Capítulo 14 parte 1
PEDRO
Se eu não tivesse corrido, Linda poderia ter se machucado com a queda.
Não a carreguei completamente, só deu tempo envolvê-la em meus braços. Apesar de seus pés estarem tocando o chão, suas pernas desfalecidas escoraram em minhas pernas com todo o peso possível. Ao segurar seu tronco com firmeza, minha lombar bateu na grade da varanda, mas, mesmo nessa posição desengonçada, ao menos pude levantar seu queixo para olhar seu rosto e chamá-la.
— Linda! — minha voz saiu alta e assustada. Não sabia o que deveria fazer; nunca tinha visto ninguém desmaiar. — Linda, abra os olhos, por favor!
Suas pálpebras levantaram devagar e, ainda que suas pupilas estivessem dilatadas, fiquei aliviado ao ver o verde mais fascinante que existia.
— Oi — falou baixo.
— Preciso que fique acordada, ok? — pedi, na dúvida se esse era o procedimento correto para o estado em que Linda se encontrava. A verdade foi que eu estava desnorteado. Quase gritei por ajuda da minha varanda, mas a Jaguncinha começou a esmorecer de novo. O jeito seria conversar com ela para que recobrasse sua consciência. — Ei Linda, concentre-se em mim, tudo bem? Vou te deitar na minha cama e preciso que tente ficar acordada para que eu possa pedir ajuda.
Ela não disse nada, apenas continuou me encarando com o rosto pálido. Entretanto, quando a ajeitei para carregá-la até a cama, vi algumas marcas em seu braço direito. Pareciam unhadas. Estagnei por um segundo, pensando em muitas coisas ao mesmo tempo. A hipótese mais provável era ela e Any terem se esbarrado no meio da festa e um desentendimento acalorado ter acontecido. Meu sangue ferveu e, ainda que não fosse o momento para tirar satisfação, não aguentei me segurar ao perguntar:
— Foi Any que fez esses machucados? — Linda apenas deu um pequeno sorriso, triste, sem vontade de me responder. Era revoltante imaginar alguém ferindo aquela menina. — Tudo bem. Não precisa falar nada agora.
Eu a levantei do chão e seu braço — o ferido pelas unhadas — repousou no alto das minhas costas. Surpreendendo-me, a palma da sua mão acariciou a minha nuca enquanto ela erguia o pescoço para me encarar.
— Se eu ganhar a olimpíada de matemática sua mãe vai gostar de mim, Pedro?
Parei de andar ao ouvi-la. Sua pergunta pareceu uma resposta enigmática a minha pergunta não respondida segundos atrás. Porra! Eu não queria acreditar que minha mãe pudesse ir tão longe!
Com o meu silêncio, Linda sorriu o mesmo sorriso triste e prosseguiu:
— Não. Edna não se contentaria com tão pouco. Pra isso acontecer, eu teria que ganhar um Nobel... — ela deu uma risadinha — ... ou nascer de novo.
Era mais fácil pensar que ela não estava em sã consciência do que cogitar algo contra minha própria mãe. Confesso que em parte estava fugindo de uma situação conflitante, entretanto, eu refletiria nisso depois.
— Está delirando, Linda? — brinquei para quebrar a minha própria tensão.
— Hoje eu descobri que te amo. — Falou mansamente, como se fosse uma informação simples, apenas mantendo o sorriso fraco e abatido. Em contrapartida, minhas pernas fraquejaram e tive que apertar seu corpo ao meu para não nos derrubar no chão. Mal tive tempo para sentir o peso da declaração quando, na sequência, ela franziu a testa antes de esconder o rosto na curva do meu pescoço. — Ai, minha barriga.
A dor em sua voz me tirou do abalo e acelerei para entrar no quarto. Eu estava colocando-a sobre minha cama quando tio Luís e meu pai apareceram. Antes que eu pudesse explicar, eles se apressaram para me ajudar a acomodá-la melhor. Não sei como eles já sabiam que encontrariam Linda nesse estado, mas não tive tempo para perguntar.
Depois disso, tudo foi acontecendo muito rápido.
Linda se contorcia de dor enquanto eu contava ao nossos pais como a encontrei. Tia Shari e minha mãe entraram no quarto, ambas assustadas ao se depararem com a cena angustiante que acontecia.
O mais estranho foi que muitas vezes imaginei ter Linda em minha cama, principalmente nos últimos meses. Porém nunca passou por minha cabeça que seria naquelas condições; com ela sofrendo e nossos pais ao redor.
Pelo menos pude tocá-la sem medo do que pensariam de mim. Sentado na beirada do colchão, acariciei sua testa suada. Tia Shari se postou do meu lado, tentou tocar a filha, na mesma hora a menina se encolheu, levando a mão até o lado direito do abdômen e gemendo de dor.
Ouvi minha mãe dizer que poderia ser apendicite, em seguida, sugeriu chamar um dos médicos que estavam na festa ou até mesmo ligar para uma ambulância, mas tio Luís tomou a frente. Ele disse que a levaria para o hospital e mandou meu pai avisar aos manobristas para deixar seu carro na entrada principal da casa.
Eu mesmo fiz questão de carregá-la para o primeiro andar. Segundos depois, estava eu descendo as escadas com seu rosto grudado em meu pescoço.
— Não será nada. Você ficará boa. — Murmurei sem ter certeza do que havia dito. Na verdade, parecia mais uma prece do que qualquer outra coisa.
Linda moveu a cabeça até sua testa descansar em minha bochecha.
— Nunca, nunca conserte seus dentes.
Mesmo nervoso, sorri.
— Não me faça rir enquanto desço os degraus, menina.
— Estou falando sério. Adoro o espaço entre os seus dentes da frente.
— Justo agora que resolvi colocar um aparelho! Poxa vida! — debochei. Somente a Jaguncinha para me fazer entrar na brincadeira num momento tão tenso.
Ela riu contida e foi bom sentir o calor da sua boca em minha pele. Mas, assim que chegamos no primeiro andar, ela chiou de dor outra vez. O breve momento descontraído tinha acabado. Atravessei o hall como um furacão.
Com a porta social aberta, vi o carro dos meus tios estacionar e, sem demora, o motorista saiu correndo do carro, vindo em nossa direção. Ele tomou Linda dos meus braços. Eu quis reclamar, gritar que seria eu que a colocaria dentro do carro e a acompanharia até o hospital. Estive prestes a implorar para meu tio me deixar ir junto com eles.
Mas não fiz nada além de ficar parado.
O carro deu partida, sumindo de vista, e os portões da minha casa se fecharam.
Ouvi minha mãe dizer para ficarmos atento ao telefone, pois receberíamos notícias da filha dos Montenegro.
Filha dos Montenegro.
Poucas vezes Edna se referia a Linda como filha de Shari e Luís. Era sempre a adotada. A caridade. O problema.
Apenas afirmei com a cabeça e dei meia volta para entrar em casa.
Se minha mãe tivesse feito aqueles machucados no braço de minha amiga, eu não saberia o que fazer. Era melhor deixar essa dúvida para lá, por enquanto.
Devagar, subi as escadas, entrei no meu quarto e tranquei a porta. Eu queria as pessoas longe, principalmente Any.
Avistei sapatos verdes jogados entre a varanda e o quarto. Não percebi que haviam caído quando carreguei Linda para dentro. Peguei-os e sentei na cama para observá-los. Eles eram tão pequenos que me lembravam o quanto sua dona era delicada.
Uma palpitação dolorida apertou meu peito. Ela disse que me amava. Até então nunca havia me importado com as declarações das garotas com quem me envolvi. Sempre acreditei que eram da boca para fora, coisas de adolescentes impulsivas que mal começaram a viver. Não me causaram efeito porque pouco me interessava o sentimento alheio. Mas agora eu não sabia se estava abalado ou se o incômodo em meu coração era por causa do atual estado físico de Linda.
Mais uma vez escolhi fugir de uma situação conflitante só naquela noite. Pelo menos eu tinha a desculpa de que não era o momento para pensar na declaração de amor da minha parceira de estudos. Minha preocupação deveria estar voltada para algo mais urgente: a sua saúde.
Olhando para os sapatos em minhas mãos, fiz uma oração para que Linda ficasse bem.
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