Capítulo 19 parte 2
LINDA
Cinco minutos foram o bastante para me acalmar. Andei de um lado para o outro, entre as duas camas de solteiro que ocupavam o espaço do quarto em que Ami e eu estávamos hospedadas. Organizei meus pensamentos e planejei como me comportaria na presença indesejada de Hermann.
Eu tinha motivos para reagir daquele jeito. Não era exagero. Passei toda a infância e o início da adolescência observando homens da mesma estirpe do meio-irmão de Rup. Inconvenientes, assediadores profissionais, que escolhem suas vítimas e que as fazem parecer vilãs.
Por isso eu precisava assentar as ideias. Não tive dúvidas que havia me tornado alvo de Hermann desde a primeira vez que seus olhos bateram em mim. Eu o odiei. E eu odiava sentir ódio de alguém. Um sentimento desgastante demais que roubava a minha energia. Entretanto, antes este fosse o único problema pelo qual eu passava. Outro desafio era segurar meu impulso de desprezá-lo na frente dos outros. As pessoas não entenderiam se eu me comportasse com implicância, eu corria o risco de colocar em jogo a minha reputação de pessoa sã. Eu não seria a louca com mania de perseguição. Foi custoso conseguir amigos na Roads e eu não os perderia por causa de um imbecil.
O melhor a ser feito era evitar ficar sozinha naquela fazenda. Nisso eu já tinha falhado logo de cara ao não suportar a aparição de Hermann e sair da presença de todos. Mas tudo bem. Eu não demoraria para estar de volta a roda de conversa com pessoas seguras. Bastava só agir naturalmente.
Então saí do quarto com o intuito de ter sempre alguém comigo. Aproveitei que, para chegar à fogueira teria que atravessar a cozinha, e fui pegar uma garrafinha de água na geladeira. Minha garganta estava seca devido ao meu estado emocional e, além do mais, não beberia nada que eu não tivesse que deslacrar antes. Preferia pecar pelo excesso de cuidado.
O problema foi que subestimei meu novo inimigo. Predadores não perdem tempo. Gente ruim pode até ser sutil em fazer sua ruindade, mas com o tempo, vão ficando mais à vontade, descarados.
Bastou um pequeno instante de costas, no ato de fechar a geladeira e virar em direção a porta de saída, para que o idiota se materializasse na minha frente. Perto demais para meu gosto. Não pensei que me colocaria em risco por causa de alguns segundos de costas. Droga!
As aulas de etiqueta com minha avó me ensinaram que a postura adequada delimita o nosso espaço pessoal, e se o outro insiste em ultrapassar essa fronteira, provavelmente seja porque tenha más intenções.
Ali estava um exemplo vivo de invasão maldosa. O sorriso confiante demais e os olhos em chamas.
Meu corpo inteiro arrepiou em pavor.
— Quero falar com você. — Ele colocou as mãos pouco acima dos meus quadris, me colando ao seu corpo.
Na mesma hora me desvencilhei de seu toque ao dar um passo para o lado.
— Pode falar, — fiz questão acentuar rispidez na voz — mas fala longe!
Não demorei em me afastar mais, dando a volta pela ilha da cozinha rumo a porta que dava para o jardim. Mas Hermann tomou a direção oposta com rapidez, me alcançando no meio do caminho. Na mesma hora entendi tudo e tentei me desvencilhar outra uma vez. Só que não tive sucesso.
Minha garrafa de água caiu no chão quando seus braços rodearam a minha cintura com força. Retorci-me naquele aperto ruim, lutando em vão, enquanto recebia uma porção fungadas e beijos nojentos em meu pescoço.
— Você está uma delícia hoje. — Rosnou como um louco. — Só estou aqui por sua causa.
Bastava gritar que alguém viria até nós. Um grito alto seria o suficiente. Tentei. Tentei outra vez com mais esforço e nada além de um ruído baixo saiu dos meus lábios. Uma coisa esquisita parecia estar presa em minha garganta, como nos pesadelos que eu costumava ter, onde eu abria a boca e o som não saía.
— Me solta. — Foi o que consegui murmurar enquanto me debatia.
Eu sabia que ele não iria muito longe. Estávamos a poucos metros das outras pessoas, mas, ainda assim, a situação era desesperadora.
— Estou de olho em você há um tempo, sabia?
Solucei um choro dolorido sem desistir de me livrar daquele aperto em volta do meu corpo, mantendo o meu rosto sempre em movimento, principalmente a minha boca.
O meu primeiro beijo não seria dele!
— Vou gritar. — Era um blefe, porque nem voz eu tinha. — Me solta, Hermann.
— Só mais um pouco... já vou parar...
— Não — implorei com raiva de mim mesma por ser tão fraca.
Abruptamente ele se afastou de mim. Foi o que pensei a princípio, porque na verdade, alguém o puxou pela camisa.
— Ela disse não, filho da puta! — um Pedro muito colérico surgiu no meu campo de visão. Eu já o tinha visto irritado algumas vezes, mas aquela expressão era diferente. Fúria transbordava em seu olhar enquanto ele encurralava Hermann numa parede. Sem demora, deferiu um soco na boca do estômago do infeliz. — Sempre te achei um pedaço de merda.
Mesmo assustada, percebi a presença de Alejandro também, que se encontrava um pouco mais afastado. Porém, os sons de socos seguidos por urros de dor voltaram a chamar minha atenção.
Apesar de ter apenas dezoito anos, Pedro era mais encorpado que o meio-irmão de Rup. Ele tinha ganhado músculos ao longo do último ano devido a prática de canoagem. Sua resistência física e força estava em dia, não dando chances ao outro que, mesmo sendo mais alto, não conseguia revidar.
— Tá gostando da sensação de ser encurralado? — meu defensor perguntou, cessando os socos na barriga e apertando o pescoço do abusador. — É bom se sentir impotente, não é?
— Pedro... — sussurrei depois de um tempo, quando percebi que a asfixia estava além da medida.
Alejandro também percebeu, me lançando uma olhadela preocupada para em seguida, se aproximar deles.
— Ei, cara. Chega. — Bateu no ombro de Pedro.
— Eu vou matar esse desgraçado!
— Não vale a pena. Pare, Pedro — Alejandro se fazia de calmo, mas era só por cautela. Dava para ver a tensão em todo corpo.
— Vale sim. Vale muito!
A determinação na sua fala fez com que minha letargia evaporasse imediatamente.
Eu sabia muito bem o que era vivenciar esse tipo de anseio, o mesmo anseio que nos torna céticos quanto a justiça executada dentro das leis humanas. O mesmo anseio que nos leva a eliminar nossos problemas sem pensar nas consequências, que nos mantém alimentados por pouco tempo, mas depois, quando o furor vai embora, vemos que nos tornamos iguais àqueles que nos fizeram mal.
Aproximei devagar.
— Não vale, Pedro. — Falei baixo, com medo, mas ciente de que era ouvida. — É um fardo muito pesado ter as mãos sujas de sangue. — Um calafrio atravessou meu corpo. — Por favor, pare.
O enforcamento continuou mais um tempo até que, por algum milagre, ele deu um passo para trás, abaixando suas mãos. Hermann fez som de engasgo enquanto deixava seu corpo escorrer pela parede até se sentar no chão.
Num impulso, avancei até meu herói, abraçando-o, agradecida por ele ter me defendido e por não ter assassinado alguém. Seus braços me apertaram e seu queixo repousou sobre o topo da minha cabeça, dando-me aconchego. Esse era o calor que eu precisava. Nem me preocupei se pareceria estranho estar grudada a ele pelo tempo que eu quisesse, eu ficaria daquele jeito até sentir que estava segura de novo.
Infelizmente o fim do nosso abraço aconteceu mais rápido do que idealizei quando Pedro soltou uma ordem.
— Chame seus pais e a polícia, Alejandro. Vamos fazer uma denúncia.
Levantei meu rosto para encará-lo.
— Não.
— Como não? — estreitou os olhos após me ouvir.
Desfiz nosso contato, dando um passo para trás. Pedro queria fazer a coisa do jeito certo, quanto a mim, só queria poder voltar no tempo e não ter saído de perto dos meus amigos ao redor da fogueira. Se fizéssemos do jeito dele, a festa acabaria por minha causa. A relação de Rup com o meio-irmão ficaria estremecida ou, na pior das hipóteses, Rup poderia não acreditar no que havia acontecido, poderia me ver como a provocadora da situação. Eu não seria apenas a causadora por acabar com a diversão do final de semana, como também dividiria opiniões entre amigos. Porque sim, Alejandro e Pedro viram com os próprios olhos a moléstia de Hermann, mas os outros não.
Alejandro, que nunca me pareceu uma pessoa perceptiva, me surpreendeu quando tomou a frente da situação ao notar a minha insegurança. Ele caminhou determinado até o abusador, forçando-o a se levantar pelos ombros.
— Você três minutos para vazar daqui. Se enrolar, farei o que Pedro quer e chamarei a polícia.
— Porra, acabei de chegar — Hermann ainda teve a ousadia de tentar convencer o anfitrião — Ruprecht vai achar estranho. Ele telefonou, pedindo para eu vir...
— Não tô nem aí, cara — interrompeu, tocando o outro com tapas no braço — Vamos! Cai fora!
Assim, ele o enxotou da cozinha.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro