1 ano e 8 meses antes

MARI

Eu estava desmoronada. Era como se eu fosse uma casca oca. Não havia mais lágrimas para chorar. Emoções para sentir. Nada. Se algum som passasse por mim agora eu poderia sentí-lo reverberando pelo corpo oco. Eu sabia vagamente o que o meu corpo estava fazendo: alguém pediu para eu sair da casa de show, eu sai. Me avisaram que o bloco já havia acabado há muito tempo. Eu nem havia notado.

Eu peguei o metrô até a estação de ônibus e fiquei esperando. Esperando.

Não fazia diferença.

O ônibus chegou. Eu sentei na minha cadeira e fiquei olhando pela janela sem enxergar nada. Nada fazia diferença agora.

Senti um sopro de ar quando alguém sentou ao meu lado.

Foi mais instinto que qualquer outro sentimento que me fez olhar para o lado.

- Eu não consegui trocar a minha passagem para mais cedo, nem o meu lugar - palavras secas e vazias chegaram até mim.

E aquele olhar de dor fez uma maré de tristeza preencher o meu corpo oco.

- Desculpa - eu comecei a falar, mas ele já havia levantado a mão em sinal para que eu parasse.

- Então é verdade? - ele me olhou nos olhos com raiva.

- Não daquele jeito - eu queria mais que tudo fazer ele entender que no fim, eu tinha escolhido ele, mas como falar sem machucá-lo ainda mais?

Uma pausa.

Silêncio.

- Posso ler? - ele perguntou de repente.

Um som.

Era o meu coração voltando a bater.

Abri apressada o meu celular e abri a história.

Meu coração começou a bater mais rápido e mais alto.

Passei o meu coração para ele. Quer dizer, o meu celular.

Ele segurou.

Eu segurei.

Seu olhar foi da minha mão para o meu rosto. Eu não conseguia decifrar a sua expressão. Se era felicidade, tristeza, ódio, alegria, eu nunca saberia.

Mais uma pausa.

Ele limpou a garganta. Eu soltei o celular temerosa, tinha medo de como ele iria reagir.

Seus olhos se voltaram para a tela e ele começou a ler.

Se ele lesse aquelas palavras ele entenderia, não é mesmo?

Ou se ele lesse seria pior?

Eu não aguentaria aquilo.

Ver ele lendo cada pensamento. Cada detalhe. Nossos momentos juntos expressos com o foco em outra pessoa. JÃO.

Só de pensar nele meu corpo se encolheu. Fechei os olhos. Eu tinha que tentar dormir, a viagem de volta era longa e eu não poderia ficar esperando aquilo acabar, ver cada reação dele ao ler as minhas palavras.

Quando ele lesse que eu pedi desculpas ao Jão (dor) no nosso primeiro beijo.

Que eu fui visitá-lo em Portugal para ver o Jão.

Que eu usava todas as oportunidades que encontrava para ver o Jão.

Que eu tinha beijado o Jão na noite anterior a ele me pedir em namoro.

Jão.

Jão.

Aquela história seria uma maré de Jão. Eu estaria me afogando nele?

Nunca tinha pensado na possibilidade de algum dia ele ler aquelas palavras.

Ele entenderia que eu só o deixara em segundo plano por que aquela história era minha e do Jão? Isso não diminuia a minha história com ele. Ela ainda estava ali, só que menos exposta.

Era. No passado. Meu coração apertou. Como eu poderia ter começado o dia com um namorado e o Jão como amigo e acabado ali? Sem nenhum dos dois.

Eu esperava que ele entendesse.

Eu torcia para que ele entendesse.

A única opção era ele entender.

A história era como um perfil no Instagram, só mostrava o que eu tinha escolhido mostrar, mas eu tinha vivido muito mais que aquilo. Eu tinha sentido bem mais que aquilo. Eu esperava que ele percebesse que eu tinha escolhido mostrar a minha história com o Jão, mas não queria dizer que a nossa história não tinha existido. Eu só tinha escolhido não contar ela.

Eu também gostava dele. Só não havia contado isso ali.

O ônibus partia noite a dentro em direção a Curitiba, deixando uma São Paulo caótica para trás, mas ainda assim, menos caótica que o meu coração.

Cada vez que eu olhava para o lado e via ele lendo aquelas palavras era como se uma pequena agulha entrasse em meu coração. E tinha sido eu a criar cada uma daquelas pequenas agulhas-palavras.

Virei o meu rosto para a janela e me forcei a não olhar para ele novamente. Aos poucos o sacolejo do ônibus me embalou e eu consegui dormir.

Acordei e tudo estava escuro no ônibus, pela janela eu conseguia ver tantas estrelas no céu que nem parecia real. Passar pelo interior fazia qualquer viagem de ônibus de 7 horas valer a pena.

- Pegue o seu celular - uma voz ao meu lado me fez desviar daquele céu estrelado e a realidade do dia anterior me assolou.

- Você terminou de ler? - eu perguntei enquanto pegava o meu celular novamente.

- Eu li o suficiente - ele falou sem qualquer emoção na voz.

- Então esse é nosso fim? - minha voz saiu tão baixa que eu tinha dúvidas se ele tinha me escutado. Mas mesmo com medo da resposta, eu precisava saber.

- Sim, Mari, você me perdeu - ele disse enquanto virava para o lado encerrando a conversa.

JÃO

- Jão, o Pedro me contou o por que do atrasou no bloco ontem, você não acha que foi longe demais com a garota? - a Malu perguntou.

- Malu, eu realmente não quero mais ouvir sobre isso. Por favor. Ela não tinha o direto de expor minha vida assim.

- Nada ali era algo que qualquer fã seu não soubesse - Malu falou enquanto limpava o glitter espalhado por seu rosto.

- Por favor, Malu, eu realmente não estou com cabeça para isso agora. Não estrague meu humor, eu só quero ir dormir tranquilo - falei enquanto ia para o meu quarto. Eu não queria mais saber daquela história. Só queria descansar.

Peguei meu celular e abri o Instagram. Eram tantas marcações de pessoas no bloco que eu mal podia acreditar que tinha feito o meu próprio bloco de carnaval e ainda por cima as pessoas tinham gostado.

Enquanto eu rolava a minha timeline apareceu uma foto da Mari com uma blusa com um coração partido.

"Sobre o Bloco dos corações perdidos: Todos os corações foram partidos"

Respirei fundo e entrei no perfil dela, sem pensar muito, apertei no botão bloquear e fechei o aplicativo. Aquele era o fim de algo que nem deveria ter começado.

- Mari, você me perdeu - eu falei para ninguém especial, enquanto uma melodia começava a surgir em minha cabeça - você foi muito longe para perder o tédio.

______________________________________

Já ouviu o álbum Pirata? Qual a sua favorita?
______________________________________