Capítulo 18 parte 1
PEDRO
Era interessante ter Linda nos ensaios. Estávamos acostumados ser só a gente, caras falando bobagens e comportando feito idiotas. Embora meus amigos e meu irmão não parecessem retraídos com a presença dela, a diferença era que agora eles filtravam suas ações e o linguajar.
Depois que a encontrei naquela situação estranha com Hermann, e a forma como reagi, pensei que as coisas ficariam mais tensas entre nós. Mas Linda deixou passar. Sinceramente, eu ainda sentia raiva toda vez que lembrava de como os flagrei. Poderia até soar machista, mas não importava se ela havia dado consentimento para o babaca do meio-irmão do Rup se aproximar ou não; o aperto em meu peito continuaria o mesmo em qualquer uma das hipóteses. Entretanto eu não poderia ser tão idiota e pensar só em mim. Passei a ficar mais atento toda vez que Hermann estava por perto, só por precaução.
De ensaio em ensaio Linda e eu ficávamos um pouco mais à vontade um com o outro. Seu foco em cantar do jeito certo ajudava o meu próprio foco em tocar minha guitarra. Em um ou outro momento de descontração ela interagia com a gente sem afetação ou frescura. Eu já sabia que ela era assim: aquela amiga que ria junto com a gente, que não se ofendia com facilidade e conseguia entrar na brincadeira, soltando suas pérolas.
Desconfiei que, no fundo, meus amigos começaram a alimentar uma paixãozinha platônica por ela. Qual adolescente não ficaria meio abobado ao receber atenção de uma bela garota de olhos verdes?
Linda nem se dava conta disso. Ainda bem. Talvez por isso tive uma forte inclinação em acreditar que Hermann forçou algo com ela.
Nossa primeira, e penúltima, apresentação aconteceu em um dos intervalos da escola. Apesar de meus amigos e eu estarmos em clima de despedida, sentíamos seguros. Por sua vez, a Jaguncinha andava de um lado para o outro, pálida e assustada. Ela não parava de cantarolar. Era baixo, quase um resmungo.
Nico, enquanto afinava o baixo, sorriu irônico e perguntou:
— Ei, Lindinha, o que está cantando?
Ela deteve os passos para responder.
— Alejandro.
— O que foi? — Alejandro se manifestou, pensando que ela queria falar com ele.
— Não te chamei. — Mesmo nervosa, riu. — Estou cantando Alejandro da Lady Gaga.
— Por quê? Pra aquecer a voz? — Rup entrou na conversa. — Não faz parte do repertório.
— Bem, eu gosto dessa música. Me acalma.
— Uma música com meu nome, hein? — Alejandro levantou as sobrancelhas, sorridente.
— Não fique convencido. Conheço essa música há mais tempo que conheço você. — Ela se sentou ao lado do baterista, pegando uma das baquetas que ele segurava. — E outros nomes são cantados em Alejandro.
— Ah é? — ele se mostrou interessado.
— Aham. Lady Gaga fica cantando Alejandro, Alejandro, Alejandro, mas uma solta um Roberto, depois um Fernando aleatoriamente.
Rup gargalhou, chamando nossa atenção. Poucas vezes vimos o vimos ser espontâneo assim.
— Roberto em alemão é Ruprecht — se explicou entre risos — e Fernando é o segundo nome do Nicolas.
Linda cobriu a boca com uma mão.
— Valha! Que coincidência! — se expressou com os olhos arregalados. Ela ficava muito bonitinha quando deixava escapulir gírias cearenses.
— É o destino... ou seu subconsciente dizendo que você nos venera. — Alejandro piscou.
Sem dar importância a amolação do nosso baterista, ela foi logo me encarando.
— Ela só não menciona seu nome, Pedro.
— Tudo bem. — Tive que sorrir.
— Quem sabe um dia a Mother Monster se inspire no seu nome.
Apenas afirmei com a cabeça sem perder o sorriso.
— Podíamos acrescentar no repertório. — Alejandro falou enquanto pegava a baqueta da mão de Linda para batucar nas próprias pernas.
Assim, os dois ficaram cantando o refrão de Alejandro até no momento de subirmos ao palanque do pátio externo da escola.
Quando Linda pegou o microfone, abraçou o nosso repertório rock indie com facilidade. Nem parecia que minutos atrás cantava e conversava sobre uma canção pop.
Junto com o final do ano letivo, chegou meu aniversário. Fazer dezoito anos deveria me empolgar e querer extrapolar na comemoração, só que eu não estava com ânimo para festança. Não depois de um semestre tenso na espera de ser aceito em alguma universidade. Tudo que eu queria era um dia tranquilo. Por isso, no meio de um ensaio, chamei os caras para ir à minha casa jogar videogame e comer alguma coisa. O convite foi geral, o que incluía Linda também. Fiquei sem saber se ela entendeu que não ficaria de fora, pois tudo que vi foi ela desviar o olhar e fingir ajustar a altura do pedestal do microfone.
Quis muito que ela aparecesse, até pensei em ser mais direto, reforçando o convite olhando em seus olhos, mas pensar na conversa que tive com Ami me barrou. Por mais que as coisas entre a Jaguncinha e eu estivessem um pouco melhores por causa da banda, ainda não estávamos tão à vontade um com o outro.
No sábado do meu aniversário recebi meus amigos. Tudo estaria tranquilo se não fosse a expectativa de ver Linda atravessar a porta da minha sala a qualquer momento. As horas passaram e fui perdendo a esperança de que ela viria quando o interfone tocou. Tentei não sorrir com sensação de satisfação, porém, ansioso demais para esperar ela vir até mim, me afastei dos meus amigos e fui para o hall da entrada. Lá encontrei tio Luís e tia Shari cumprimentando meus pais, mas nada de Linda.
Enfim tive que conformar que ela não viria.
Uma hora depois, enquanto todos comiam bolo, subi até meu quarto decidido a fazer uma ligação para ela. Mesmo admitindo viver um conflito interior entre desejá-la e afastá-la, eu só faria dezoito anos uma vez na vida. Que mal tinha em me dar de presente o som da sua voz?
Sentei na minha cama com o telefone na mão quando tio Luís apareceu na porta, segurando um embrulho retangular e achatado.
— Pedro — falou em tom passivo.
— Oi, tio.
— Posso entrar?
— Claro. — Fiquei de pé e apertei a minha nuca em sinal de nervosismo. Nunca fiquei tenso com a presença dele, afinal Luís era meu tio de consideração e me conhecia desde que nasci. Mas agora ele tinha uma filha por quem eu estava muito atraído.
— Pra você. — Disse, estendendo o embrulho.
Sem graça, sorri e peguei o objeto.
— Outro presente? — levantei as sobrancelhas, pois ainda nem tinha aberto a sacola que tia Shari me entregou quando chegou.
Comecei a rasgar o papel e ele respondeu:
— Esse é o da Linda.
Congelei por um segundo, olhando para aquilo que estava em minhas mãos. Por fim, saí do torpor para analisar o presente semiaberto. Tudo indicava que era uma tela sem moldura. Terminei de desembrulhá-la e fiquei surpreso com o que vi.
Uma mistura de cores, traços, e até colagens, com todas as coisas que faziam parte da minha vida. Uma imagem de um violão, uma canoa, remos, pinceladas de um céu e um rio azul, incluindo um sombreado da fórmula da Análise Combinatória.
— Nossa! — expressei depois de um tempo. — Isso está incrível.
— Ela ficou semanas se dedicando ao seu quadro.
Essa revelação me fez encará-lo. Meu tio estava com as mãos no bolso da calça, observando-me com atenção.
— Ela tem talento. — Confessei baixo, mais para mim mesmo do que para ele.
O elogio fez meu tio conter um sorriso. Ele sabia que Linda era talentosa e, com certeza, falava elogios a ela como todo bom pai. Em seguida, ele se sentou na minha cama, depois passou a mão pelo cabelo grisalho, talvez um pouco reticente, mas sem perder o trejeito de uma pessoa madura.
— Minha filha gosta muito de você. — Disse, então, me encarando. — Gosta tanto que três meses atrás nos pediu permissão para contar algo sobre nossa família a você. Não sei por que, de uma hora para outra, ela desistiu. Não intrometo em certos assuntos da sua vida, costumo deixar essa função para Shari. — Suspirou de um jeito triste, porém, conformado. — Por mais que a Linda tenha evoluído desde que a adotamos, ela ainda tem dificuldade em se socializar com o sexo oposto, mesmo comigo, que sou seu pai.
— Como o senhor disse, ela tem evoluído.
— Eu sei e sou grato por você, seu irmão e essa coisa de banda, ensaios... ela está bastante animada. — riu — Mas estou aqui para contar o que ela te contaria três meses atrás.
— O que seria? — interessado, coloquei a tela sobre mesa e me sentei em minha cadeira gamer.
Ele esperou que eu fizesse tudo isso antes de responder minha pergunta.
— Shari está grávida.
— O quê? — ainda bem que eu estava sentado.
Ele abriu um sorriso satisfeito e acrescentou:
— Grávida de gêmeos.
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