Capítulo 17 parte 1
LINDA
Eu estava animada. De verdade. Era o meu primeiro ensaio. Depois de passar dois dias ensaiando sozinha o repertório que Ruprecht tinha me enviado, eu estava pronta para encarar o desafio. E empolgada!
Quando meu amigo fez o convite para substituí-lo no vocal de sua banda, aceitei sem hesitar. Foi fácil dizer sim pois era uma coisa que eu gostava e acreditava. Se antes eu via toda forma de arte apenas como um bem de luxo, algo não essencial para os humanos, agora a arte tinha se tornado muito mais do que entretenimento.
Além disso, era a primeira vez que não me sentia insegura por estar em um lugar só com garotos. Não estava sofrendo por antecipação como costumava acontecer.
Pode parecer besteira, mas entendam uma coisa: quando se cresce em um ambiente onde o sexo oposto é pintado como o grande vilão das mulheres, alguma coisa se distorce em nossa percepção. Antes da adoção, eu vivia me perguntando que, se os homens não prestavam, por que então minha mãe e minhas irmãs caíram nas graças deles? E mais: como elas se permitiam serem seduzidas pelo "inimigo" constantemente?
Sendo a caçula, existiam erros em minhas irmãs que eu não admitia repeti-los.
Estar com os Montenegro desmitificou toda baboseira que minha família biológica enfiava no meu cérebro. Cérebro no qual era jovem demais e, por sua vez, entendia tudo de modo muito literal. Não quer dizer que após a adoção fechei os olhos para as maldades das pessoas e encontrei bondade em todo mundo, pelo contrário, pois em meu primeiro ano na Roads pude experimentar a maldade gratuita de ambos os gêneros. A diferença estava em conviver com bons exemplos. Shari e Luís eram os responsáveis por me dar uma nova visão, de encontrar o equilíbrio. Amadurecer. Entender que cada um é cada um. Em todo lugar existem serem bons e ruins.
Pois bem.
A respeito do meu primeiro ensaio, a única coisa que me afetava um pouco — se eu pensasse demais — era estar num mesmo ambiente que Pedro. Vê-lo com Any no dia da excursão doeu, porém, ao menos serviu para que eu acatasse sua vontade de não sermos mais amigos. Ironicamente, pouco adiantou ele fugir de mim, pois agora teria que lidar comigo nos ensaios e em duas apresentações. Enfim, problema dele! Eu não deixaria de fazer o que tinha vontade só porque ele quis me tirar da sua vida. Ele que engolisse a minha presença até a International Food Fair da Roads, onde a banda faria a sua última apresentação. Depois disso, ele, Rup e Alejandro seguiriam para suas respectivas universidades, cada uma em um lugar diferente do mundo.
Cheguei na casa de Rup uns minutos mais cedo para podermos ajustar os tons de algumas canções. Assim que fui recebida pelo meu amigo, seguimos direto para área de lazer. Ele me explicou que uma antiga casa de hóspedes tinha se transformado em um estúdio para que ele pudesse dar sossego para o resto da família.
No meio do caminho, enquanto cortávamos caminho passando pela cozinha, vi um rapaz escorado na bancada central com uma lata de energético na mão.
Rup parou para nos apresentar.
— Hermann, esta é a Linda, minha amiga da Roads. Linda, este é meu irmão.
Eu sabia que eles não eram irmãos de sangue. Ami havia me contado que os pais de Rup se divorciaram quando ele era pequeno. Sua mãe se casou novamente com Jonas, pai de Hermann.
— Olá, Hermann — meneei com a cabeça, cumprimentando-o e fingindo que não sabia como aquela família havia se formado. Não era da minha conta, afinal.
— Olá, Linda. — Ele estendeu a mão.
Imediatamente tive vontade de esconder atrás do meu amigo como um bicho do mato. Algo no sorriso de Hermann e no jeito que pronunciou meu nome não me agradou.
Contrariando a mim mesmo, agi com educação. Dei um passo à frente e o cumprimentei com o mínimo de contato físico. Odiei a maneira que nossas palmas deslizaram uma na outra. Arrepiei de ojeriza. Eu esperava, com toda sinceridade, que essa sensação fosse apenas uma cisma da minha parte.
Ironicamente, eu não estava com medo de ficar trancafiada num estúdio com quatro garotos pelas próximas horas, mas os segundos de interação com o meio-irmão de Rup me instigava a refletir sobre o tipo de gente que eu deveria manter a distância.
O incomodo durou pouco, pois enquanto contornávamos a área da piscina, mais curiosa eu ficava sobre o tal estúdio. É claro que fui surpreendida quando adentrei no local. Parecia coisa de cinema, ou melhor, parecia cenário daqueles documentários de músicos famosos que mostram a produção de um álbum.
Girei em meu próprio eixo, olhando tudo com fascinação e falei:
— Este lugar é demais!
— Eu sabia que iria gostar.
Estreitei os olhos, suspeitosa.
— Isso aqui não pode ser só um passatempo para você, Rup.
Ele riu sem graça, coçando a nuca, ao dizer:
— Minha família acha que é.
— Mas, mesmo assim, concordaram em fazer um estúdio.
— Porque sou um pé no saco de tão insistente. E muito barulhento também. — Rimos e ele foi na direção de um teclado-sintetizador, sentou-se, arrastando um outro banco para seu lado. — Vem. Senta aqui. Vamos ajustar as tonalidades.
— Você escolheu estudar engenharia elétrica na Alemanha. — Caminhei para me acomodar ao seu lado ao mesmo tempo em que falava. — Acho que entendi o seu plano.
— Garota esperta. Longe da minha família, posso virar um músico de verdade.
— Você já é um músico de verdade, Ruprecht Vogel. Viu? Até seu nome soa grandioso! Nem vai precisar de nome artístico.
Ele olhou para o meu lado e confidenciou:
— Com o curso de engenharia terei mais conhecimento para ter um estúdio.
— Então você quer ser produtor musical? — perguntei, incentivando-o a dizer mais sobre seus planos.
— Não tenho pretensão de me tornar celebridade. Quero me dedicar a guitarra e a composição nos próximos anos, ser contratado como guitarrista para algumas turnês de algum cantor de nível internacional, fazer meu nome como músico de suporte. Se nos próximos anos eu começar uma banda, não tenho grandes ambições em relação a fama até porque não planejo ficar na estrada por muito tempo. Quero saber a hora de parar e, enfim, me dedicar ao meu próprio estúdio, me tornando um produtor musical.
Encarei-o com admiração. Eu entendia o que era ter um plano sem ser necessariamente uma grande ambição. Nada de sonhos megalomaníacos, apenas ser feliz e ter paz consigo mesmo fazendo o que gosta.
Seria muito mais fácil se eu me apaixonasse por ele.
Não! Pensando bem não seria mais fácil coisa nenhuma! Porque havia Ami e uma história mal contada entre os dois. Eu ficaria de fora dessa confusão!
— Isso... — pigarrei, aniquilando meu pensamento maluco. No entanto, era impossível não ser afetada por sua gentileza e beleza — ...isso é um bom plano.
— É. A gente trabalha com as ferramentas que tem. — Sorriu com um pouco de timidez, porém, logo recuperou a confiança. — Vamos cantar?
— Vamos.
— Que tal começarmos com algo mais lento?
— Claro. Bizarre Love Triangle na versão do Frente!.
— Boa. — Falou enquanto testava os primeiros acordes num som que imitava um xilofone suave.
Quando a introdução da canção começou, comunicamos com olhares e entendi o momento de entrar com minha voz.
A coisas toda soou muito boa. Parecia que fazíamos aquilo juntos há muito tempo. Talvez fosse um tipo de afinidade musical, ou talvez fosse por causa do talento inquestionável de Ruprecht. Não sei. Aconteceu que, olhando em seus olhos cinzas, vi que ele sentia o mesmo que eu. Duas pessoas fazendo algo bonito, ainda que a canção retratasse sobre amores confusos.
Sorri enquanto cantava. Meu amigo sorriu de volta, cúmplice daquele momento único. Ficaríamos assim durante horas se não fosse a chegada de alguém. Nem precisei virar a cabeça na direção dessa terceira pessoa porque eu já sabia quem era. Pedro. Sua presença era inconfundível, mexia com meu sistema nervoso. A calmaria com Rup deu lugar a confusão de sensações que Pedro me causava. Toda vez que ele se aproximava, meu corpo reagia com uma agonia boa no peito, tremores no ventre e mãos suadas. Incrível!
Parei de cantar quando ele se sentou em um banco, no lado oposto onde eu estava, porém em meu campo de visão. Travada, Rup também parou de tocar, cumprimentou o amigo e perguntou por Nico.
— Nico virá direto da aula de esgrima. — Respondeu, pegando o violão que estava a sua esquerda e afinando-o. — Legal essa versão de Bizarre Love Triangle no teclado, mas se formos apresentá-la, ainda prefiro voz e violão. Soa menos inocente.
— Estávamos apenas ajustando o tom e testando o repertório na voz de Linda.
Pedro ouvia o amigo ao mesmo tempo em que recomeçava a tocar a canção. Então ele me encarou, sério, com uma pitada de irritação.
— Essa música não pode ser cantada com inocência. Se trata de um triangulo amoroso. Uma pessoa que tem dúvidas, que tem medo de machucar alguém porque, no fundo, sabe que está apaixonada por outro.
Arregalei os olhos e sequei as palmas das mãos na calça.
Poxa vida!
Escutei Rup segurar uma risada.
— Calma, Pedro. Provavelmente nem vamos apresentar essa música. Estávamos só testando a voz da Linda.
Pedro continuou a me encarar e, dedilhando a introdução, ordenou:
— Cante.
Por impulso, cantei. Escorreguei na melodia da primeira frase devido a surpresa, mas engrenei rápido.
Diferente da primeira vez, onde havia uma aura fofa, agora eu entoava com uma pitada de acidez.
Qual das duas versões eu preferia? Eu não sabia. As duas mexiam comigo. A primeira se tratava da arte pela arte, aquela que não precisa de justificativas, sendo bela por si só. A segunda versão estava repleta de significados diretos. Era literal e cruel.
Enquanto com Rup consegui engrandecer, enobrecer e reforçar uma relação de confiança. Com Pedro, eu me debatia em sentimentos viscerais. Eu queria esmurrá-lo, beijá-lo, mordê-lo, arranhá-lo, lambê-lo. Tudo ao mesmo tempo. Dar o melhor e o pior de mim.
Ao menos eu sabia que estava longe de viver um triângulo amoroso. Ruprecht Vogel, apesar de lindo, era apenas meu amigo com quem eu tinha uma química artística.
Mas, ainda assim, meu problema amoroso em relação a Pedro estava cada vez mais bizarro.
Essa versão de Bizarre Love Triangle é a cara de Linda
[Deveria haver um GIF ou vídeo aqui. Atualize a aplicação agora para ver.]
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