Capítulo 1
LINDA
As batidas do meu coração aceleraram.
Foi uma sensação estranha, por dois segundos esqueci de respirar e quando o ar voltou a trafegar em meus pulmões, senti-me ofegante.
Boca seca, pernas bambas e um rebuliço dentro da barriga. Mas não era ruim. Era bom, muito bom. Na verdade, perfeito.
Péssima hora pra se apaixonar, Linda.
Estávamos na sala de estar da minha nova casa, da minha nova família, da minha nova vida. Luís e Shari Montenegro haviam me salvado em muitos sentidos ao se tornarem meus pais adotivos. Eu tinha catorze anos quando saí do interior do Ceará rumo à cidade de São Paulo. Pois é. Eu, que nunca tinha voado em aviões comerciais, entrei num jato de luxo particular ciente de tudo que estava ficando para trás. Nada apontava que um futuro razoavelmente bom estivesse à minha espera se eu continuasse no sertão. Era como nadar contra as piores das correntezas; todo esforço em ser uma boa aluna, uma boa filha e uma boa cidadã só me dariam um crescimento moral.
E eu precisava de um pouco mais da vida.
Eu precisava de segurança!
Já havia se passado quatro dias desde a minha chegada ao meu novo lar. Agora eu tinha um quarto só meu, um motorista para me levar à minha nova escola, cinco refeições por dia, uma mãe sem olheiras e um pai que trabalhava. Nada de roupas e sapatos de segunda mão. Nada de mesquinharia como comprar algo de qualidade inferior porque custa centavos mais barato. Nada de passar cuspe no cotovelo ressecado para "amaciar". Daqui para frente eu usufruiria dos melhores hidratantes. Minha pele nunca tinha ficado tão macia, embora as pintas de sol espalhadas em meus braços denunciassem os anos de descuido. As pontas opacas do meu cabelo foram aparadas pela tesoura de um elegante estúdio de cabeleireiro. As mechas ganharam movimento, realçando a cor castanha e o ondulado natural.
Pela primeira vez me sentia bonita. Porém esquisita. Um pouco constrangida por estar cercada por tanta pompa. Desde que eu havia posto meus pés naquela mansão suspensa, os meus sentimentos iam de um extremo ao outro. Algumas vezes, me peguei com vontade de sujar as paredes brancas, quebrar os espelhos ou rasgar as almofadas com meu canivete. Eu não entendia o porquê dos lapsos de revolta sendo que eu nunca fui rebelde. De fato, fui uma boa filha para minha mãe biológica. Então, talvez, minha mente estivesse habituada em ver coisas feias. Talvez o luxo me incomodasse porque eu sabia como era ser miserável. Uma síndrome de vira-lata autodestrutiva, onde depredar coisas belas, limpas e organizadas significava uma forma de desabafo contra a desigualdade. Ir da pobreza à riqueza sem precisar de subir degrau por degrau bagunçava a minha mente. Mas eu sabia que não deveria causar o mal àqueles que estavam me fazendo o bem. Shari e Luís me conheciam desde os meus cinco anos de idade. Eram bons cristãos que viram potencial em mim: a filha caçula da faxineira de uma pequena igreja pentecostal de São Fortúnio, minha cidade natal.
Os Montenegro não podiam ter filhos e, em meio as frequentes viagens filantrópicas, o casal tornou presente em minha vida. Certa vez propuseram à minha mãe que eu fosse viver com eles no Sudeste. Eu queria dizer sim à proposta, adoraria frequentar uma escola com carteiras novas e ter uma cama para dormir ao invés de uma espuma fina no chão. Na época neguei a generosa oferta porque quando se é criança, pensar em ficar longe dos pais por tanto tempo doí o coração.
Contudo, aprendi a amar o casal ao longo dos anos, criamos laços e Shari sempre reforçava que as portas de sua casa estavam abertas se um dia eu voltasse atrás com minha recusa. Esse dia chegou. Eu disse sim à minha nova família na condição de ser adotada legalmente. Não estava em meus planos voltar a São Fortúnio tão cedo. Quem sabe nunca mais!
De ora em diante eu já não assinaria o sobrenome Leite. Eu tinha me tornado Linda Celeste Montenegro. Filha de Shari, artista plástica e socialite. Também filha de Luís, presidente do Banco Montenegro e único herdeiro do Grupo M. Montenegro.
Por isso que eu estava em pé, bem no meio da sala estar do meu novo lar. Haveria um jantar onde eu seria apresentada aos Oliveira Rizzo; uma família amiga da minha. Frederico e Edna tinham dois filhos; Pedro e Nicolas. O mais velho tinha dezesseis anos e o mais novo quinze. Eu sabia disso porque Shari sempre falava sobre seus sobrinhos postiços, mesmo quando eu ainda morava no sertão. Os dois garotos estudavam na escola que eu frequentaria em breve. Esse era o principal motivo do nosso encontro.
Eu só não imaginava que um tornado de emoções distintas me aconteceria com a chegada deles.
Começando por Edna, que me inspecionou dos pés à cabeça e não escondeu o desgosto. Ok. Nada ameaçador que me fizesse tremer os joelhos, chorar por falta de aceitação ou querer dar o troco. A vida já tinha me dado desafios maiores do que um olhar de reprovação. Inclusive a própria Shari havia me alertado que a mulher poderia ser difícil no primeiro contato. Claro que senti uma pontinha de decepção, afinal ela era a melhor amiga da minha nova mãe e eu queria que tudo fosse perfeito naquela noite.
Entretanto Frederico, percebendo o comportamento da esposa, tomou a frente.
— Finalmente estamos conhecendo a menina dos Montenegro! Seja bem-vinda, Linda! — ele abriu os braços espontaneamente e me abraçou apertado por um par de segundos. Em seguida, pousou as mãos em minhas bochechas. — O nome combina com o rosto.
— Eu, hum... obrigada. — Agradeci um pouco sem graça, um pouco querendo rir também.
— Sou o tio Frederico. Essa é Edna, minha mulher. — Ele virou de lado e apontou para a madame arrogante. Ela sorriu com a boca fechada como se ser gentil lhe custasse a perda do efeito do botox. Então concluiu: — E esses são meus filhos; Pedro e Nicolas.
Foi nesse momento que meu mundo virou. Falta de ar, coração acelerado, boca seca, pernas bambas e rebuliço gostoso dentro da barriga.
Quem seria ele? Pedro ou Nicolas?
Com os olhos castanhos focado em mim, ele mantinha o semblante fechado, irritado como se estivesse sido arrastado para o jantar. Possuía uma vasta cabeleira da mesma cor dos seus olhos. Madeixas curtas, desfiadas e jogadas para frente cobrindo a testa. Ele parecia um integrante de uma banda de rock alternativo inglesa.
Eu estava certa de que a rudeza de seus traços não era o padrão ideal de beleza, mas era o meu ideal, ou pelo menos, a partir daquele momento tornou-se o meu tipo preferido de beleza. Por um nanosegundo pensei ter visto seus lábios ensaiarem um sorriso prepotente quando, de repente, alguém ocupou meu campo de vista, interrompendo nossa conexão.
— Oi, sou o Nicolas. Mas pode me chamar de Nico.
Olhei para o outro garoto que estendia a mão gentilmente. Cabelo e olhos também castanhos, mas com uma fisionomia mais simétrica e um sorriso mais espirituoso.
— Olá — cumprimentei de volta dando-lhe a minha mão.
Se este é o Nicolas, o outro é o Pedro., pensei e relanceei por cima dos ombros do caçula dos Oliveira Rizzo para avistar quem realmente me interessava.
Ali, bem ali, estava a expressão indolente, o ar de superioridade e o anseio subjugador de Pedro.
Meu coração foi a mil.
Péssima hora pra se apaixonar, Linda. Péssima hora.
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Obrigada pela leitura.
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