|| TRINTA E SETE - DESGRAÇADA - JAMES
Era início da noite quando acordei em uma cama de hospital, a garganta e boca secas e olhos inchados. As imagens de tudo o que aconteceu passam por meus olhos em fragmentos envoltos em terror e pânico. Instantaneamente lágrimas malditas e teimosas se juntam em meus maltratados olhos. Seguro o soluço que ameaça me denunciar que estou acordado. O quarto está mergulhado na escuridão e sinto que não estou sozinho.
- Sei que está acordado!
Fico em silêncio. Me recusando a falar com ele.
- Não vai poder me ignorar a toda a vida. - diz suavemente.
- Você deixou me drogarem! - murmuro com a voz pesada.
- Deixei pois foi necessário.
- Eu queria ver meu noivo! - replico como uma criança.
- Você não estava em condições naquele instante!
- Hum...
Me viro, sentindo o lençol se agarrar a um acesso que há em minha mão. A picada de uma dor miníma me arrepia por um instante.
- Onde meus filhos estão? - me sinto uma merda por me lembrar das crianças somente agora. Mas Deus, era tanta coisa na minha mente que me perdi um pouco.
- Com Rose! Suas amigas foram embora para tomar um banho mas vão voltar. Sua sogra está melhor e conseguiu ver o filho. - me sento muito rápido pouco ligando para a sombra de uma tontura que ousou se apoderar de mim. Alegria real se alastrando por minhas veias.
- Ele está acordado?
- Infelizmente não meu filho. - no silêncio que se segue consigo distinguir fielmente o som exato do meu coração se estilhaçando.
- Eu quero ir até ele! Por favor pai! - o som do farfalhar de tecido é ouvido.
- Feche os olhos.
- Por que?
- Você dormiu o restante da tarde e início da noite, a luz forte vai ferir seus olhos.
Faço o que ele pede. Escuto um clique suave e mesmo através de minhas pálpebras posso ver que a luz clara inunda o quarto nesse instante.
- Pode abri - los, vou chamar uma enfermeira.
- Tudo bem! - Não demora muito para que ele retorne acompanhado de uma mulher de estatura alta, cabelos loiros presos em um coque baixo, sorriso sincero em seu rosto e mãos ágeis para me livrar do maldito soro. - Obrigado.
Coloco meus sapatos sob o olhar fixo dele e aliso minhas roupas como se eu fosse ir a um encontro muito especial. E de certo modo é. Vou encontrar com aquele que me ama como sou e nunca pediu que eu mudasse. Estou pronto para encontra - lo ainda que ele esteja preso a uma cama de hospital e nem previsão de quando vai acordar. No caminho em direção até o andar onde ficam as UTI's passamos por tantos corredores que estava começando a perder a paciência. Mas então tivemos de embarcar em um elevador.
Ao contrário dos ambientes anteriores, aqui é praticamente escasso de pessoas a não ser médicos ou enfermeiros. O ar parece também mais frio. Esfrego meus braços enquanto uma enfermeira me direciona até uma sala onde me entrega as roupas que tenho de usar no quarto.
- Você tem dez minutos ok?
- Tão pouco tempo. - sinto meu coração vacilar.
- É o protocolo.
Olho para meus pés, tentando forçar minhas pernas a se moverem. Puxo com força o ar para meus pulmões. Passo as mãos por meu rosto e tento sorrir para ela que, toca meu braço.
- Ele vai sair dessa! Ele é forte sabe? Acompanhei a cirurgia dele e nunca vi ninguém lutar tanto para viver como ele.
Não me seguro. Simplesmente desabo ao ouvir suas palavras. Sei que ele é forte, foi forte anos atrás ao lidar com o fato de ter perdido uma parte de si mesmo e nunca deixou de sorrir. Eu que não sei se vou ser forte o suficiente para lidar com a dor de perde - lo.
- Vai ficar tudo bem meu jovem! - acaricia meu rosto, o carinho no gesto me faz desejar ter minha mãe aqui comigo.
- Obrigado!
Trocamos mais algumas palavras e então sou direcionado até o quarto onde está. Na porta eu continuo a olhar para meus pés, não acho que estou preparado para vê - lo tão vulnerável. O frio aqui parece ser muito maior e me questiono se meu amor não está sentindo falta de ter mais cobertas sobre si. Com uma dose a mais de coragem, ergo meus olhos só para me apoiar na porta atrás de mim quando enfim registro a imagem que demora um pouco para meu cérebro captar. Há tantos tubos saindo dele, seus olhos estão fechados, os cabelos que tanto amo parecem apagados. O som das máquinas parecem agulhas em meus ouvidos.
Aos poucos me aproximo de sua cama, seus dedos, nos quais os meus vivem envolvidos, estão flácidos e pálidos. Mas precisando toca - los, me sento em uma cadeira que há ao lado da cama, olho para seu rosto abatido. Sem hesitar levo sua mão em direção aos meus lábios e beijo - a demoradamente.
- Nós não temos muito tempo amor! Imagina que agora nosso tempo é contado, um crime não é? - a risada baixa e carregada de dor que deixa meus lábios flutua entre nós. Mas ao contrário do que costuma acontecer, não recebo o som alegre que só pertence a ele. Uma lágrima sorrateira desliza por minha bochecha molhando seus dedos que não se movem. Não demonstra vida alguma. - Eu confesso que não fui forte o suficiente e tive que ser drogado. A ideia de não ter você comigo é pior do que a própria morte. Não posso mais ficar sem suas piadas, sem seus abraços, sem as manhãs com você caindo da cama, sem a imagem maravilhosa de seus momentos com nosso bebe ou com Mathias o fazendo rir. - Engulo em seco, me segurando para não me derramar em lágrimas. Mesmo sentindo a umidade tomando meu rosto.- Não posso viver sem sua luz em minha vida. Simplesmente não posso. Eu ainda não sei quem fez isso com você mas vou descobrir. Só por favor, não me deixa! Não deixa a gente!
Só Volta para mim!
Me permito pousar minha testa contra seu braço. Não sei quanto tempo se passa mas em determinado momento, um toque gentil me faz sentar de forma ereta. A mesma enfermeira que me guiou e me ajudou a colocar as roupas, está de pé ao meu lado e sorri gentilmente para mim.
- Eu já estou saindo. - murmuro não conseguindo sair do lugar. Como se compreendesse minha situação, toca meu ombro suavemente e após aguardar eu me despedir do meu noivo, me ajuda a ficar de pé. Me guia para fora do quarto. - Obrigado!
No corredor encontro com meu pai e Carl, que parece mais sério que o normal. Ele tem as mãos nos bolsos de sua calça social cinza, entre os cabelos lisos e negros como a noite desponta alguns fios brancos que surgiram cedo demais para ele. Os lábios estão em uma linha fina e hesitação que vejo em seus olhos não me evoca bons sentimentos.
- Como ele está?
Dou de ombros não sabendo como responder. Ele está em uma cama, com diversos tubos saindo dele, praticamente preso no próprio corpo. Então não sei realmente como ele está. De uma coisa sei, ele ao menos está lutando.
- Ele vai sair dessa! - abraça - me de lado. Tomando um fôlego profundo, me observa de perto.
- O que está acontecendo?
- Há algo que preciso falar com você.
- Tudo bem! - não demora muito e logo estamos na mesa sala onde esperei por notícias juntamente com meus amigos horas atrás. Papai me oferece um copo com água e aceito, o mesmo acontece com Carl.
Vejo - o beber sua água aos poucos e a hesitação em seus olhos me tira do sério. Enquanto espero pelo o que quer que ele queira falar comigo, giro em um movimento quase que automático a aliança em meu dedo.
- Acabo de vir da delegacia. - olha para a esquerda e toma um fôlego profundo. - Tenho um amigo que trabalha lá e de algum modo associou o que aconteceu na frente do parque ao que ocorreu no meio da estação.
- Eu não estou entendendo. - digo realmente confuso.
- Quando você partiu na ambulância junto com Miley, a polícia chegou e após falar com os que presenciaram tudo, deram início a investigação. Isolaram o local e tomaram o depoimento de várias testemunhas. A cada informação, tudo isso ia se construindo aos poucos. Depois do tiro, algumas quadras a frente algumas pessoas informaram que viram uma mulher desorientada carregando uma arma. Essa mesma mulher chegou a estação de polícia balbuciando "Não era para acertar ele!", sem parar. Uma policial conseguiu tirar a ama da mão dela sem muito alarde e a encaminhou para uma sala, onde esperou pelo chefe de polícia.
No meu interior, sinto que sei quem é essa mulher mas não quero acreditar. Não sabia que ela chegaria a esse ponto. Engulo em seco me lembrando de que meu noivo morreu mais vezes do que o recomendável. Que por causa de uma filha da puta sem noção, ele pode nunca mais acordar.
- Posso saber quem é?
- Mary Jhones!
Eu não aguentei e comecei a rir. Rir tanto de me dobrar sobre mim mesmo, tudo isso sob os olhares perplexos de meu pai e amigo. Era rir para não sair daqui chorando e pronto para devolver para aquela desgraçada o tiro que deu no meu amor. No homem que ela dizia amar. Que amor é esse que deseja a morte do outro? Que prefere ver o outro morto a se conformar a vê - lo feliz, ainda que com outro.
- Filho?
- Estou bem! - limpo com brutalidade meu rosto que mesmo em meio ao riso desesperado, se inundou das lágrimas de dor que venho derramando desde que a porcaria toda aconteceu. Na verdade meu choro só me deu uma pausa quando me sedaram. - Ela está presa? Vai pagar pelo que fez? Quais providências estão sendo tomadas?
Carl fica estranhamente quieto. Me coloco de pé bem na frente dele, esperando por respostas.
- Ela está presa não está?
- Sim mas não sei se será por muito tempo. - sinto meu estômago vir na garganta.
- O que quer dizer com isso?
- Ela tem alguns transtornos psicológicos e...
- Espera! Ela é louca e ainda assim trabalhava em um lugar onde lidava com crianças e pessoas acamadas? Como o hospital não sabia disso?
- Ela escondeu tudo, usando documentos falsos mas que eram tão verdadeiros que nunca desconfiaram de nada. - se coloca de pé também e aperta meus ombros, forçando - me a olhar para ele. Os olhos escuros estão cheios de determinação. Carl é um dos melhores advogados do país, com escritórios espalhados por todo o Estado. Nunca o vi perder uma causa e espero que ele não perca essa. Mary não é alguém que possa circular no meio da sociedade depois do que fez. - Eu estou do seu lado. De acordo com o depoimento dela, a intenção era atirar em você e não em Miley! Quando viu seu plano ir por água abaixo, se desesperou e entrou em colapso.
- Eu quero ela presa para o resto da vida dela! - digo entre dentes. - Não me interessa se ela tem problemas psicológicos ou não! Ela atentou contra outra vida! Meu noivo está preso a uma cama e nem sei se vai acordar entende?
- Entendo! Depois do depoimento, a polícia foi a casa dela. E James....- respira profundamente. - Não é algo bonito de se ver.
- O que tinha na casa dela?
- Fui acompanhado de Daren e...
- Daren está em Portland? Por que não sabia?
- Ele veio assim que ficou sabendo do que aconteceu. Ele quer ajudar nas investigações. Depois de receber o aval do chefe, veio para cá.
Aceno rigidamente.
- O que tinha na casa?
- Milhares de fotos, vídeos, roupas e até perfumes.
- Não entendo.
- Tudo isso era me Miley, de toda a vida dele! Tinha....- pigarreia gravemente. - Fotos do dia que foi pedido em casamento. Vídeos...
- Meu Deus! - tapo minha boca entendendo que a loucura da mulher ultrapassou todos os limites do aceitável.
- Quero que fique tranquilo, estou trabalhando para que ela pague pelo que fez. Daren virá vê - lo assim que puder.
- Eu preciso prestar depoimento?
- Sim, por isso estou aqui também. Minha esposa e o restante de nossa família irão amanhã na primeira hora do dia. E você poderá ir a tarde. Sei que não vai querer sair daqui até que as coisas fiquem melhor.
- Não vou mesmo! - digo fracamente. Me viro e olho para meu pai que tem olheiras e o cansaço é nítido em seu rosto. - Você pode ir para casa pai, você está cansado. Eu vou ficar bem!
- Vou ficar aqui com você.
Não discuto, eu realmente não queria ficar sozinho aqui. Não posso ficar ao lado de Miley no momento mas não significa que vou para casa. Quero estar bem aqui quando ele acordar e me presentear com seu bonito sorriso. Emanando vida, a mesma que tentaram tirar dele.
Era perto das onze da noite quando finalmente senti fome. Juntamente com meu pai, fui a lanchonete do hospital. Lá encontrei com Mason, fui recebido por um abraço que me aqueceu até a alma e conheci também seu marido, um enfermeiro que cura sua inquietação até sorrindo e lhe dizendo que tudo vai ficar bem. Conversamos por um tempo e deixei minha minha vazia por alguns minutos. Enquanto retornava para a sala onde ficaria até que pudesse fazer companhia no quarto para meu noivo, uma agitação chama a minha atenção. Um homem com quase dois metros de altura, braços grandes e cabeça careca brilhando a luz do corredor, arrasta um jovem pelo braço enquanto diz que chamaria os pais dele. O mesmo usava um conjunto de moletom cinza que a medida que eu me aproximava, eu reconhecia como um dos muitos que meu noivo lhe deu de presente.
- Ei, solte ele! - digo com o coração aos saltos. Mathias olha para os tênis pretos.
- Ele estava tentando entrar em uma das UTI's e não é permitido.
- Ele é meu filho, então solte ele logo! - trago - o para meus braços. - O que está fazendo aqui amor? Rose sabe que está aqui?
Como resposta, ele nega silenciosamente. Os olhos estão vermelhos. Meu celular vibra em meu bolso, pego - o vendo o nome de minha amiga piscar na tela.
- Ele está comigo! - digo assim que atendo. Seu suspiro de alívio do outro lado da linha é audível.
- Ele passou o dia no quarto sem falar com ninguém, não comeu ou bebeu nada! Quando fui ver se ele precisava de alguma coisa, o quarto estava vazio.
- Pode ficar tranquila amor, ele está comigo. - vejo o segurança se afastar usando o terno preto que se ele fizer um pouco mais de esforço, pode rasgar se não comportar seus músculos.
Me despeço de Rose e ainda com ele em silêncio ao meu lado, vamos para a sala de espera. Lhe dou uma garrafa de suco e vejo - o beber em silêncio. Nunca olhando para mim. Flashs do seu desespero quando Miley caiu bem diante de nós, machucam meu coração. Ele o chamou de pai pela primeira vez e meu amor nem ao menos desfrutou disso.
- Por que não pediu para lhe trazerem aqui? Não era necessário fugir amor! - digo em um tom suave. Ele nem ao menos se move.
Não digo nada por algum tempo, não querendo força - lo a falar. Mas não estou preparado para o soluço sofrido que deixa seus lábios, ele aperta com força a garrafa em suas mãos e os dedos ficam pálidos mediante a força aplicada no gesto. Sem me importar se estou invadindo seu espaço pessoal, o tomo em meus braços. Ele segura - se a mim como se sua vida dependesse disso. Corro os dedos por seus cabelos escuros como costumo fazer com Miley. Ele sempre gostou do nosso tempo onde não fazemos nada a não ser nos abraçar e trocar carinhos. Curtindo assim a companhia um do outro. Nosso relacionamento nunca foi e nunca será baseado em sexo, mas sim nos mais simples e puros gestos de amor, carinho e respeito.
Não me permito contar os minutos que passamos abraçados, envolvidos em uma mesma sintonia baseada na dor de uma quase perda, mas sorrio quando ele ainda sem me soltar, me oferece seu melhor e mais sincero sorriso.
- Eu gosto do seu abraço.
- Você não é tão mal nisso. - lhe pisco um olho, limpando o restante de suas lágrimas. - Miley também adora abraços. - confesso para ele como se estivesse contando um obscuro segredo mas que não é mistério para ninguém.
Quando enfim decidiu se aceitar como é, meu noivo pareceu florescer em si mesmo. A confusão, humor horrível e as vezes resoluções com os próprios punhos a que se agarrava, passaram a ser nada quando disse "sim!" para si mesmo. E distribuir abraços praticamente virou seu hobby favorito.
- Ele está bem? - volto de meus pensamentos.
- Sim. - afirmo com toda a vontade que há em mim. Ele tem que ficar bem. - Ele está em coma nesse momento, mas sei que ainda vou vê - lo sorrir como costuma fazer.
- Ele é tão legal. Quem faria isso com ele? - suas sobrancelhas castanhas estão quase se tornando uma, enquanto pensa. Suspiro.
- As vezes só o fato de sermos felizes, já incomoda muita gente.
- Atiraram nele James. - murmura com uma pitada de raiva em sua voz. Raiva essa que compartilho com ele. Me lembrar que a mulher que dizia ama - lo, também atirou nele como se não fosse nada, me faz desejar estar em uma sala sozinho com ela e fazer o que nunca fiz na vida. Bater em alguém e também em uma mulher.- Sabia que todos os dias antes de ir para a escola, eu treinava na frente do espelho?
Nego suavemente, não entendendo onde ele quer chegar.
- Eu não queria fazer feio quando o chamasse de pai pela primeira vez sabe? - pigarreia baixinho. Olha para os pés e volta a me olhar. A intensidade que há nesses olhos escuros é capaz de desconcertar qualquer um. - Sei que já tenho quinze anos e sou bem grande para isso, mas eu só queria sentir um pouco do que meu irmão na certa sente. Acolhimento. Miley já fez tanto por mim, que só queria lhe dar um presente. Ele é muito mais que o cara que nos salvou de um abrigo, que bateu no meu pai biológico, que me deu um celular e também roupas de cama dos personagens que gosto. Ele é meu amigo e também o pai que sempre desejei. E agora ele não vai me ouvir chama - lo, pois está em coma.
O abraço novamente quando suas palavras se perdem em meio a sua força em segurar seu choro.
Um tempo depois, peço para meu pai leva - lo para casa. Enquanto eu ficaria aqui e esperaria por notícias. Sendo elas boas ou ruins, não deixaria ele sozinho. Lilian aparece quando estou quase dormindo e juntos vemos a noite toda passar bem diante de nossos olhos, me sentindo frustrado quando perto das oito o médico responsável por ele nos informa que seu quadro não mudou. E mesmo com o coração pequeno de preocupação, eu tinha minha família e amigos comigo ali.
28/07/20
Lágrimas
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