||PRÓLOGO - TUDO OU NADA - MILEY
A visão que tenho do extenso e muito bem cuidado jardim, da casa que foi palco dos melhores momentos de minha vida. Devia me causar um sentimento de completude. De realização, preenchimento e felicidade. Mas nada desses sentimentos estarem a vista. Sinto tudo, menos alegria. Para muitos, hoje seria um dia especial. De verdadeira entrega. Mas para mim, nada mais é que a realização de mais um sonho de minha mãe.
Não do meu.
Nunca é sobre mim mas sim sobre ela. E como sempre me deixei levar pois seus olhos lacrimejantes e voz vacilante ao dizer que morreria sem netos de minha parte, me atingiam em cheio. Reforçando o quão fraco e acomodado eu era e ainda sou.
No final daquele corredor ornamentado com maestria pela equipe contratada, não será a pessoa que amo a me esperar. Mas sim, uma que está na mesma situação que eu. Envolta em covardia. Fraca demais para se rebelar contas as amarras das aparências e se permitir realmente viver.
O tecido macio do roupão preto que uso desde que sai do banho, me envolve como um cobertor quente em dia de frio intenso. Afastando ainda que só um pouco, a sensação de frieza que vagarosamente se apropria de cada célula do meu corpo. Procurando moradia fixa em meu interior.
Os funcionários circulam pelo lugar, sempre atentos a alguma coisa para fazer ou concertar. Mesmo estando separados por grossas paredes, eu podia sentir o nervosismo e ansiedade de cada um de longe. Você não pode errar em nada em um casamento. Mamãe também não os deixa esquecer desse fato ao esbravejar ordens para todo o lado.
A porta se abre sutilmente, pelo perfume e suavidade nos passos sei quem é. Um sorriso de canto toma meus lábios. Me viro dando de cara com minha cópia, versão feminina. Rachel está tão diferente da mulher quebrada que fui buscar no meio do seu intercâmbio. Naquela época eu me achava o dono da verdade, ao invés de palavras de conforto, fui logo a julgando.
Não fui muito diferente de nossa mãe. Fomos criados assim, o preconceito entranhado em nós. Hoje me arrependo. Hoje sei que não sou nada nesse universo tão infinito. Que eu só estou colhendo os frutos do que plantei.
Não nos preocupamos em preencher o espaço entre nós com palavras. Não as necessárias. No momento certo ela vai falar aquilo que veio me dizer.
- Sabe, eu sempre soube que você era o filho preferido da mamãe. - encolhe os ombros delgados e seu olhar é distante. Abro a boca para retrucar e dizer que não é verdade mas ela me lança um pequeno sorriso. - É meu irmão, nossa mãe nunca escondeu a preferência dela por você. Então eu desde muito jovem ao invés de ter um infância feliz, passei a maior parte dela buscando por aceitação. Por uma grama que fosse de carinho, mas ela nunca me enxergava. Quando engravidei de Helena, vi minhas chances de agrada - la irem para o ralo. Eu encontrei outro tipo de amor em minha bebê. Um amor incondicional, inocente mas tão forte que foi capaz de curar parte de minha dor.
- O que você está querendo dizer com isso Rachel? - disse após um momento de silêncio. Suas palavras me cortando profundamente. Pisco uma vez para afastar a lágrima maldita que teima em cair de meu olho esquerdo. Olho de novo para minha irmã e percebo o quanto ela cresceu e amadureceu. Aqui na minha frente está uma mulher, muito longe da jovem apavorada que me ligou dizendo estar grávida de um cara que só viu uma vez na vida. - Quando foi que cresceu tanto? - a olho atentamente. Ela sorri mostrando todos os dentes.
- Não sei quando ou como Miley. Mas aconteceu. O quero te dizer é que eu te amo acima de tudo. Vou te apoiar em seja qual for sua escolha. Mas que seja o que você realmente quer. Não o que a mamãe quer. - olho para meus pés descalços, mexo - os sentindo afundar em meio ao tapete macio. Olho ao redor também, reparando na iluminação baixa do quarto onde estamos.
- Não sei do que está falando. - digo com a garganta seca de repente.
- Miley, ainda dá tempo de voltar atrás. James pode estar com raiva de você mas se você desistir dessa palhaçada, ele vai te aceitar de volta. Vocês se amam.
- Você não entende...- digo ao passar as mãos trêmulas em meus cabelos. Eu nem ao menos sabia que estava tremendo. Escondo minhas mãos atrás de minhas costas.
- O que eu entendo é que, a partir do momento que você andar por aquele corredor, você vai perder o homem que ama para sempre.
- Rachel, ele já me odeia!
- Não se você fizer algo a respeito. - a porta se abre e sua voz que tanto me confortou na infância parecem agulhas certeiras em minha alma.
- O que ainda está sem suas roupas meu filho! - ignora minha irmã, arrancando um bufo meu e se põe a preparar minha roupa. - Sua intenção era atrasa - lo Rachel? Acho que conseguiu! Julieta está tão ou mais nervosa que você meu filho. Não sabe o quanto eu sonhei com isso.
Penso em minha amiga. Estamos na mesma porra de encruzilhada.
- Mãe! - tento fugir de suas mãos.- Eu vou me arrumar sozinho.
- Como fez até agora? Não vou permitir que se atrase nem mais um minuto.
- Mãe! - eu já estava perdendo minhas forças.
- Mãe, deixa meu irmão em paz!
- Você não tem um marido para ver não?
- Que seja! - se enfia entre mim e minha mãe. Segura meu rosto em suas mãos pequenas e quentes.- Estou aqui para te apoiar em tudo meu irmão! - deixa um beijo estalado em minha bochecha e nos deixa. Suas palavras perfurando - me mais do que o recomendável. Meu coração parece bater fora do peito.
- Do que essa menina está falando?
- Nada mãe! Nada! - mais uma vez, eu recuo.
A não ser sobre o rumo fodido que minha vida está levando por minha própria culpa. Tudo por que não tive coragem o suficiente para ir contra todo o preconceito que guardo dentro de mim. Nunca me aceitando.
Depois de minha conversa com minha irmã, ela nos deixou arrancando um suspiro de alívio da mulher que nos criou. Ela como havia dito, me arrumou. A cada peça de roupa que eu aceitava em meu corpo, era como uma nova ferida manchando minha pele. A hora do tudo ou nada enfim chegou e quando dei por mim, estava caminhando pelo corredor ornamentado em direção ao altar. Lá estavam primos que vi apenas algumas vezes na vida. Eles não escondiam o tédio em estar ali. Eu esperava estar escondendo muito bem meu desespero, pois sentia o suor devido ao nervosismo inundar minhas costas. Respirei aliviado ao ver entre eles um rosto conhecido. Pablo. O primo com quem tenho uma ligação maior. Estudamos juntos a nossa vida toda, só seguimos separados quando ele recebeu uma oferta de emprego em sua área na Califórnia. Ele acena para mim, um sorriso largo no rosto bronzeado. Meu coração quase se parte em não ver Jenah ou Madson aqui. Ambas disseram que não iriam participar da merda que minha vida seria. E elas estão certas.
A música que precede a entrada da noiva é como uma corrente elétrica que percorre meu corpo. Fico ereto um pouco mais se for possível. Sinto o ar fugir dos meus pulmões quando ela surge, tão bonita mas tão ou mais desesperada do que eu. Olho para nossos convidados e me pergunto se eles não vêem que não é nosso desejo. Que tudo isso não passa de um teatro. Uma mentira muito bem ensaiada. Eu a amo com tudo de mim mas como uma amiga. A amiga que sempre tive.
Damos as mãos e olhando em seus olhos castanhos úmidos, beijo sua testa. Me demoro um pouco e é quase como um pedido de desculpas antecipado. Nos viramos para o juiz de paz e pelos próximos minutos somos inundados por um discurso que fala sobre amor verdadeiro, companheirismo, amizade e fidelidade no casamento. Eu só penso nele. Em tudo o que passamos. E o quão bem essas palavras se aplicariam totalmente a nós se não fosse por mim.
Eu pisco e logo a filha do meu primo vem pelo corredor trazendo as alianças. Ela está tão bonita, ostentando um sorriso idêntico ao do pai e parecendo muito satisfeita. Beijo seu rostinho feliz e pego as alianças. Sinto minhas mãos úmidas. Sou o primeiro a ter que dizer os votos e de repente eu não consigo respirar e muito menos falar. Tento afrouxar minha gravata mas engasgo com meu próprio ar.
- Miley...você está bem? - minha noiva murmura baixinho. Seu toque sendo o único conforto que tenho.
- S - sim...- pigarreio gravemente. - Sim. Eu...- as palavras me faltam. Ergo meus olhos e busco por ela. Mamãe está gesticulando para mim, me incentivando a dizer algo. Mas não consigo. Lágrimas se acumulam em meus olhos e quase caem por meu rosto, queimando - me como ácido. - Sinto muito, Julieta! - ela sorri levemente. Lágrimas de alívio descem por meu rosto. Tentando falar o mais baixo que posso conseguir, murmuro. - Eu te amo muito como a outra irmã que sempre tive. Mas não tenho meu coração com você. Nunca esteve. Entende?
- Você sabe que sim Miley! - sua voz falha, segurando meu rosto, beija meu rosto com uma delicadeza que é só dela. - Vai atrás dele Miley. Faça o que não tive coragem de fazer.
- Obrigado! - a abraço rapidamente. E simplesmente corro. Com os convidados horrorizados e os gritos histéricos daquela que me deu a vida atrás de mim.
Meu carro ainda está na garagem de nossa casa. Tirando a maldita gravata borboleta que estava me sufocando, a jogo no ar e entro no carro e saio o mais rápido que posso dali. Pelo espelho retrovisor, vejo minha mãe aos prantos em uma vã tentativa de me parar de algum jeito.
Não posso. Simplesmente posso.
Com um olho na estrada, pego meu celular, acelerando com tudo. E disco para o número que está gravado em minha mente como uma tatuagem. Ele não me atende. E com razão. Eu mesmo estou com ódio de mim.
- Droga James! Me atende porra! - xingo entrando em uma avenida.
É tudo mundo rápido. As luzes fortes invadem o interior do carro como uma tempestade. Varrendo toda a minha visão, deixando - me desorientado. Mas não por muito tempo. Eu sinto o impacto, escuto o som de metal retorcido e a maldita dor que me pega instantaneamente. É como se uma parte de mim estivesse sendo arrancada. E então minha cabeça vai de encontro com o volante e nada.
Escuridão total. Da qual não sei se vou conseguir sair. E nem sei se quero.
12/06/20
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