ainda precisariam cumprir com seus deveres.
As missões são designadas e Frieda junto a seus irmãos desempenham tão bem o seu papel que Klaus lhes atribui uma divisão sob o comando de Frieda, ou Wanderfalke, como a maioria se refere a ela agora, Ignaz não se encomoda com o fato de sua posição ser inferior a da garota e cumpre seu dever com a seriedade e competência de sempre. Erna e Frieda fazem aniversário novamente, o grupo ainda não foi capaz de encontrar os assassinos, em sua busca, deixam um rastro de sangue que aumenta ainda mais a má fama da inquisição, nem mesmo Leona vacila quando o assunto é o culto que matou Heinrich. Contudo, o culto é resiliente, quanto mais deles são exterminados mais surgem, são como baratas, como vermes que se regeneram mesmo depois de serem cortados múltiplas vezes. Frieda estava impaciente e começava a se deixar abater pela frustração, foi quando uma notícia maravilhosa chegou aos seus ouvidos, Ada estava grávida do seu primeiro sobrinho.
A notícia foi recebida com festa e canções, mas também com preocupação, os irmãos se reuniram na ausência de Ada e tentaram convencer Johann a se retirar da empreitada, mas tudo o que conseguiram foi que ele diminuísse sua participação. O tempo passava, a ansiedade crescia e a barriga de Ada também , ela foi afastada do serviço como manda a lei, mas os irmãos sabiam que os assassinos de Heinrich ainda estavam lá fora para assombrá-los e não dava para saber se haviam desistido após matar apenas Heinrich. Eles concordavam que precisavam encontrar os culpados, sobretudo, pelo bem da criança por nascer. O grupo nunca deixava Ada sozinha, sempre ficavam em dois para manter a guarda, principalmente quando Johann não estava, não havia na terra uma criança mais bem guardada que aquele bebê que sequer tinha nascido ainda, nem mesmo os filhos de reis.
A criança nasceu em uma madrugada de dezembro, Erna fez o parto de Ada sem riscos e complicações, nasceu uma menina saudável e rapidamente foi nomeada com o nome de Anelie. Frieda se recusou a segurar o bebê, tinha medo de machucá-la sem querer, mas acabou cedendo devido a insistência de Ada, as vozes em sua cabeça repetiam que ela estava banhando a menina em seu azar, mas quando seu olhar cruzou com aqueles olhos tão pequenos, o mundo pareceu mudar e ela não sabia dizer qual foi a mudança. Era bizarro como uma criatura tão pequena lhe fazia sentir todas aquelas coisas conflitantes.
Quando Anelie fez um ano e dois meses, Frieda finalmente encontrou um dos assassinos de Heinrich, vendo-o de longe não parecia ser mais que um homem comum, certamente era um humano que não havia despertado. Ele andava pelas ruas como alguém sem pecado, comia e bebia como se não devesse nada a ninguém e dormia como um bebê inocente, Frieda não esperava que pessoas capazes de trair sua própria raça tivessem sentimentos como o remorso, mas ainda assim não conseguiu conter sua ira ao ver que aquela pessoa vivia sua vida normalmente enquanto a dela fora transformada em um inferno.
O homem foi capturado sem esforço, estava sozinho, confiante de que jamais seria encontrado. Ele foi levado para um quarto em uma casa abandonada e isolada, ali aguardaram a chegada de Klaus e então começaram a interrogá-lo, Klaus tentou convencer o homem de que ele seria poupado se delatasse os demais, mas estava escrito no olhar de Frieda que ela iria estraçalhar-lhe no instante em que o Inquisidor piscasse. O traidor foi torturado por dias, Erna o curava o suficiente para que não morresse, mas ele só precisou de uma oportunidade para morder a própria língua e morrer sem contar nada. Frieda ficou furiosa, até tentou atacar o Inquisidor em um acesso de ira mais foi segurada por seus irmãos, ela o culpava por não deixá-la fazer do jeito dela, eles discutiram e no fim Klaus disse que a deixaria fazer como quisesse, mas que se falhasse ela iria implorar para morrer, ironicamente um mês depois eles fizeram as pazes e tal condição foi revogada.
O tempo não espera, os dias vão e vem sem freio. Heiko passa a visitar Frieda com mais frequência e os irmãos se acostumam com a sua presença, eles ficam felizes por ela ter um amigo e sentem que o rapaz acalma os ânimos dela em parte. O tempo também mostra para Frieda e os demais o quanto a Ordem pode ser terrível, para a maioria eles são apenas estatísticas, punições cruéis são impostas aos erros mais bobos, constantemente uns tentam derrubar os outros, disputas internas são comuns e às vezes te leva a questionar se os Haidu são mesmo o maior dos seus problemas. Existe rivalidade tanto dentro das divisões, como entre uma divisão e outra, tudo está ficando ainda pior agora que o rei enlouqueceu, o monarca governa com crueldade e se opõe a Ordem dos Cavaleiros Sagrados de Ismar, ele nega recursos e dificulta processos simples, o Conselho máximo já esgotou a paciência e só não direcionaram seu martelo contra o rei em favor do príncipe herdeiro, o príncipe segue tentando abrandar as animosidades e reitera a Kamelie que só há perda em iniciar uma guerra civil. Frieda consegue até imaginar o que o astuto príncipe ofereceu para deixar a Ordem tão quieta em relação às atitudes do rei.
Os irmãos se fortalecem a cada dia, A garota já domina bem sua Guan Dao e Hansel consegue usar heilig com mais liberdade, isso gera muita inveja e oposição, mas com o apoio da Inquisição fica mais difícil atacá-los diretamente. Frieda e os demais encontram mais daqueles que participaram do assassinato ao seu pai, um deles delata a localização de um outro humano e de um dos Haidu envolvidos. A caçada continua, Anelie tem quatro anos agora, Klaus expressa seu desejo em indicar Frieda no Conselho máximo para que ela se torne uma Inquisidora, ela já está para fazer a avaliação para se elevar a posição de Meister, mas o pior acontece.
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Os acontecimentos no mundo nem sempre são uma constante, às vezes tudo pode mudar de uma hora para a outra, como nuvens de tempestade que surgem de repente em um céu que prometia ser eternamente ensolarado, contudo existem algumas exceções, existem acontecimentos que avisam quando chegarão.
O reino estava divergindo politicamente, as ações do rei e sua insanidade minaram as relações internas e internacionais, alguns países com os quais Weinrose já não tinha um histórico de amizade duradoura, começavam a se questionar se estava tudo bem se manter aliado a uma nação tão instável. Boatos de que o príncipe planejava trair o próprio pai eram alimentados, o rei ia se tornando mais agressivo, mas nada podia fazer contra seu príncipe, uma vez que ele se tornou amado e respeitado demais. Ataques de Haidu aumentaram esporadicamente, haviam relatos de suas aparições desastrosas em todo lugar, era como se estivessem experimentando algo, ou alimentando algo, mas não tinha um padrão, até que um dia os ataques cessaram de repente, ninguém ouvia mais falar das criaturas e seus ataques, ninguém lamentava mais e isso perdurou por uns dois meses.
O rei deixou de custear completamente qualquer ação de Kamelie, a Ordem passou a se manter com seus próprios recursos e o que lhe era enviado de outras nações, os reis rogavam para que a Ordem dos Cavaleiros Sagrados abandonasse Weinrose completamente e que os despertos nesse reino fossem realocados nos outros reinos, o rei Egon viu nisso uma afronta, decretou que qualquer um que deixasse o reino seria julgado como traidor, tal decreto afetou o comércio e por conseguinte a economia, Frieda assistia enquanto via pouco a pouco um reino ruir. O povo caiu em descontentamento, regiões mais vulneráveis já começavam a sentir os impactos da falta de recursos, para completar, as colheitas daquele ano não foram boas, tudo rumava para o desastre, mas na casa de Johann a família se reunia e se alegrava com a pequena Anelie, não havia nesse mundo uma criança mais amada que aquela.
Johann estava na cozinha junto a Leon, eles lavavam a louça após a deliciosa refeição que reuniu a família, quando bateram firme na porta ninguém temeu, afinal o que haveria para temer quando tanta gente forte estava reunida em um único lugar?
Ada foi atender a porta, Anelie ficou onde estava, deitada no chão mexendo na flauta que pertencia a Felix, olhando de fora todos pareciam alheios ao que se passava na porta, mas todos estavam bem atentos. Quando Ada finalmente abriu a porta havia um homem de pé atrás dela, reconhecer sua procedência não foi difícil, o fardamento delatava, bem como sua insígnia pendurada em seu cinto, o cavalo respirava forte atrás dele, o homem sequer prendeu a guia do animal, em suas mão estava um documento assinado e carimbado, sim, um decreto.
– Lamento a hora inoportuna. – Disse ao olhar para a família reunida no interior da casa.
– Sabemos que não tem culpa, apenas vá em frente e cumpra com o que lhe foi atribuído. – Ada soou gentil e compreensiva.
O oficial aprumou o corpo e passou a ler o decreto.
– O pior aconteceu, nosso inimigo atacou mais cedo que o esperado, o confronto já se iniciou e reforços foram requisitados no front. – Proferiu ele. – O alto conselho já decidiu e ele ordena que todo desperto em serviço compareça a sua respectiva divisão para receber orientações, serão preparados e viajarão de imediato para a frente de batalha. Deserções não serão toleradas e a pena para tal ato é a máxima. – Finalizou a leitura. - Essas são as ordens.
O soldado finalmente notou a criança, o olhar que direcionou para ela foi de profunda tristeza. Sem dizer mais nada ele se virou e saiu, ainda precisava garantir que os demais soldados em descanso recebessem o decreto.
– Sabíamos que isso poderia acontecer. – Argumentou Erna. – O plano era terminar o que viemos fazer e depois abandonar essa organização podre, mas não conseguimos concluir mesmo após tantos anos.
– Em pensar que acabaríamos nos enfiando em uma guerra. – Comentou Felix.
O silêncio preencheu o cômodo e foi Frieda aquela que o rompeu.
– Vamos embora. – Anunciou se colocando de pé e começou a caminhar em direção a porta.
Ninguém se moveu do lugar.
– Vai desistir agora? Depois de tudo? – Inquiriu Erna.
– Nós fomos tão longe, sacrificamos anos de nossas vidas. – Comentou Leon em concordância com Erna.
– Não podemos desistir agora. – Afirmou Hans. – Já é tarde para voltar.
– Anelie cresceria vivendo como uma fugitiva. – Ponderou Johann, de todos ele era o que mais estava perdido. Ada foi para junto dele.
– Vocês enlouqueceram por acaso? – A voz de Frieda estava baixa. – Acham que estão indo para um piquenique?
– O caminho que trilhamos é sem volta, Frieda. – Argumentou Leona. – Sabíamos disso quando partimos em busca de vingança.
– Não é sem volta se ainda estiverem vivos. – Contra argumentou. – Existe um limite para o que eu posso fazer e prever, uma guerra possui variáveis demais, não vou liderá-los para a morte.
– Não somos tão fracos... – Ralf comentou.
– Idiotas!? – A fala de Frieda saiu como um brado outrora preso no fundo de sua garganta. – Isso é uma guerra. – Berrou. Anelie se assustou, mal via a tia falar e agora ela estava gritando.
Silêncio.
– Você está pronta para desistir? – Erna leu as intensões de Frieda como um livro ilustrado.
Frieda não respondeu.
– Não pode ser... – Johann deixou as palavras escaparem, estava moderadamente chocado.
Ralf riu sem humor e foi para trás do balcão da cozinha, seu descontentamento, decepção e incredulidade eram evidentes.
– Está planejando ir sozinha? – Leona a olhava como se a garota não tivesse nenhum juízo.
– Então tudo bem se você for a única a morrer? – Felix não estava sorrindo.
– Felix... – Frieda tentou falar.
– Eu não quero ouvir. – Seu olhar revelava alguém ferido. Ele se moveu de forma ansiosa, sem saber o que fazer. – Já que fará o que quer, então farei o que quiser também.
– Felix, você não...
– "Eu não" o que? – Disse em tom de aviso. – Se você desistir eu também desisto. Você vai embora conosco? – Ele lhe deu uma última chance de responder, porém a garota emudeceu. – Foi o que pensei. – Dito isso, o rapaz saiu da casa e se dirigiu a base.
Os demais irmãos encaravam Frieda com expressões diversas, mas ninguém falava nada, quanto a ela, não sabia para onde olhar.
Felix dificilmente perdia sua alegria e cedia a algo como a raiva, ele quase nunca levava para o lado pessoal, demonstrava tristeza ou perdia a oportunidade de tornar o ambiente mais leve, em vista disso, quando o garoto não estava sorrindo poderia ser bem assustador. Ele realmente ficou afetado depois daquela conversa, mas bastou algumas palavra, um bagunçar de cabelo e um abraço para fazê-lo retornar a normalidade. O garoto amava a sua família e dava mais valor às vidas de cada um deles do que a sua própria, contudo, ver que Frieda planejava ir sozinha para um lugar perigoso sem levar em conta o quão importante a vida dela é para eles o deixou irritado. Segundo seu ideal, coisas preciosas devem ser protegidas e preservadas, e para ele não havia nada mais precioso do que aquelas pessoas.
O garoto sorridente não era o único a pensar daquela forma, a contra gosto de Frieda, um a um se apresentou na base da Inquisição, apenas Ada não o fez, uma vez que a lei dizia que ela não poderia exercer suas funções até que a criança alcançasse a idade de cinco anos.
Johann passou o tempo até o dia de partida ao lado de sua esposa e filha, na manhã em que ele deixaria a cidade, Ada levantou cedo e o ajudou a colocar a farda, então Johann foi até o quarto de sua filha e lhe beijou a testa, ela dormia profundamente.
– Voltarei ao pôr do sol. – Murmurou para ela. Aquele era um dizer que significava que não demoraria a regressar.
Ele apanhou uma sacola com provisões e deu um beijo em sua esposa.
– Eu ficarei bem, você nos conhece, sabe que somos invencíveis se estivermos todos juntos. – A tranquilizou. – Eu te amo! – Disse antes de sair.
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O que será que aconteceu? Vem bomba por aí? Em breve posto mais capitulo. Não esqueça de votar.
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