Capítulo 16 parte 2
LINDA
Limpei rápido a lágrima que escorreu em minha bochecha antes que alguém visse.
Apesar de Gabriela, a garota sentada ao meu lado no ônibus, estar dormindo profundamente.
Pedro não tinha nenhum compromisso comigo, mas mesmo assim, eu estava triste como se tivesse sido traída. Doeu vê-lo com Any o dia inteiro. Piorou quando os dois se beijaram.
Eu tinha algo bom para contar, queria dividir a alegria de que teria um irmão ou uma irmã. Pedro seria o único a saber, por enquanto. A gravidez da minha mãe ainda estava recente, segundo o médico tudo podia acontecer, mas eu esperava pelo melhor. Dez vez ela conseguiria levar a gestação adiante. Não era apenas otimismo infantil da minha parte, eu tinha uma convicção inexplicável pulsando dentro de mim.
Minha querida amiga Ami foi merecedora da boa notícia. Ela vibrou, me abraçou apertado e eu chorei. Ela pensou que era por felicidade pelo novo membro que chegaria à minha família. Em parte, era sim. A outra parte tinha nome e endereço. Era a dor de não ser o suficiente para quem eu amava. O amor não deveria humilhar tanto uma pessoa.
Mas tudo bem. Eu sobreviveria.
Havia outros motivos que me faziam seguir firme. Meus pais. O bebê. Minha amiga Ami que, vendo o meu estado emocional por causa de Pedro, deu um jeito de me colocar no primeiro ônibus.
Voltei para a capital decidida a ter uma boa vida.
PEDRO
Três meses se passaram.
Eu estava enganado ao pensar que o tempo aliviaria o peso de ter me afastado de Linda. Mas, muito além da culpa, eu sentia falta dela. Falta de tudo. Do seu sotaque, do seu jeito bravinho quando era contrariada, da sua doçura, da sua mania de organização, do seu cheiro e da sensação de tocá-la.
Algumas vezes a saudade apertou tanto, que cheguei a pegar o telefone para ligar ou ao menos enviar uma mensagem para me explicar. Quem saber falar do jeito mais sincero possível, onde eu exporia minhas inseguranças e faria um pedido de desculpa.
O problema era que a última conversa com Ami ainda estava fresca em minha mente. O puxão de orelha da amiga japonesa fez tanto efeito que, no fim das contas, resolvi ficar na minha.
Como aluno do último ano, fui liberado das aulas da Equipe de Matemática para que pudesse dedicar as inscrições para as universidades. Passei a não ver Linda com tanta frequência, mas ainda nos esbarrávamos pelos corredores da escola, na biblioteca e no refeitório. Nossas trocas de olhares nunca eram sustentadas por mais que alguns segundos. Um de nós sempre desviava e assim, seguíamos adiante, cada um cuidando da própria vida.
Nesse tempo, recebi a aprovação da universidade que eu queria estudar. Fiquei mais tranquilo ao ver que meu futuro apontava para alguma direção, porém, parte da ansiedade por estar prestes a viver uma nova fase, continuou. Supus que se sentir desse modo fosse algo normal a alunos do último ano do ensino médio e, apesar disso, eu estava sobrevivendo sem danos. Afinal, em poucos meses eu me mudaria para Boston, do jeito que sempre quis.
Por fora tudo parecia bem, mas a sensação de vazio dentro do peito incomodava. Faltava algo. Algo não. Faltava alguém. E eu não sabia o que era pior: desconhecer o motivo do vazio ou saber quem era a pessoa perfeita para preencher o espaço vago, porém se recusar a tê-la ali dentro por medo.
Passei a viver nesse modus operandi esquisito, negando sofrer, mas sofrendo devidos ao esforço em manter a distância de Linda, quando, em um único dia, os acontecimentos da vida começaram a nos juntar novamente.
Rup precisou retirar as amigdalas. A cirurgia não danificava as pregas vocais, mas por causa da intubação, meu amigo sentiu um certo desconforto por alguns dias. Segundo ele, ao tentar cantar, percebeu que a voz estava mais fraca e aguda além do normal. Alejandro, Nico e eu até sabíamos fazer os backings vocals numa boa, entretanto ser vocalista era outra história. Nenhum de nós tinha carisma e presença de palco o suficiente para assumir essa responsabilidade.
Numa conversa por mensagens com meus amigos e meu irmão, Alejandro deu a sugestão de chamarmos Linda. Fui o primeiro a responder e o único a negar.
"por que não a Jaguncinha, Pedro?", ele perguntou.
"porque teríamos que mudar os tons das músicas.
Você não sabe disso porque toca bateria.", respondi rápido.
"não ligo de mudar os tons.", Nico opinou.
E Rup acrescentou:
"nem eu. Também não vou achar ruim se acrescentássemos um reportório próprio para a voz da Linda. O que acham?"
"não acho uma boa ideia. Sei lá, a banda é uma coisa só nossa.", tentei mais um pouco.
Alejandro enviou um emoji pensativo e, em seguida, uma mensagem.
"somos tipo um clube do bolinha? Só meninos entram? Se eu soubesse disso antes não teria topado essa coisa de ter uma banda. O objetivo de eu estar numa banda é atrair, e não excluir as meninas", Alejandro enviou uma porção de emojis de risada, "tá explicado por que nunca levamos nem uma menina para os ensaios"
Meu irmão enviou uma figurinha do Charlie Sheen bebendo tequila direto da garrafa e Alejandro continuou:
"Como se não bastasse o Rup agora estar cantando fininho... descubro que meninas são proibidas nessa banda que nem nome tem"
"vamos votar?" Rup opinou sem reagir aos comentários do nosso baterista.
"sim. Vamos votar. Quem concorda em chamar a Linda?", Nico lançou a pergunta.
Nem precisei dar o meu voto, pois os três a queriam na banda.
"então tá decido", Rup escreveu "vou falar com a Linda hoje"
Nos despedimos e, é claro, ainda recebi uma provocação de Alejandro.
"perdeu, Pedrão."
— É perdi, — guardei o telefone no bolso do short com um meio sorriso. — ou ganhei.
Três meses de quase nenhum contato com Linda para, de repente, ela voltar a ser uma figura presente. Eu deveria estar torcendo para que ela negasse o convite que Rup faria, mas estava animado. Mais que animado; uma adrenalina boa vibrou em meu corpo mesmo após uma série de exercícios que eu havia feito no simulador de remada. Saí da academia que tínhamos em casa, atravessei o jardim e entrei na cozinha. Nico estava sentado no banco alto, com a cabeça abaixada, comendo cereal e de olho no telefone.
Enquanto eu pegava um isotônico na geladeira, ele comentou:
— Alejandro teve uma boa ideia.
— Não sei. — Escorei na bancada da pia e encarei meu irmão. — Não temos tanto tempo para ensaios extras antes das duas apresentações finais. Além disso, será a despedida da banda e deveria ser só a gente, do jeito que sempre foi.
— Então cante no lugar do Rup e problema resolvido. — Sorriu com sarcasmo.
— Nem fud... — parei de falar ao perceber que soltaria um palavrão.
Não tínhamos o costume de dizer coisas rudes dentro de casa. Dona Edna era bem rígida quanto ao nosso linguajar.
Nicou soltou uma risada curta, levantando-se do banco.
— É só a Linda, Pedro — colou a tigela e o talher dentro da máquina de lavar louça — inofensiva e gente boa. Você sabe como ela é, fácil de lidar.
Não tão fácil assim., pensei, mas sem querer me expor, falei o oposto.
— Tem razão. Ela é fácil de lidar.
Mantive-me sério ainda que por dentro estivesse vibrando de ansiedade. Feliz da vida.
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