Capítulo 21 parte 1
LINDA
A cama macia e quente deixava tudo tão confortável! Eu estava pronta para retomar o sono se não fosse as cenas da madrugada começando a lampejar em minha consciência.
Que horas são?
Sentei rápido, já com os olhos abertos.
Pedro dormia no sofá de dois lugares numa posição pouco confortável. Na certa teria dores no pescoço.
Estiquei o braço na direção da mesa de cabeceira até alcançar meu telefone.
— Ai, Jesus! — fiquei de pé em um pulo assim que vi o horário e as chamadas perdidas de Hélio, meu motorista.
Comecei a calçar meu pé com o tênis, dando pulinhos desajeitados, e notei Pedro se sentar devagar.
— Bom dia — Sua voz saiu grave, sonolenta. E minha nossa! O som era agradável!
— Bom dia — com um pé descalço, corri para o banheiro e abri a torneira da pia — Dormi demais. Hélio já chegou.
Enchi minhas mãos com água fria, molhando meu rosto. Também dei uma rápida bochechada.
— Não precisa correr. Ele pode esperar.
O problema não era fazer Hélio esperar. O problema era meus colegas da Roads acordarem e eu ter que encará-los depois de ter passado a noite no quarto com Pedro. Se eu fosse embora antes, seria poupada da vergonha. Já que o falatório seria impossível evitar.
Juntei meu cabelo embolado em um coque preso com minha própria mecha. Nem me atrevi a reparar demais no espelho, pois eu sabia que meu visual não estava nada legal. Voltei para o quarto a procura do outro par de tênis. Não o encontrando, me abaixei para olhar debaixo da cama. Não avistei nada, mas escutei Pedro pigarrear. Ainda no chão, olhei para cima e o vi sorrir um sorriso lindo, a cara amassada de sono, e meu Nike em sua mão.
— Procurando por isso, Cinderela?
Tive que rir e, quando voltei a ficar de pé, ele apontou para que eu me sentasse no sofá. Obedeci, ainda aflita para ir embora, porém interessada em seu ato gentil.
— Vai me calçar, Pedro?
Ele foi se ajoelhando na minha frente.
—Pra isso acontecer, preciso te tocar. Posso?
Agora, além de interessada, eu estava hipnotizada.
— Você pode me tocar... — pigarrei, sem conseguir desviar meus olhos dos seus. — Quer dizer, tocar o meu pé.
Ele me fitou por mais alguns segundos e, sorrindo, abaixou cabeça para ajeitar a minha meia, que já estava em meu pé. Devagar, colocou o tênis, fez o laço sem pressa e ergueu a cabeça, mantendo o semblante.
— Obrigado pela noite, Linda.
Ele estava me agradecendo pela noite, sendo que deveria ser o contrário. Eu que deveria agradecer por ter sido protegida e ouvida!
Sem jeito e sem saber o que dizer, fiquei de pé.
— É, foi uma noite legal — coloquei meu telefone no bolso da calça, agora evitando contato visual como uma covarde. — Preciso ver se a Sushi já acordou.
A casa estava silenciosa enquanto Pedro me acompanhava até meu quarto. Dei uma batidinha na porta, supondo que Ami já estivesse acordada, e girei a maçaneta. Quando tive a visão de dentro do quarto, detive os passos.
Minha amiga estava deitada e parcialmente coberta, o braço e a perna expostos mostravam que só trajava calcinha e sutiã. Por coincidência, ela se espreguiçava, abrindo os olhos, acordando. Ela me viu, viu Pedro e se atrapalhou toda para se esconder.
Mas, o que me chocou de verdade foi ver que ela não estava sozinha.
Rup, pouco vestido também, adormecia esparramado ao seu lado.
— Arri-égua — fechei a porta depressa, virando de frente para Pedro — Você viu o que eu vi? A Sushi, a minha Sushi...
Pedro sorria com sobrancelhas levantadas.
— Sua Sushi virou um sashimi.
Fiquei, literalmente, de queixo caído com seu comentário, porém, logo tampei minha boca com as mãos para conter a risada.
— Caramba, Pedro! Eles poderiam ter ao menos trancado a porta! — cochichei aos risos.
Esperei mais um pouco para bater na porta de novo. Dessa vez sem abri-la, é claro. Em seguida, falei contra a madeira, pedindo para Ami descer com minha mala.
Eu que não entraria naquele quarto de novo!
Pedro disse que daria uma passada na cozinha. Não o acompanhei e fui para fora.
Há uns metros de distância, acenei para Hélio, que estava de pé ao lado do carro. Depois me sentei no alto da escada da varanda, esperando minha amiga chegar com nossas malas.
Eu sabia de pouca coisa de seu passado com Rup e até torcia para que os dois se acertassem. Só não imaginei que eles acertariam as diferenças como naquela canção sertaneja antiga, onde o casal briga de dia e de noite se amam.
Vishe! Meus olhos virgens não precisavam daquela surpresa logo tão cedo!
Pedro saiu do casarão e se sentou do meu lado, estendendo um pêssego para mim.
— Toma. Se pegar estrada de estômago vazio vai acabar passando mal.
Ele estava certo: meu estômago vazio e estrada não era uma boa combinação.
— Hum — aceitei, em dúvida de como lidar com seu jeito atencioso. — Obrigada.
Olhei para a fruta em uma das minhas mãos. Era aveludada e graúda. Eu nem estava com tanta vontade de comer, mas eu sabia que precisava ingerir algum alimento. Entretanto, antes de morder o pêssego, lembrei-me que precisava confessar mais uma coisa. A última.
Voltei a encarar o garoto sentado ao meu lado.
— Pedro, olha, — respirei fundo antes de disparar a falar sem pensar demais — desde que nos conhecemos, passamos uma boa parte do tempo nos desentendendo, o que foi muito chato, mas preciso falar que todos os momentos em que tivemos uma trégua foram especiais para mim. Gosto quando somos amigos e estou falando isso porque sentirei sua falta no próximo ano na escola.
Terminei e imediatamente me senti tão idiota por ter confessado aquilo, que desviei o olhar para além dele, mordendo o pêssego. O sumo da fruta escorreu da minha boca e antes que eu percebesse, Pedro segurou meu queixo, me limpando e atraindo de volta a minha atenção ao seu rosto.
— Vai ser difícil não ver você todos os dias. — Sua palma acariciou minha bochecha, escorregando até a nuca. — Eu deveria ter sido legal com você desde o início, desde aquele jantar em que nos conhecemos. A verdade foi que eu não soube como agir porque não estava preparado para tudo que senti quando te vi pela primeira vez. Eu nunca tinha visto uma menina tão linda.
— Pedro — surpresa, soprei seu nome.
— Linda, — disse sério — será que eu posso...
Me beijar? Ele vai me beijar? Beijar aqui, com meu motorista por perto?
Meu coração acelerou ainda mais.
E daí se tem alguém por perto? Quero muito ser beijada por Pedro desde o primeiro dia!
Seu rosto veio em direção ao meu em câmera lenta. O calor de nossas respirações se misturando, sua mão apertando minha nuca, trazendo-me para perto. Estávamos quase... e a porta se abriu.
Sobressaltei e olhei para trás. Uma Ami vestida saiu para fora, seguida por Rup, também vestido e carregando nossas malas em suas mãos. Pedro se levantou para ajudá-lo. Também me levantei. E assim os dois seguiram até o carro, onde Hélio já os aguardava com o porta-malas aberto.
Ami e eu ficamos lado a lado, observando-os.
— Sushi, você gostaria de ficar? Você não precisa ir embora agora.
— Eu vou. — Ela respondeu rápido, nós duas ainda olhando para frente. — É melhor assim.
— Quer falar sobre sua noite?
Escutei-a pigarrear.
— Talvez mais tarde.
Com as malas guardadas, os garotos caminharam em nossa direção. Ela e eu terminamos de descer os degraus e, quando nós quatro nos encontramos, Rup segurou Ami pela cintura, arrastando-a há uns passos para beijá-la.
Sem graça, desviei o olhar, mas Pedro segurou minha mão, entrelaçou nossos dedos e me acompanhou até carro. Ao mesmo tempo que esse gesto pareceu natural, como se fosse a coisa certa de acontecer, também causou um redemoinho de boas sensações em mim.
Hélio havia deixado as portas abertas e, para nos dar privacidade, já estava sentado em seu posto, perante o volante.
Antes de eu entrar no veículo, Pedro parou na minha frente, ainda segurando a minha mão. Seus dedos brincando com os meus.
— A gente se vê. — Falei só para ter algo para falar quando, na verdade, o nervosismo me consumia da cabeça aos pés.
Ele sorriu afetuoso, percebendo meu estado, então se aproximou mais e beijou a minha testa devagar.
— Sim, a gente se vê em breve, Linda. — Sussurrou e deu passo para trás. Aspirei todo ar possível, entrando no carro. Antes de fechar a porta, ele disse: — Termine de comer o pêssego.
Eu tinha me esquecido completamente da fruta que segurava. Meio abobalhada, ri enquanto ele se afastava.
O som do carro estava ligado. White Flag da Dido começava a tocar bem baixinho.
Eu costumava deixar que Hélio escolhesse a trilha sonora. O motorista da minha família possuía várias playlists com músicas dos anos dois mil. Eu adorava.
Não demorou muito para que Ami entrasse pela outra porta.
O carro deu partida e, tanto eu quanto minha amiga olhamos para os garotos, que estavam ao pé da escada da varanda.
— E você? Quer falar sobre sua noite? — Ami perguntou baixo.
— Nada do que você está pensando aconteceu. — Virei minha cabeça na sua direção. — Já a sua noite, sei não, viu?
Levantei as sobrancelhas.
Ami deixou escapar um riso, em seguida, fechou os olhos, encostou a cabeça no banco e começou a cantar junto com a Dido.
— ... But I will go down with this ship and I wont't put my hands up and surrender... (Mas eu afundarei com esse navio e não vou levantar as minhas mãos e me render...)
Segurei a mão da minha amiga e, assim como ela, descansei uma cabeça no encosto do banco, cantando também.
— ... There will be no white flag above my door. I'm love and always will be. (Não haverá bandeira branca acima da minha porta. Estou apaixonada e sempre estarei).
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