Capitulo 2
Aos 22 anos...
— Tá de brincadeira? Você é a porra de um iceberg! — Nikolas rosnou bem na minha cara, fazendo-me piscar três vezes. Bom, não era como se ninguém tivesse me xingado antes, já tinham me chamado até de Frozen, coração de gelo, que coisa imbecil... iceberg, qual é? Isso nem mesmo era genuíno. Quer dizer, vamos lá... iceberg é tão... — Maldita hora que cruzei com você, não acredito nisso. — Suspirou frustrado, à medida que puxava os cabelos suavemente para trás.
— Sinto muito, Nikolas — murmurei com tranquilidade, embora eu realmente sentisse. Niko era um cara magrelo, porém, muito atraente, além, é claro, daquele ditado sobre homens com esse fenótipo. Se é que me entendem. O que podia dizer era que, se todos os caras magrelos fossem tão bem-dotados, assim o ideal para nós, mulheres, seria esse tipo, com certeza. E eu nem falava só de ter um pau grande, mas de saber usar e isso ele sabia fazer definitivamente bem. — Eu te avisei para não ter expectativas sobre isso, me desculpe. Nunca quis magoar você...
— Foda-se, Aby! — gritou outra vez voltando a se descontrolar.
A forma como olhava em minha direção com aqueles olhos pedintes, suplicantes... por que eu não sentia remorso ou pena, ou sei lá... amor? Eu poderia ter me apaixonado por ele. Niko era um cara incrível, engraçado e inteligente, gostava da combinação meio nerd que só o abandonava quando nos encontrávamos entre quatro paredes. Sim, sentirei falta do quanto ele era gostoso e safado sem esses óculos de grau. Olhei de volta para o seu rosto, nesse momento dizendo apenas através do meu silêncio o quanto eu sentia.
— Meu Deus, eu te odeio pra caralho — cuspiu as palavras com raiva, segurando as têmporas. Fiquei por cerca de cinco segundos pensando em algo que eu deveria dizer, mas quer saber? Foda-se. Sou péssima nisso de qualquer jeito.
Apenas disse as palavras que surgiram.
— Talvez seja melhor mesmo você me odiar... sinto muito!
— Nunca mais quero ver você na porra da minha frente. — Essas foram suas últimas palavras antes de dar as costas e me deixar na calçada do restaurante, onde acabamos de jantar.
Nikolas me convidou para um encontro e, simplesmente, me pediu em namoro. Namorar. No início, tentei levar de forma leve, mas conforme sua insistência foi me pressionando, comecei a ficar sem espaço para respirar até explodir. Eu não fui uma babaca com ele nem nada, apenas disse que não estávamos na mesma página e eu não buscava romance – o que era totalmente verdade –, eu só queria curtir, porra.
O que há com os caras de hoje em dia?
Se não estava enganada, ele devia ser o quinto desde os meus dezesseis anos.
O quinto cara a se declarar pra mim. O quinto coração que eu estilhaçara.
Em minha defesa, nada disso era por pura maldade. Não era uma colecionadora de corações ou uma dessas pessoas que já quebrou a cara e tinha medo do amor. Não. Eu só... não conseguia sentir isso por ninguém e, mesmo que parecesse mentira, eu já tentei.
Será que isso fazia de mim uma pessoa rasa e superficial?
Por que faria?
Afinal, eu poderia ser profunda de outras formas, não? Eu era uma mulher livre e desimpedida, dona de minhas ações e decisões, era o que muitos poderiam chamar de a "dona da porra toda", afinal de contas, o amor não nos fazia mais ou menos mulher, assim como ser mãe, essas coisas não deviam nos definir, nós queremos o que queremos e ponto. O fato de eu, por exemplo, não querer me dar a alguém, não queria dizer que eu tinha medo de amar, apenas queria dizer que eu era inteligente.
O amor nublava nossa visão, nos tornava fracos em muitos aspectos, nem tinha como negar porque era a mais pura verdade. Afinal, o que acontecia quando você amava algo ou alguém mais do que tudo?
Claro que não estava dizendo que o amor era perda de tempo ou que não fosse, por outro lado, algo bom, entendia que isso poderia acontecer, mas o que me fazia refletir eram as fragilidades que trazia consigo, por que amar antes de tudo não era se tornar vulnerável?
E cá entre nós, a parte boa era o que todo mundo esperava quando se apaixonava, afinal, ninguém amava para sofrer, embora o amor e o sofrimento fizessem parte da mesma face de uma moeda, o que buscávamos no amor era a felicidade compartilhada, ou o popularmente dito, nossa metade da laranja.
Mas, como eu poderia saber qual a profundidade desse sentimento, medir suas nuances se eu sempre estive no raso?
Assim que bati a porta do meu apartamento, puxei o ar com força, estalando o pescoço ao mesmo tempo em que passei pela sala de estar em direção ao meu quarto, como de praxe dei um grito, pois precisava colocar para fora todos os palavrões que me lembrava ao bater, outra vez o dedo mindinho do meu pé na porra da poltrona branca no canto da sala.
— Porra, cacete! — Eu já deveria tê-la mudado de lugar, mas nunca acho que vá ficar bem em outro canto, ela era o que tornava tudo irresistivelmente agradável e sofisticado, já que não era fã de muitos móveis.
Após minha alma finalmente voltar para o corpo, dei meia-volta até a geladeira. Só precisava de um banho e uma ou duas cervejas.
Peguei a long neck e segui em busca da minha banheira. A melhor parte de morar sozinha era o silêncio, embora eu gostasse de usufruir uma boa música.
— Alexa, toque Unstoppable!
I'm unstoppable, I'm a Porsche with no brakes
Sou incontrolável, sou um Porsche sem freios
I'm invincible, yeah, I win every single game
Sou invencível, sim, eu ganho todos os jogos
I'm so powerful, I don't need batteries to play
Sou tão poderosa, não preciso de baterias para jogar
I'm so confident; yeah, I'm unstoppable today
Sou tão confiante, sim, estou incontrolável hoje
Unstoppable today, unstoppable today
Incontrolável hoje, incontrolável hoje
Unstoppable today, I'm unstoppable today
Incontrolável hoje, estou incontrolável hoje
Fechei meus olhos assim que uma das minhas músicas favoritas começou a tocar e senti a água quentinha relaxar meu corpo, a espuma cobriu meus seios quando me acomodei com a cerveja na mão e dei uma boa golada, antes de deitar a cabeça na borda da banheira. A noite havia começado tão bem sem nenhum precedente de que terminaria uma merda.
Nesse momento, em paz com meus pensamentos, sentia-me um pouco mal pelo Niko, além de que, sentirei falta de sua companhia, mas era isso. Não tinha tempo para drama na minha vida, nunca gostei. Para mim, quanto mais simples, melhor. Sempre foi assim e apesar da minha pouca idade, gostava da responsabilidade de ser independente.
Trabalhava na empresa da minha família desde os meus dezoito anos, onde fui conquistando aos poucos o meu espaço até me tornar uma das advogadas do Grupo Novatore, o que era muito para alguém tão jovem. O Grupo era uma corporação de advogados mundialmente conhecida, fundada pelo meu pai, Lorenzo Novatore, minha mãe, Stella Ferrari, e meu padrinho, Sebastian Renzo, melhor amigo dos meus pais. Eles se conheceram na faculdade e após se formarem, decidiram abrir o primeiro escritório de advocacia em Los Angeles.
Aos poucos, foram ganhando espaço, com o tempo foi surgindo a oportunidade de expandir os negócios para outros países, atualmente tínhamos escritórios por todo o mundo: Índia, México, Brasil, França, Rússia... a Novatore tornou-se mais que meu sobrenome, tornou-se uma patente. E nesse império, eu era dona de mais da metade das ações, herança da minha mãe e do meu padrinho. Só soube disso há dois anos, pouco depois que me formei.
Parecia ser pouco tempo, mas eu exercia minha profissão com muita devoção, assim como me dediquei para conquistar uma vaga muito mais cedo na universidade, mas isso era história para um outro momento.
Já a minha vida pessoal não era muito diferente, tinha tudo sob controle, era livre e desimpedida e gostava disso, muito. Estava sempre disposta a conhecer pessoas novas, a simplicidade de uma boa relação me atraía bastante, sem dramas ou julgamentos, sem ter que dar satisfações.
Meus melhores amigos, Felipe e Victoria, diziam que eu tinha medo de me apaixonar, mas claro que isso era uma besteira, eu apenas gostava de ter controle sobre o que sentia, era amante da liberdade de ter quem eu quisesse, quando quisesse, nunca iria me apaixonar porque isso não era para mim. Ao contrário deles, ou dos meus pais que tinham dezessete anos quando se apaixonaram e desde então, nunca tinham se separado, era quase palpável o amor dos dois. A coisa mais linda do mundo, o jeito como se comunicavam apenas com o olhar, uma conexão incrível. Eu conheci o melhor e o pior do amor ao observá-los. O pior, foi quando a minha mãe morreu, meu pai ficou desolado. Ele sofreu feito um louco e eu me lembrava de tudo como se fosse ontem, seu sofrimento perdurou por meses a fio, ele parecia não ter forças pra mais nada nessa vida, foi uma época difícil. Eu sofri pela perda da minha mãe e sofri pelo espaço vazio que aquilo deixou entre mim e meu pai, tinha a impressão de que foi por esse motivo que meio que criei esse bloqueio.
Depois de tomar um banho relaxante e bem demorado, me arrumei para encontrar Vic em seu apartamento, minha melhor amiga sempre sabia o que falar quando eu estava numa situação de merda, o que basicamente era o caso.
Dei uma última olhada em meu reflexo, antes de seguir para a garagem. Eu havia optado por um vestido tubinho bege, recatado na altura dos joelhos, exceto pelo decote generoso nas costas que descia até o finalzinho da coluna um pouco acima do bumbum.
O trânsito não estava dos piores, então, alguns minutos depois, bati na porta e fui recebida pela minha melhor amiga junto ao aconchegante abraço quentinho.
Assim que nos acomodamos no sofá, desabafei um pouco as minhas angústias. Eu estava atordoada e não apenas pelo que tinha ocorrido com Niko.
— Zap Zum Zum...Terra chamando Aby. — Minha amiga estalou os dedos na frente dos meus olhos, trazendo-me de volta. — Você ouviu alguma coisa do que eu disse? — Victória fez um biquinho de desgosto.
— Desculpe, amiga, estava com o pensamento longe.
— Ainda pensando no Niko? Olha, Aby você agiu certo, pior seria se tivesse o iludido ou...
— Não é só o Niko, antes fosse... e-eu só... é que essa situação da Agrex tem me deixado angustiada, eu não sei mais o que fazer, meu pai não me escuta, é absurdo demais o que estão querendo fazer com essas pessoas. O que elas farão se perderem seus empregos? — Olhei para minha melhor amiga como se buscasse uma solução.
A Novatore possuía negócios em outros segmentos, além da advocacia, uma dessas parcerias era com uma empresa fabricante de cítricos no sul da Califórnia, onde era feito cultivo de uvas, maçãs e pêssegos. Recebi na última semana um processo com centenas de termos de rescisões contratuais, que diziam que teríamos que nos desfazer de mais de duzentos funcionários, por causa da aquisição de quinze máquinas de colheita. Havia ainda um demonstrativo muito bem elaborado, tinha que admitir, corroborando tudo o que continha em cada parágrafo de cada termo rescisório, ou seja, uma previsão que mostrava a economia de milhares de dólares ao longo de doze malditos meses. O que pouco me importava, estava cagando para essa merda de relatório, o que me interessava era saber o que seria feito dessas famílias que dependiam desse salário.
Eu estava tão mal com tudo, já havia tentado conversar com meu pai sobre o lado social da questão, mas ele parecia já ter tomado sua decisão e, ao que tudo indicava, sem se importar nenhum pouco com o que acontecia com mais ninguém além de si mesmo.
— Eu te entendo perfeitamente, amiga, essa questão é muito delicada, seu pai deveria compreender e ver além do fato de que economizará milhares de dólares. Essas pessoas trabalham há, pelo menos, dez anos na Agrex e não têm perspectiva de nada além desse emprego, são pessoas humildes, é da produção que tiram todo o sustento de suas famílias — minha amiga pontuou.
Vic, assim como eu e Felipe, trabalhava na Novatore, ambos também eram advogados, mas enquanto eu me especializei em direito trabalhista, Vic e Felipe se especializaram em direito civil, nos conhecemos na faculdade e entramos na empresa juntos, nos tornamos meio que inseparáveis, principalmente os dois pombinhos que, além de formarem o casal dos sonhos de qualquer pessoa, também moravam juntos.
— Eu conversei com o Lipe essa manhã, ele também está puto, mas a gente não pode fazer nada. A única pessoa que pode fazer alguma coisa é você, Aby. — Respirei fundo e compreendi exatamente o que Victória queria dizer, mas não sabia se podia ir tão longe com o meu pai.
— Eu não sei o que fazer... — Bufei frustrada, jogando-me no sofá com a cabeça no seu colo. Minha amiga pousou a mão nos meus cabelos e a deixou lá parada, o que nos fez rir. Eu sempre odiei cafuné.
— Sabe de uma coisa, amiga, estamos todos muito estressados com tudo, que tal algumas bebidas, de preferência algo bem forte para extravasar um pouco, o que acha? — disse, cutucando meu braço na tentativa de me animar.
— Não sei, amanhã tentarei falar com ele novamente, talvez não seja uma boa ideia beber.
— Acontece que amanhã é outro dia, vamos! Você merece se distrair um pouco, amiga, relaxar... está decidido! — minha maluquinha me intimou e nem precisava perguntar sobre o nosso destino, porque já sabia a resposta: Codec. Uma boate incrível que conhecemos há alguns meses e desde então, se tornou nosso lugar favorito, apesar de não termos frequentado o local há um tempinho por causa do trabalho.
Passamos semanas bem difíceis, atolados em processos e audiências.
Cerca de quarenta minutos depois, entramos na boate e seguimos até o bar, a fim de colocarmos nossas pulseiras de consumação. A música estava tão alta que me impedia de ouvir qualquer outra coisa, na verdade, mal conseguia ouvir meus próprios pensamentos, mas era bem disso que eu precisava, Victoria tinha toda a razão, como sempre. Olhei para minha melhor amiga com um sorriso estampado no rosto, ao som de Viva la vida do Coldplay que rompeu pelos alto-falantes. Nós nos direcionamos até o bar.
— Vou pedir uma vodca, e você? — perguntou, após se curvar sobre o balcão do bar.
Seus lindos cabelos loiros caíram em uma cascata sobre os braços. Ela também usava um vestido, mas diferente de mim, Vic não gostava de usar roupas que a deixavam muito à mostra. Seu vestido floral descia com a saia solta até os joelhos e as mangas bufantes, deixando-a tão linda como uma princesa da Disney.
Tão linda. Olhando assim, nem parecia que a peste bebia feito um gambá.
— Vou querer uma também, realmente preciso encher a cara. — Umedeci os lábios e joguei meus cabelos cacheados para os lados, deixando-os bem mais volumosos.
— É isso aí, garota! É disso que eu tô falando... — A maluca riu e gritou, abraçando-me antes de nos sentarmos.
Quando o barman nos entregou as bebidas, brindamos antes de entornar o líquido goela abaixo. Senti minha garganta arranhar e olhei para Vic, a tempo de vê-la apertar os olhos, ao passo que chupava um pedaço de limão. — Caramba, essa bateu...
— Meu Deus, Vic, sua maluca! — Gargalhei e a abracei. — O Lipe não vai ficar feliz por você beber assim.
— Ah! É por uma boa causa, ele vai entender. Já que preferiu ficar estudando uma pilha de processos ao invés de vir com a gente, não fará mais do que a obrigação dele cuidar de mim quando eu chegar em casa — disse num tom sério, mas sua risada alta quebrou sua expressão fingida. — Agora sim, estamos começando a entrar no clima, amiga, vamos pra pista de dança! — A doida saltou do banco do bar e me arrastou entre as pessoas. Vic era uma perfeita contradição, na maioria das vezes extrovertida, amável e, em outras, extremamente sensível e melancólica. Mas ela tinha seus motivos.
Quando chegamos ao meio da galera, uma música da Anitta começou a tocar me deixando ainda mais animada. Não era comum tocar funk em Los Angeles, mas a Anitta tinha se tornado um destaque mundial e em vários lugares era possível curtir pelo menos uma de suas músicas. Eu era apaixonada por ela desde que descobri o ritmo através da minha prima, Juliana, que morava no Rio de Janeiro.
Soltei-me, sentindo cada vibração da batida fluir pelo meu corpo, entreguei-me à melodia fechando meus olhos só para aproveitar a liberdade daquele momento. Dancei com os braços para o alto, apreciando a levada de Sim ou Não, em êxtase e um sorriso de orelha a orelha.
Continuei ali, aproveitando a sensação que cada batida refletia no meu corpo, como uma onda arrastando minha pele em pequenos arrepios. Senti um impacto mais intenso e todos os pelinhos do meu braço ficaram eriçados, como se houvesse algo os atraindo. E havia. Assim que abri meus olhos me deparei com uma imagem que me tirou o fôlego.
Puta que pariu.
Pisquei algumas vezes, olhando o homem absurdamente lindo parado do outro lado da pista.
Dei alguns passos à frente, presa naquele momento sem conseguir desviar a atenção, ele também não tirou os olhos de mim. Era um cara moreno, alto e gostoso pra caramba, usando uma camiseta preta que deixava em evidência todos os músculos e as várias tatuagens que cobriam seus braços, até onde meus olhos eram capazes de alcançar por entre as luzes e a obscuridade da boate.
Ousadamente, desci os olhos, passando a vista pela calça jeans escura, o que foi meio engraçado, já que ele parecia um corvo. Por fim, retornei ao rosto, à medida que observava seus cabelos presos no alto da cabeça em um coque samurai. Certamente, a coisa mais sexy que eu já tive o prazer de colocar os olhos.
O pior de todo o absurdo era a forma como ele me olhava de volta, os braços cruzados na frente do corpo e uma expressão indecifrável. Um misto de adrenalina e lascívia me atingiram, assim que sua língua correu pelo lábio inferior. Sua atitude me deixou com água na boca e uma súbita ânsia de querer ser aquele lábio só para sentir o gostinho daquela língua.
Virei-me de costas rapidamente e juntei minhas mãos como se fizesse uma prece, fechei meus olhos, murmurando:
— Se eu estiver delirando no deserto, Deus, por favor, não me acorde agora porque essa, com certeza, é a visão do paraíso. — Voltei a ficar de frente.
Era bem disso que eu precisava hoje – pensei.
Voltamos a nos encarar, como se não houvesse mais ninguém ali, eu mexia os cabelos de um jeito sedutor, enquanto o cara permanecia de braços cruzados sem esboçar qualquer reação, além de uma seriedade incomum, o que era quase desconcertante se não fosse pelas faíscas que seus olhos lançavam em meu corpo de cima a baixo, salpicando a minha pele. Por outro lado, eu parecia meio boba, ou alguém que esqueceu o próprio nome, o que me deixou um tanto inquieta, já que ser passiva nunca fez muito meu estilo.
Permaneci imóvel no meio da pista, ainda babando pelos cantos da boca, pensando em uma forma de chegar nele sem parecer muito fora da casinha. Não sabia dizer quanto tempo perdi ali em meio aos meus pensamentos, mas saí do transe quando fui atingida pelo perfume gostoso, meio amadeirado a centímetros de mim. Pisquei algumas vezes perdida nos traços de seu rosto.
Puta que pariu mesmo, viu?
— Admirando a vista? — A voz grossa e profunda me alcançou, um tanto quanto provocativa. Precisei levantar um pouco mais a cabeça para focar em seus olhos, já que ele parecia um jogador de basquete.
— O-o quê? — Franzi a sobrancelha confusa.
Seus lábios se curvaram em um sorrisinho presunçoso.
— Perguntei se está apreciando a paisagem tanto quanto aparenta?
— Uau, humildade não é bem seu forte, né? — Soltei uma risada sem vontade pelo absurdo e alfinetei o filho da mãe que voltou a mover os lábios lentamente em um sorriso torto, dessa vez deixando à mostra a reentrância perfeita em sua bochecha direita.
Minha nossa senhorinha...e ainda tem covinhas...
— O que tá fazendo? — Segurou delicadamente meu pulso quando levei a mão para tocá-la com a ponta do dedo.
— Você tem essas covinhas, são lindas — elogiei, ainda meio afetada do juízo. Tinha algo acontecendo comigo, algo estranho, mas não fazia ideia do que poderia ser, algum tipo de formigamento. O cara me encarou com a testa franzida e a sobrancelha arqueada, como se eu fosse de outro planeta, o que me deixou um pouco sem graça. Limpei a garganta.
— Hm... desculpe, e-eu... — pigarreei. — Acho que me empolguei, é que são lindas... e eu já disse isso... — Joguei o braço livre, sentindo-me derrotada e forcei um sorriso.
Seus olhos meio puxadinhos me observavam atentos quase que atirando adagas em mim, como se ostentasse certa irritação, mas então o canto de seus lábios esboçou o que parecia ser um sorriso, ainda que singelo.
— Sim, você já disse... aliás, não pode sair por aí tentando enfiar o dedo nas covinhas alheias, por mais lindas que as ache, isso foi esquisito pra caralho. — Solucei uma risada.
— Não é como se eu saísse por aí enfiando o dedo nas covinhas alheias, sabe, eu só... bom, deixa pra lá — tentei justificar.
— Entendi, então o que a fez pensar que tinha passe livre para as minhas bochechas? — Cruzou os braços e um outro sorriso torto fez uma das benditas covinhas voltarem a aparecer, depois se curvou um pouco e me olhou de cima, seu tom era divertido. — Você é bem estranha, mas eu gostei...
— Obrigada? Tô me sentindo bem menos esquisita agora — resmunguei baixinho e levantei o queixo. E sabe o que o filho da mãe fez? Riu. Não um risinho modesto de canto, mas uma aberta gargalhada.
— É que isso não é comum, me surpreendi pela audácia.
— Já que estamos sendo sinceros sobre nossas esquisitices, você parece ter umas oscilações de humor bem estranhas... quer soltar o meu braço, fazendo o favor? — Puxei o braço de seu agarre.
— Desculpe, não quis... — Segurou o riso e eu fiz careta, meio irritada pela situação que, aparentemente, era pra ter sido um flerte ou sei lá.
— É claro que não... pretende ficar a noite toda aí me encarando? — Mordi a bochecha meio desconfortável, porque ele simplesmente não desviou os olhos de mim.
— Foi você quem começou com isso.
— Minha nossa, você é tão convencido. Já pode ir se quiser, você nem é tudo isso se quer saber! Tchauzinho! — Levantei o braço e indiquei a saída, enquanto ele deixou os seus caírem ao lado do corpo. Eu tinha certa dificuldade em observar seu rosto que mudava de vermelho para azul por causa do jogo das luzes, mas isso não me impediu de acompanhar o movimento de sua língua umedecendo seus lábios de um jeito sexy.
— Você tá mesmo me expulsando?
Meu Deus, a cada vez que ele dá essa risadinha tenho vontade de esganá-lo com as minhas próprias mãos.
— Por que você tá aqui, afinal? — Choraminguei.
— Não é óbvio? — Sua prepotência foi de um nível incalculável, o filho da mãe cruzou os braços e me encarou.
— Não, não é. Você é maluco! Puta que pariu... — sussurrei as últimas palavras.
— E você é meio doida, né? Aliás, meio é gentileza, você é completamente...— repreendeu-me sem desviar a atenção. Revirei os olhos e mordi minha bochecha, tentando controlar a raiva porque a minha vontade era socar a cara desse infeliz, mas como era uma Lady, apenas gesticulei com meu braço de modo que entendesse que podia evaporar da minha frente, só que ele permaneceu enraizado ali.
Uma junção de irritação e confusão fez meu estômago vibrar quando o filho da mãe ergueu o canto do lábio em um quase sorriso, deixando-me mais puta.
— De que inferno você tá rindo? — Mal consegui acreditar quando o maldito soltou uma gargalhada bem na minha cara.
— Alguém já te disse que você fala muitos palavrões? — Aproximou-se um pouco mais de mim, a ponto de eu precisar dar um passo para trás.
— E você não tem nada melhor para fazer?
— Na verdade, até tenho, mas...
— Precisamos ir! — Um loiro alto igualmente gato o chamou, interrompendo-nos. O idiota gesticulou para o outro aguardar, voltando a atenção para mim.
— Qual o seu nome mesmo?
— Por que quer saber? — rebati, mas ele apenas cruzou aqueles braços cheios de músculos tatuados e me encarou, aguardando pacientemente por minha resposta.
— Anda logo com isso, porra! — Seu amigo parecia bravo com alguma coisa, passou a mão pelos cabelos curtos, deixando-os arrepiados. Talvez as tatuagens fossem o requisito de acesso para o grupo, ou que todos fossem gostosos.
Ao contrário do imbecil, o outro usava uma camiseta cinza por baixo de uma jaqueta de couro preta, no entanto, parecia também ser coberto de tatuagens, pois seu pescoço esboçava alguns traços saindo pela gola da blusa e outras eram visíveis em seus dedos das mãos.
— Eu não tenho a noite toda, monstrinha! — o idiota chamou minha atenção para si, com uma voz suave ainda que profunda.
Que porra era essa de monstrinha?
— Aby — praticamente rosnei meu nome, o filho da mãe deu um puta sorriso, mostrando as duas covinhas antes de me dar as costas e se afastar sem dizer uma única sílaba. — Ei, não vai me dizer o seu nome, idiota? — Embora tivesse gritado em meio ao barulho da música alta e do burburinho das pessoas, percebi que me ouviu, pois se virou e esboçou aquele mesmo sorrisinho que acabou comigo.
Desgraçado.
E foi assim, como num passe de mágica que ele simplesmente evaporou. Não que eu o tenha procurado, mas ao correr a vista pelo ambiente, não tinha sinal dele em lugar algum daquela boate, mas também quem se importava? Eu nem mesmo deveria demonstrar qualquer mínimo interesse. Babaca!
Bom, certo... tudo bem, eu tinha que admitir que isso não me impediria de dar pra ele a noite toda, até porque de qualquer forma mentiria se dissesse que não me ocorreu. O usaria muito bem só para não desperdiçar seu tipo gostoso. pra. caralho.
Se alguém perguntasse em que circunstâncias cheguei em casa, seria realmente trágico meu testemunho, mas, graças a Deus, eu tinha um amigo maravilhoso que valia mais que ouro maciço. Bom, obviamente seu incentivo foi bem maior do que apenas buscar a melhor amiga bêbada em uma balada. Afinal de contas, Felipe, atravessaria qualquer oceano facilmente, só para ter certeza de que a Vic estava bem e segura, isso aquecia o meu coração de um jeito tão gostosinho que nem sabia descrever quão lindos eles eram. Enfim, de alguma forma, meu amigo me jogou em minha cama sã e salva, porque acabei de acordar viva, embora não tivesse exatamente certeza disso, já que minha cabeça parecia a um passo de explodir.
Com dificuldade, consegui abrir os meus olhos e, finalmente, foquei no teto branquinho do meu quarto, buscando forças para me levantar. Não sabia exatamente quanto tempo se passou, quando virei meu corpo pelo colchão até a beirada para me sentar e, por fim, ficar de pé. Nesse momento, em frente à pia do banheiro, meu reflexo horripilante pairou através do enorme espelho grudado à parede, meus cabelos estavam armados como se eu tivesse tomado um choque, sem contar o meu rosto que estava todo borrado de rímel e sombra preta. Meu demaquilante que lutasse. Estava parecendo um panda gigante.
Vic e eu extrapolamos todos os limites, inclusive a única coisa de que me lembrava era do Lipe buscando nós duas na madrugada. Cheguei tão bêbada que sequer tirei a maquiagem antes de desmaiar, mas quem nunca?
Pisquei várias vezes, antes de jogar um pouco de água no rosto e voltei a me encarar, perguntando se realmente não tive uma alucinação. Flashes de um cara gato embaralhando ainda mais minha cabeça. Será que a falta de sexo tinha me feito idealizar aquele cara? Decerto que não, porque tinha certeza de que o teria idealizado um pouco menos idiota, pra variar. Bom, de qualquer forma, era muito provável que eu nunca mais o visse, afinal, eu frequentava a Codec há tempos e nunca sequer o tinha visto antes, devia ser algum turista. Além disso, ele era muito imbecil.
O destino me ouviu e gargalhou às minhas custas.
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