|| BÔNUS - MATHIAS
De cabeça baixa, conto meus passos até minha sala. Os corredores estão transbordando de pessoas e torço para que não me toquem. Quero que elas fiquem bem logo de mim. Tanto fisicamente quanto emocionalmente. Por dois motivos. O primeiro é que na minha vida não há lugar para amizades e o segundo é que minhas costelas ainda doem depois do que aconteceu ontem a noite. Ainda sinto meu couro cabeludo arder por suas mãos grotescas. E meu fôlego faltar quando seu pé encontrou minhas costelas.
Tento apagar esses momentos da minha mente para que eu possa me concentrar na aula. Tirar boas notas, conseguir uma bolsa na universidade e daqui a três anos sair desse inferno de vida que meu irmão e e eu estamos vivendo desde que nossa mãe nos deixou. Uma raiva sobrenatural se apodera dos meus ossos e fecho minhas mãos em punhos. Melhor sentir raiva do que pena de mim mesmo. Ela nos deixou. Deixou Matteo que tanto precisa dela. Ela estava com medo, eu também. Ela apanhava dele todos os dias? Eu também. Mas ela nos deixou. Saiu em uma manhã sem olhar para trás.
Meus olhos ardem com a imensa vontade de chorar mas seguro firme, como meu pai manda quando seu punho me acerta de forma tão dolorida que lágrimas sem controle escorrem por minhas bochechas. Ele grita que não sou nenhuma garotinha e que posso muito bem aguentar algumas palmadas. Desvio as imagens da minha mente me dando contra de que estou na sala de aula e meu lugar vago no fundo me espera. Passo por Jordan que se senta na minha frente. Como acontece todos os dias, ergue a mão em um cumprimento mudo seguido de um sorriso sincero. Tão verdadeiro que dói. Um que não me incomodo em retribuir. Ele parece não se abalar.
Ao meu lado, Brian masca um chiclete, a zombaria marcando suas feições perfeitas. Uma bolinha de papel bate contra meu ombro. Evito grunhir e ignoro - o. Isso acontece até o momento que nosso professor entrar mas continua pois o merda finge não ver que está acontecendo uma guerra de papel no meio da própria aula. Abro meu caderno, o mesmo que usei no ano passado. Juntamente com o livro surrado que ganhei de uma das professoras no começo do ano. De acordo com ela, pertencia a uma ex aluna sua. E ela viu que não teria dinheiro para arcar com materiais didáticos novos. Então ela me deu a coleção que pertencia a uma outra pessoa. Antes de tudo ir para o inferno, minha mãe cheia de vida sempre me incentivou a estudar e quando consegui entrar nessa escola particular por meio de uma bolsa. Ainda sinto em meu coração a alegria que inundou seus olhos tão idênticos aos meus. Mas então meu pai perdeu o emprego, começou a beber e nos usar como saco de pancadas. Eu sempre entrei na frente dos cintos e das botas mas nem sempre conseguia parar sua fúria guiada pela bebida. O homem não tinha dinheiro para comprar comida mas para bebida. Mas ele vive cheirando a álcool.
- Ei estranho! Estou falando com você! - outra bola de papel.
- Deixa o Mathias em paz! - uma voz suave diz a partir da cadeira na minha frente.
Pisco uma vez ouvindo pela primeira vez a voz do garoto que sempre tenta falar comigo desde que chegou aqui no início do ano. Brian e seus seguidores idiotas riem baixinho. Os olhos azuis claros pulando de mim para o garoto que ousou me defender.
- Oh, olha só. Seu namorado enfim criou coragem para te defender estranho! - apoia o queixo no punho.
- Ele não é meu namorado! - aperto minhas mãos em punhos. Ele gargalham ainda mais e o professor. O maldito só olha e volta a escrever algo no quadro.
- Não preciso ter nenhum tipo de relacionamento com ele para defende - lo! - lanço um olhar amargo para o garoto na minha frente.
- Não te pedi nada!
- Não, não pediu! Mas fiz mesmo assim!
- Não se mete na minha vida! Não preciso da sua ajuda! - ouço meus batimentos cardíacos em meus ouvidos.
- Ficou nervosinho é? Briga de namorado termina em beijo sabia?
Engulo em seco, a raiva de tudo me inundando como um rio levando tudo pela frente. Estou cansado desse cara fazer de tudo para me atormentar. Cansado da omissão dos professores. Cansado de tudo. Mas preciso me manter firme por Matteo. Meu irmãozinho que precisa de mim. Mas não vou deixar esse merdinha me atacar e ficar por isso mesmo. É por isso me erguo assustando as pessoas ao meu redor e não penso. Só faço. Pego um livro de física que já viu dias melhores e o uso como arma. Jogando com tanta força contra o rosto de Brian que ele literalmente é lançado no chão.
Há gritos e xingamentos. Minha respiração está rasa. Uma mão pousa suavemente em meu ombro mas desvencilho do toque. Jordan ergue ambas mãos e recua um passo.
- Não me toca!
- Sem tocar, tudo bem!
- Vocês todos! Para a direção agora!
- Esse garoto me agrediu e ainda tenho que ir para a direção? - o loiro diz se erguendo com a ajuda de uma de suas namoradas. Sua mão no lado do rosto que conheceu a força de um livro. Sem conseguir me segurar, sinto um pouco de satisfação por ter revidado. Ele bufa. - Está rindo de que estranho?
- De você! - rosno. Ele tenta vir para cima de mim. Mas o professor que achou seu espírito corajoso em algum lugar, se mete entre nós.
- Já chega os dois! Para a direção agora!
Andamos lado a lado mas a uma distância segura. Minhas mãos enroladas em punhos dentro do meu bolso. Conforme nos aproximamos da diretoria, a gravidade do que fiz vai aos poucos se assentando em minha mente e vejo que posso ter acabado com minhas chances e de Matteo de sairmos livres de nosso pai por não ter conseguido segurar minha raiva. Eu vou ser expulso. E o que prometi para meu irmão será apenas mais uma das promessas que não cumpri.
A secretária nos leva até a sala da diretora. A mulher veste um terninho cinza, saltos médios e usa um coque no alto da cabeça e no rosto tem um olhar severo. Nos sentamos diante de sua mesa. Ela cruza os dedos de ambas as mãos e desligo completamente quando ela dá início ao seu discurso de não violência nas dependências da escola.
- Mathias? Está me ouvindo querido? - diz suavemente. Olho ao redor e vejo que estamos somente nós na sala agora. Nenhum sinal do loiro metido.
- Hum...- passo minhas mãos suadas em minha calça jeans. - Vou ser expulso? - prendo minha respiração. Minha vida depende da mulher sentada diante de mim com um olhar suave em seu rosto. Mas não preciso de sua pena. Preciso dessa bolsa para conseguir entrar em uma boa universidade e depois dar uma boa vida para meu irmão.
- Não mas será suspenso por dois dias. Não admitimos violência aqui nessa instituição.
- Ele mereceu! - digo entre dentes.
- Ele também foi suspenso fique tranquilo. O pai dele pode ser um grande investidor para essa escola mas não admito bullying aqui.
- Hum....vou ser mesmo suspenso? - suor se acumula em minha testa. Minha mente tentando pensar em diversos lugares onde posso ficar para enganar meu pai. Se ele souber que fui suspenso, será uma desculpa para me tirar da escola.
- As regras se aplicam a todos os meus alunos! - diz firmemente. Não vai adiantar eu implorar. Nunca funcionou até hoje.
- Posso ir embora? - fico de pé me dirigindo para a porta. Antes que eu gire a maçaneta, ela me chama.
- Mathias? - solto um grunhido sem ao menos me virar. - Está tudo bem em casa? - como se quisesse responder por mim, minhas costelas latejam.
- Sim!
- Tem certeza? - tento engolir saliva para aliviar a secura da minha garganta. As palavras querendo vir com tudo mas as seguro.
Se eu me atrever a pedir ajuda para ela. O serviço social será acionado. Perguntas e exames serão feitos. Vão descobrir como é minha vida e vão nos levar para um abrigo. Lá vou ser esquecido até completar dezoito anos e vão levar meu irmão para longe de mim. Eu posso aguentar por um pouco mais de tempo.
- Tenho. Agora posso ir embora? - não espero que diga nada. Saio para o corredor com a mente focada em voltar para a minha sala e pegar minha mochila.
Mas quase tropeço em meus pés quando dou de cara com Jordan, minha mochila a seus pés. A sua pendurada em seu ombro esquerdo. Os olhos castanhos me fitam de cima a baixo. Me controlo para não gritar com ele. Ele não é o responsável por nada que está acontecendo na minha vida.
Sem uma palavra vou até ele e pego minha mochila. E apresso minhas pernas para sair desse lugar. Seus passos são audíveis atrás de mim.
- Obrigado Jordan por pegar minha mochila! - ri baixinho. - De nada Mathias. É o que amigos fazem.
- Não somos amigos!
- Então já é um começo cara!
- Me deixa em paz Jordan! - quase grito. Ele não diz nada até que chegamos ao portão. O guarda observa a nós dois. Suspiro e dou meia volta e vou para a biblioteca onde pretendo ficar até que possa ir para casa.
- Você sabe meu nome!
- Todos sabem! - murmuro comigo mesmo me lembrando que ele é um dos herdeiros das empresas Chercovy. Especialista no ramo da tecnologia.
- Eu sei seu nome e você sabe o meu. - me jogo em uma das cadeiras. A madeira rangendo sob a brutalidade do gesto. Recebo um olhar de repreensão da bibliotecária. Uma senhora de estatura baixa, cabelos curtos e óculos de armação na cor amarela. Sua roupa se resume a um vestido que lhe bate nos joelhos magros na cor verde. Jordan ocupa a cadeira diante de mim.
- E daí?
- Vamos cara. Somos o par perfeito para uma perfeita amizade. - me lança um sorriso de lado.
- Não preciso de amigos! - digo a verdade. Só preciso ser forte para suportar mais alguns anos e enfim serei livre.
- Todo mundo precisa de amigos. - bufa. - Por que com você seria diferente?
- Não sou todo mundo.
- É, não é!
- Vai ficar aqui para sempre? - me forço a falar após meia hora sentado olhando para minhas unhas. Minha mente está no meu irmão que fica aos cuidados da nossa vizinha. Só assim para eu ir para a escola sem me preocupar.
- Você vai?
- O que você quer comigo garoto?
- Ser seu amigo! - se inclina na minha direção. Seu tom de voz ficando muito baixo para as poucas pessoas ao nosso redor ouvirem. - Te ajudar. Quem sabe denunciar a pessoa que deixou essa marca em seu pescoço.
Fico mortalmente parado. Não ouso nem ao menos respirar.
- Não sei do que está falando.
- Olha....
- Só me deixa em paz cara! - cuspo as palavras assim que o sinal ecoa pela escola e muito rápido o deixo para ir para casa.
Não demora muito e o ônibus que passa perto da minha casa surge na esquina. Espero que ele pare rente a calçada e assim que as portas se abrem, subo as escadas. Me dirigindo para o final corredor, me sento na janela a tempo de ver Jordan entrar em um carro que é enorme e prateado. Um homem de cabelos grisalhos e inúmeras tatuagens beija seu rosto e diz algo para ele que fecha o cinto de segurança. Fecho meus olhos quando o ônibus começa a andar.
Salto três casas atrás da minha. Correndo chego na varanda de aspecto desgastado e com escadas que precisam de manutenção urgentemente. O silêncio que me recebe é estranho mas mesmo assim, bato na porta de cor verde e rachada. Mas ninguém me atende. Bato de novo sentindo meu coração parar em meu peito. A porta da casa vizinha se abre um homem baixinho, careca e de sorriso gentil sai para sua varanda. Me olha e depois para a casa na minha frente.
- O que você quer garoto?
- Vim pegar meu irmão, bati mas ninguém atendeu. - minha língua está pesada e o medo tenta me dominar. O homem me lança um sorriso de desculpas e diz.
- Ela saiu tem tempo. A vi levar o menino para seu pai.
Não escuto mais nada. Somente meu coração acelerado. Quase me causando um ataque cardíaco. Não fico para agradecer pela informação, apenas corro. Minha mochila pesada com alguns livros balança para lá e para cá e as vezes acerta minhas costelas mas não ligo. Ele está com meu irmão.
Desde que ela foi embora, tentei de tudo para não deixa - lo com nosso pai. Desde que Matteo nasceu, nunca foi segurado pelo homem que o gerou. Segundo ele disse, aquilo não era seu filho. Então não o deixo ficar muito perto. Tenho medo dele fazer alguma coisa com ele. Já me foi tirado tanto, que não sei o que faria se acontecesse alguma coisa com meu irmãzinho.
Chego arfando em casa, abrindo a porta com tudo. Há bagunça para todo lado e nem me dou o trabalho de falar com o homem sentado segurando sua garrafa de cerveja. Vou direto para meu quarto, onde Matteo está chorando. As bochechas vermelhas, os cabelos ralos despenteados e as perninhas de agitando no ar. O pego apertando - o bem junto a mim. Tento ninar ele para que pare de chorar mas nada adianta. Fecho a porta do meu quarto e vou para a janela. Nosso jardim mais parece uma selva.
- Faz esse moleque calar a boca Mathias ou faço eu!
- Shiuuu Matteo. Não chora, por favor! Não chora! - fecho meus olhos e tento não né derramar em lágrimas com ele.
Ele se retorce em meus braços. O choro aumenta. Olho para seu rostinho pequeno e os olhinhos bem menores que o normal mas isso não o faz diferente para mim. Matteo é perfeito, não importa o que nosso pai diga.
Deito - o com delicadeza em minha cama, abro seu macacão com palhaços espalhados nele e também sua pequena camisa que fica por baixo. Ele fica um pouco mais calmo mas não para de resmungar. Testo sua fralda e descubro o motivo do seu choro desesperado. Ele está muito molhado. Deve estar com a fralda cheia de xixi tem tempo.
- Eu sei que é ruim carinha. Estou aqui, está vendo? - retiro sua fralda suja e pego lenço umidecido limpando - o. Passo uma pomada e coloco uma fralda seca. Seu dedo vai para a boca e o suga com uma força que me destrói. Ele está com fome.
Faço uma muralha dos poucos travesseiros que tenho e o coloco no centro. Seu bichinho de pelúcia apertado nas suas mãos pequenas.
Com passos calmos vou para a cozinha e faço a mamadeira dele. Meu corpo é como um pedaço de madeira, de tão tenso que estou. Mesmo de costas, sinto seu olhar em mim. O sofá velho range quando sei que se levantou. Minhas mãos tremem mas continuo a lavar o que sujei faz pouco tempo.
- Me dê uma uma cerveja garoto.
- Estou ocupado! - digo bravamente. É muito rápido. Em um piscar de olhos, estou olhando para seu rosto largo, olhos aguados e respirando seu álcool em sua respiração.
- Está ocupado? Com o que?
- Matteo está com fome!
- Aquilo está com fome! E minha cerveja? - aperta meu queixo. Fico quieto, meu corpo se preparando para o golpe.
- Meu irmão...- eu não vejo. Só sinto quando seu punho livre acerta meu abdômen. Sinto ar faltar e lágrimas de dor inundando meu rosto.
- Antes vai pegar minha cerveja! - um resmungo do quarto é o sinal de que logo ele vai começar a chorar de novo.
- Mas...- outro soco, agora no rosto. O gosto do cobre é só o que sinto.
- Agora! - me larga e aos tropeços corto a curta distância entre mim e a nossa velha geladeira e pego seu líquido maldito.
Tremendo lhe entrego.
Não me movo após isso. Ficamos em um jogo de encarar. Quem desvia o olhar é ele que se ocupa em arrancar a tampa do vidro. Mais um resmungo. E não lhe dou a chance de falar mais nada. Corro para meu quarto e após trancar nós dois lá dentro. Pego - o em meus braços e me sento no chão. Sem hesitar, suga vorazmente o bico da mamadeira. Suas mãozinhas tentam se agarrar ao recipiente de plástico.
- Isso carinha! Mama tudo. Desculpa por te deixar sozinho. - seus olhos estão fixos em mim. Sua boquinha trabalhando com força. - Nós vamos sair dessa carinha. Nós vamos.
Digo em voz alta a única promessa que tenho toda a intenção de cumprir com tudo o que sou. Nem que seja a última coisa que faça na vida. Lhe dar uma vida melhor.
25/06/20
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro