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Adeus, poeta

A vizinha entrou na banheira e abriu a torneira. Precisava mesmo de água quente, água para lavar as feridas, para levar consigo toda a sujeira e o pó acumulado aqueles dias.

Tinha se apaixonado por um poeta e acabava de perceber por que ele já não gostava mais dela.
Era assim, ele a queria inalcançável, distante, fria, para admirá-la e dedicar-lhe seus escritos. Uma deusa de mármore. Não estava interessado na mulher, apenas na musa.

Mas ela era uma mulher, e o amava como uma mulher, com os desejos, as ânsias, os medos e a impaciência de uma mulher.

Não há entendimento possível entre eles. Ele não estava apaixonado por ela, mas pelo próprio sentimento. Precisa do sofrimento, da angústia, da incerteza e não do contacto. Apaixona-se pelo brilho acetinado de uma pele branca sobre lençóis escuros, seja a dela ou não. Ele escusa os beijos, os olhares húmidos, as mãos quentes; só gosta deles uma vez. Depois jã viraram conhecidos e cansativos.

A vizinha abriu mais a torneira. Entendeu que ela era mais um parágrafo na vida dele, um parágrafo e mais nada. Um escalão na sua procura da perfeição artística. Um meio e não um fim. E a água lavou suas lágrimas e acalmou as mágoas enquanto duas palavras escapavam dos seus lábios...

Adeus, poeta

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