CAPÍTULO 5 - Soco trocado
Bryan era um dos caras mais gentis e interessantes que Verônica havia conhecido nos últimos tempos. Ele era bonito, tinha cabelos escuros e barba, além de olhos castanhos profundos e falava e falava e falava, falava o tempo todo, preenchendo todo e qualquer espaço vazio em meio ao silêncio.
Ele tinha uma profunda obsessão por seu trabalho, ela notou, algo no ramo empresarial que, sendo bem sincera, não entendeu muito bem.
Eles estavam em um restaurante, ele usava o terno que usou durante todo o dia de trabalho e ela ficou feliz por ter conseguido de última hora escovar os cabelos que cresciam feito mato e já estavam querendo passar da altura dos seus ombros. Seu vestido vermelho era justo e suas unhas do pé foram feitas especialmente para aquele momento, mas de alguma forma ela notou que ele não estava lhe dando tanta atenção quanto gostaria.
Foi só depois de quarenta longos minutos que ele olhou para ela, olhou de verdade pela primeira vez durante todo aquele tempo, abriu um lindo sorriso e disse: — Fala mais sobre você, com o que você trabalha?
E então ela contou, falou que trabalhava como diretora executiva e que estava trabalhando em um artigo sobre homofobia e a descriminalização ainda em falta em alguns países. Disse que tinha um irmão gay de dezessete anos e que aquele assunto era de suma importância, pois via a necessidade de que as escolhas das pessoas não interferissem em como elas eram vistas em sociedade e que ninguém, absolutamente ninguém, deveria se importar em onde alguém coloca a boca, a menos que seja em você.
Bryan sorriu para ela, galante como sempre, e eles continuaram o jantar em conversas monótonas e enfim, quando chegou na hora da sobremesa, ele dispensou e pagou a conta, dizendo para Verônica que havia sido um prazer lhe conhecer que gostaria de sair com ela de novo e esperava que fossem grandes amigos.
Grandes amigos.
Ela sorriu para ele, se despedindo e voltou para casa.
Mais um desastre para a sua conta.
Verônica se olhou no espelho do elevador ao chegar em casa. O vestido vermelho era justo, mas não chegava a ser vulgar, apertava sua cintura e delineava suas curvas, os cabelos loiros estavam perfeitamente alinhados e a maquiagem impecável, quase como se ela tivesse nascido daquele jeito. Ela piscou os olhos verdes algumas vezes antes de erguer o celular e abrir o aplicativo.
Por um momento havia se esquecido de que aquela não era sua conta e bufou ao ver o quão desesperada as garotas pareciam ao mandar fotos dos seios para Jake. A porta se abriu e ela bateu os saltos pelo corredor de mármore indo em direção a sua entrada e não lhe surpreendeu quando a porta ao lado escancarou. Era como um carma que ela parecia estar vivendo perto daquele cara, como um imã a fim de expor todas as suas humilhações.
— Já chegou? — Jared questionou enquanto fechava sua porta. Usava moletom e tênis de corrida, mantendo um sorriso divertido nos lábios rosados. Ela percebeu que ele tinha aparado a barba. — Bryan veio com você? — Subiu as sobrancelhas animadamente e Verônica negou com a cabeça.
— Acho que ainda falta muito para que nós, futuros grandes amigos, possamos ir a casa um do outro. — Explicou e Müller fez careta. Verônica bufou, observando os pés. Nem seus saltos estavam lhe incomodando, só o ego destruído pelo encontro tão bom e ao mesmo tempo tão ruim. Ela deu os ombros. — Não tem problema, de toda forma.
— Tem certeza que ele não é gay? — Verônica gargalhou. Não tinha como saber daquilo, foi quase um encontro às cegas. — A propósito, você está muito bonita, senhorita Ashford.
— Senhora. — O corrigiu. — Eu sou divorciada. — Jake pareceu surpreso. — Talvez Bruce tenha me sugado todas as regalias de solteira e me sentenciado a vida de encalhada eterna. De toda forma, obrigada pelo elogio e por se importar.
— Claro que me importaria, nada melhor do que uma mulher para me arrumar mulheres. Espero que tenha arrumado alguém para amanhã. — Cruzou os braços se recostando na parede ao lado da sua porta.
— Me fala uma letra de A a Z, com certeza terá alguém lá. O tanto de garotas que estão se jogando em cima de você é impressionante! Nunca vi tantos peitos. — Jake pareceu convencido, mas não disse nada.
— Vai fazer algo agora? Vamos treinar comigo.
— Treinar? Não. Está tarde e amanhã eu trabalho. — Ele concordou com a cabeça.
— É, eu também. Vamos logo! Você pelo menos vai correr e esquecer do seu novo melhor amigo.
Verônica o ignorou, mas ele insistiu, batendo palmas e quando se deu por si, estava de volta a rua com calças de ginástica, tênis de corrida e um moletom do Departamento de Polícia do Brooklyn. Ela queria entender como é que de uma hora para outra havia ficado tão tendenciosa a fazer coisas como essa perto de um desconhecido.
— Então senhor eu-tenho-um-banco, por que não me contou que era dono do Frost-Müller? Vocês investem na revista há séculos. — Jake maneou a cabeça de um lado para o outro.
— Você não havia me contado que era diretora executiva da Maxime e eu prefiro deixar esse fato de lado. Apesar de muitas pessoas se aproximarem de mim por conta da minha condição financeira, eu prefiro que pelo menos seja por conta do que eu conquistei e não pelo o que herdei do meu pai. — Explicou. Aquilo não fazia muito sentido, já que no final era tudo por que ele tinha dinheiro, de uma forma ou de outra.
— Você não parece chateado pelo fato de que as mulheres se aproximam de você por conta disso, na verdade. — Comentou. Jake anuiu uma vez, mordiscando os lábios antes de balançar a cabeça.
— Sinceramente, eu não me importo. Eu não estou procurando nada sério em ninguém, então, as pessoas são todas passageiras, não tenho por que me importar tanto de como elas veem ou de como elas vão. De uma forma ou de outra elas sempre vão, então é o que vale. — Verônica o encarou por alguns instantes.
— Isso parece ser solitário. — Comentou, mas ele negou mais uma vez.
— Não faz diferença, sem sincero. Só me faz perceber que quem permanece é quem deve ficar. — Ele empurrou uma porta que ela mal havia notado e percebeu que haviam chego até a academia. Diferente do que ela esperava, não era um lugar sofisticado e cheio de equipamentos, era somente um espaço acolchoado com algumas pessoas espalhadas esperando a aula começar ou para irem embora.
Haviam alguns equipamentos de CrossFit ao fundo, ela também notou, além de cordas de escalada. Seus dedos formigavam só com as lembranças que aquelas cordas lhe traziam e suas costas doíam dos incontáveis tombos que já havia tomado.
— O que achou? — Perguntou com expectativa fingida. Verônica ergueu a sobrancelha.
— Surpreendentemente comum. — Ele pareceu surpreso. Ashford tentou explicar. — Eu costuma treinar em um lugar assim antes.
— É verdade, você é ex-policial. — Estalou os dedos, lembrando-se desse detalhe.
— Ex-tenente Verônica Ashford ao seu dispor! — Bateu continência no mesmo momento em que um homem forte e carrancudo foi se aproximando. A pele dele era morena queimada do sol, havia algumas rugas causadas por tentar forçar a visão, fincos em meio seus olhos, além de não parecer nada simpático. Somente um de seus braços já era do tamanho dela e conforme se aproximava, tinha a sensação de estar encolhendo.
Ele não parecia ser jovem, mas ao mesmo tempo era difícil distinguir sua idade ao certo, seu corpo era bem conservado, mas seu rosto estava castigado pela idade e a barba tinha alguns fios grisalhos, apesar da cabeça careca.
— Jared. — Falou com a voz grossa, apertando a mão do seu vizinho. — Percebi que trouxe companhia.
— Ex-tenente Verônica Ashford ao seu dispor. — Ele repetiu sua frase e o homem a olhou de cima a baixo antes de estender a mão. Sua palma era áspera e calejada, assim como as que ela apertou durante toda a vida.
— Ex Major Edgar Dormmund, Forças Especiais do Exército Americano. — Só quando ele disse isso que ela notou a tatuagem da águia no braço. — Mas conosco não existe ex, uma vez tenente, sempre tenente. — Ele abriu um sorriso e toda a falta de simpatia que ela poderia ter sentido se esvaziou como um balão e ela retribuiu o sorriso, sentindo o calor dos seus olhos. — O que a trouxe até aqui, tenente Ashford?
Havia anos que não era chamada assim, o que só a fez abrir ainda mais o sorriso.
— Eu a trouxe para espairecer um pouco, Ed. — Jake disse e o homem concordou com um aceno.
— Ela fará par com você essa noite, mas tome cuidado. O pessoal do Brooklyn não costuma ser dos mais amigáveis — Piscou se afastando, depois de apontar para o moletom de Verônica, ecoando a voz grossa para chamar os alunos para perto e começar a ministrar sua aula.
Verônica encarou Jake de cima a baixo. Ele era bem mais forte e bem mais alto do que ela, mas apesar de tudo, não havia esquecido de tudo o que havia aprendido na academia e não era fácil lhe pegar desprevenida.
— Tem certeza disso? Eu não quero machucar você. — Jared se posicionou a sua frente como Ed havia demonstrado. Verônica maneou a cabeça de um lado para o outro, erguendo o punho.
— Me fala sobre isso amanhã e vamos ver quem vai ter certeza de alguma coisa.
Ed demonstrou como o golpe deveria ser realizado: dois socos na lateral, um de cada lado, com o oponente com a guarda armada, giro e cotovelada. O objetivo era que Verônica o atacasse e o derrubasse, enquanto o de Jake consistia em a imobilizar e impedir ser atingido.
Assim que Ed autorizou, Verônica golpeou cada lado do rosto de Jake, sendo impedida com os seus braços erguidos em guarda de tocar seu rosto. Ela girou, mais rápido do que ele previa, acertando com o cotovelo em cima do osso do seu nariz, antes de se virar, ficando atrás de Müller e chutando com força a dobra do seu joelho direito, o fazendo cair de quatro sobre o tatame.
Ele ergueu os olhos para ela, se apoiando em um dos joelhos, ainda com a mão sobre o nariz.
— Au. — Foi tudo o que pronunciou enquanto Ashford dava os ombros inocentemente.
Müller ficou em pé, esfregando o osso do nariz antes de balançar a cabeça e lhe encarar. Ed estava demonstrando outro golpe e dessa vez, eles trocaram de lado.
Jake avançou para cima de Verônica, o punho fechado foi em direção ao seu rosto, mas diferente dele, ela foi rápida desviando de todos os seus golpes e empurrando com força o joelho quando ele ameaçou dar uma joelhada.
— Eu estava sendo legal com você, senhora Ashford. — Havia um ar desafiador da parte dela quando ergueu a sobrancelha em sua direção. — Fim da linha pra você.
Jake ergueu os punhos, golpeando novamente em direção ao seu rosto. Verônica não se deu nem ao trabalho de erguer a guarda, ela sempre foi a mais rápida da sua turma e jogou o corpo de um lado para o outro para esquivar de suas investidas.
Müller ergueu o pé, novamente insistindo no chute, que foi esquivado, mas finalmente lhe acertou com uma joelhada ao lado da barriga. Verônica se desequilibrou, caindo no chão com a mão sobre o local golpeado o fazendo arregalar os olhos. No mesmo momento em que ele se aproximou para ver se ela estava bem, ela segurou seu braço estendido e o torceu com força, em um momento tão rápido que ele só foi perceber quando ela o segurava pelo pescoço em uma gravata sem igual.
Müller bateu em seu braço e ele se afrouxou em volta da sua jugular.
— Você joga baixo. — Verônica deu os ombros.
— Ou você vence ou você morre. — Explicou e ele pensou que aquilo devesse ser algum tipo de ditado motivacional para os treinos da polícia.
— Certo pessoal, cinco voltas no ginásio agora! — Ed gritou e todas as pessoas que estavam ali começaram a correr como ele havia indicado, incluindo os dois.
Não demorou muito para que uma fina camada de suor cobrisse a pele da mulher. Suas bochechas estavam vermelhas e ela havia fechado o moletom até em cima, talvez para evitar que os seios grandes demais ficassem a amostra caso saíssem para fora.
A aula de Ed era agitada e ela acabou gostando do treinador não tão convencional que o seu vizinho tinha. Quando se deu por si, já haviam se passado quase duas horas de que havia saído de casa e como ele havia prometido, não tinha parado para pensar no fracasso do seu encontro nem por um segundo.
— Foi um prazer te conhecer, tenente. — Ed disse ao se despedir dos dois enquanto fechava a academia. — Fala para o seu pai que eu mandei um abraço, tenho certeza que daria uma coça nele muito pior dá que eu dava antes de ele virar um magnata. — Se dirigia a Jake. A menção do pai fez algo transpassar pelo seu rosto, mas ela não foi capaz de identificar o que seria.
— Mando sim, pode deixar. Mas, se conheço bem Hércules Müller, ele não se deixaria levar uma coça, não deixaria o orgulho de lado tão facilmente. — Ed piscou para ele como se duvidasse daquilo e se despediu dos dois, indo para a direção oposta a qual vieram.
Jake e Verônica o assistiram se afastar até darem meia volta para voltarem para o prédio onde moravam.
— Seu pai também é ex-militar? — Jake concordou com um aceno.
— Ele trabalhava com pesquisas, era mais cientista do que qualquer coisa, mas era da divisão dos fuzileiros, mas depois de um tempo se afastou, foi logo depois que eu nasci. Acho que foi por conta da minha mãe, na verdade. Ele não fala muito sobre isso.
— Sobre ter saído do exército? — Ele negou.
— Sobre ela. Minha mãe morreu pouco depois, minha irmã tinha quatro anos, eu tinha alguns meses. — Havia certa aceitação na sua voz. — Olivie disse que ele sofreu bastante, pelo menos das partes que ela se lembra, então se afastou da carreira e tempo depois assumiu os negócios da família.
— Sinto muito. — Lamentou sinceramente. Jake balançou a cabeça.
— Não sinta, pelo o que me dizem dela, o mundo seria bem mais louco com América Müller nele. — Sorriu com orgulho. Verônica gargalhou surpresa.
— O nome da sua mãe é América? — Segurou seu braço firme enquanto ria.
— Qual o problema?
— Meu segundo nome é América. — Respondeu fazendo careta.
— Não é possível. — Ela assentiu com a cabeça, chocada com a coincidência. — Como eu devo te chamar agora? Mamãe?
— Considerando o couro que eu te dei, é, eu acho que sim. — Assentiu, cheia de si. Jake debochou, olhando de cima a baixo.
— Você fala como se eu não tivesse deixado. Eu fiz isso somente para que você ficasse tão triste com o seu jantar péssimo. — Verônica abriu a boca em um perfeito "o" de indignação. — Não posso te deixar roxa. Já não querem sair com você, quem dirá cheia de hematomas?
— Eu vou fingir que você não pisoteou o que restava da minha autoestima agora, Jared. — Ele deu os ombros.
— Desculpa, mãe.
Ela se limitou a revirar os olhos enquanto seguiam de volta para o apartamento de braços dados.
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