Capítulo 7
É mais um dia de aula, e a rotina começa a pesar. Meu tornozelo ainda está longe de voltar ao normal, e cada passo é medido, como se o chão pudesse ceder a qualquer momento. A aula de hoje é sobre postura em apresentações públicas, e a instrutora está como sempre: exigente, implacável.
Ela caminha pelo salão, os olhos varrendo cada detalhe, como se estivesse esperando por qualquer deslize para atacar.
— Senhorita Kate, o que é isso? — Sua voz ecoa na sala, cortante como vidro.
Paro no meio do movimento, sentindo os olhares das outras candidatas se voltarem para mim.
— Meu tornozelo ainda não está completamente...
— Ah, por favor! — A instrutora me interrompe, cruzando os braços. — Já ouvi desculpas melhores. Não acha que está na hora de superar isso?
As palavras dela pesam mais do que deveriam. Meu rosto queima, e eu fico sem saber o que responder.
— Isso foi completamente desnecessário. — A voz de Julie corta o ar, firme, sem hesitação.
A instrutora vira-se para ela, as sobrancelhas arqueadas em choque.
— Perdão, senhorita Julie?
— Eu disse que foi desnecessário — repete Julie, os braços cruzados e o queixo erguido. — Todo mundo aqui sabe que Kate está machucada. A senhora poderia, no mínimo, ser um pouco mais profissional.
— Julie... — tento dizer, mas minha voz sai fraca.
— Não, Kate. Isso aqui é um ambiente de aprendizado, não um tribunal — continua Julie, os olhos faiscando. — Se a senhora não sabe lidar com isso, talvez não devesse estar aqui.
A sala inteira prende a respiração. Algumas candidatas escondem sorrisos, outras murmuram coisas que não consigo entender.
A instrutora fica vermelha. Por um momento, acho que ela vai gritar, mas, em vez disso, respira fundo, visivelmente furiosa.
— A aula está encerrada. Todas podem sair. Mas, senhorita Julie, tenha certeza de que sua atitude será relatada.
Julie dá de ombros, despreocupada.
Quando as outras começam a se dispersar, algumas murmuram comentários baixos, o suficiente para eu ouvir.
— Dramática.
— Isso é o que acontece quando não está à altura.
Seguro as lágrimas, mas está difícil. Julie para ao meu lado.
— Não liga para elas. Você não merece isso.
— Obrigada — murmuro, ainda com o nó na garganta.
Emma se aproxima quando estamos deixando a sala.
— Kate, você está bem? — pergunta, a voz cheia de preocupação.
— Ela foi horrível com você. Não devia ter falado daquele jeito.
— Estou bem — minto, tentando forçar um sorriso. — Só... só preciso de um tempo sozinha.
Julie hesita, mas Emma a puxa gentilmente pelo braço.
— Vamos dar um espaço para ela, Julie.
— Certo, mas qualquer coisa, você sabe onde nos encontrar — diz Julie, antes de sair com Emma.
Fico ali por um tempo, tentando processar tudo. Ainda sinto o olhar da instrutora, as palavras dela ecoando na minha cabeça. As lágrimas começam a vir, mas respiro fundo, tentando segurá-las.
— Isso acontece — digo baixinho para mim mesma. — Não vou deixar isso me abalar.
Saio da sala e começo a andar sem rumo pelos corredores do castelo. É o único jeito de tentar esfriar a cabeça. O silêncio ao meu redor é quase reconfortante, até que um som começa a preencher o espaço.
Piano.
Paro, ouvindo a melodia. É suave, delicada, mas cheia de emoção. Demoro um momento para reconhecer: “Clair de Lune”, de Debussy.
O som vem de algum lugar próximo, talvez uma sala logo adiante. Meu coração bate rápido, mas não sei por quê. Sigo o som, pé ante pé, até encontrar uma porta entreaberta.
Consigo ver apenas uma parte do piano, as teclas brilhando sob a luz suave da sala. Quem está tocando está fora do meu campo de visão, e eu não tenho coragem de entrar.
Em vez disso, sento-me no chão, encostada na parede do corredor, e fecho os olhos. Deixo a música me envolver, como se ela pudesse apagar a vergonha, a dor e a dúvida. Por um momento, o mundo parece parar.
No dia seguinte, a atmosfera na sala de aula está diferente. A instrutora, que geralmente é uma muralha de autoridade, parece mais… contida. Ela caminha pelo salão com passos mais lentos, menos incisiva nas correções, como se algo a estivesse segurando.
Será que tem a ver com o que aconteceu ontem?
A aula segue no ritmo habitual, mas não consigo evitar a sensação de estar dentro de um filme. Talvez seja o excesso de formalidade, os vestidos impecáveis, ou até mesmo a postura rígida que todos tentam manter. Só falta alguém começar a dançar ou quebrar a hierarquia como em Escola de Princesas.
Penso nisso e sorrio sozinha enquanto tento manter o equilíbrio com um livro na cabeça.
Assim que a aula termina, vou em direção a Julie e Emma, que já estão encostadas em uma das paredes, conversando.
— Vocês sentiram que a instrutora estava... mais calma hoje? — pergunto, tentando não soar conspiradora.
Julie cruza os braços e faz um ar pensativo.
— É, talvez. Mas acho que ela ainda está com vontade de arrancar minha cabeça por ontem.
Emma ri
— Se for isso, ela vai precisar de uma fila, porque a rainha já está na sua frente.
— O quê? — arregalo os olhos.
Julie sorri, despreocupada.
— Fui chamada para uma conversinha com a majestade. Só espero que não me façam escrever cem vezes no quadro: "Não devo enfrentar meus superiores."
Emma ri alto, atraindo olhares de outras candidatas.
— Você está brincando, né? — pergunto, tentando decifrar o tom dela.
Julie suspira dramaticamente.
— Não estou, mas bem que queria. A rainha me chamou logo depois do café. Parece que estamos mesmo numa escola, só que com coroas.
— E como foi? — insisto.
Ela dá de ombros.
— Foi tranquilo. Ela só me pediu para ter mais "discernimento" nas minhas palavras. Acredito que seja o jeito elegante de dizer: "Não arrume confusão."
Emma coloca uma mão no ombro de Julie, fingindo um tom sério.
— Sabe, Julie, acho que você está se destacando. E não da melhor forma.
Todas rimos, e por um momento, esqueço o peso do dia anterior. A leveza da conversa me lembra que, apesar de tudo, tenho com quem contar aqui.
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É sábado, e não aguento mais aulas. Parece que minha cabeça está prestes a explodir de tanto ouvir sobre postura, etiqueta e história do reino. Tudo o que eu quero é um dia sem tanta pressão, mas a sensação de que isso não vai acontecer é quase palpável.
No café da manhã, o salão está cheio de conversas baixas e o som de talheres. As mesas, como sempre, estão impecavelmente arrumadas, mas o clima parece diferente. Quando o rei se levanta, o burburinho cessa imediatamente.
— Bom dia a todas — ele começa, a voz profunda ecoando pelo salão. — Quero agradecer pelo empenho que têm demonstrado em suas aulas. Sei que não é fácil, mas é necessário.
Troco um olhar com Emma, que faz uma careta discreta, como se dissesse: "Fácil? Quem ele acha que somos?"
— Nos próximos dias, vocês serão testadas — continua ele, com um tom mais sério. — Mas, antes disso, terão a oportunidade de participar de encontros com os príncipes.
O silêncio na sala é tão pesado que parece que ninguém está respirando.
— Esses encontros serão sorteados — ele explica. — E cada príncipe escolherá, ao final do fim de semana, uma de vocês para ser eliminada.
Meu coração dá um salto, e pela expressão das outras meninas, não sou a única. Emma sussurra algo como "Isso é sério?", enquanto Julie finge estar mais interessada no croissant do que nas palavras do rei.
Tento manter a calma, mas a ideia de eliminação faz meu estômago se revirar.
— Vocês só saberão com qual príncipe irão sair quando forem chamadas em seus quartos — finaliza ele, antes de se sentar novamente.
Assim que o café da manhã termina, sigo com Emma e Julie para o jardim.
— Isso é loucura — digo, tentando manter minha voz baixa. — Eles vão nos julgar com base em um único encontro?
— Bem-vinda à monarquia, querida — diz Julie, com seu tom sarcástico habitual. — É uma tradição baseada em ansiedade e competição.
— E egos inflados — acrescenta Emma, suspirando.
Concordo em silêncio, mas minha mente já está longe. Não consigo evitar o pensamento: Espero que seja Nicholas.
De volta ao meu quarto, tento me distrair. A manhã passa devagar, cada minuto arrastando-se como uma eternidade. Quando finalmente ouço uma batida na porta, meu coração dispara.
Ayla entra no quarto com a postura impecável, como sempre, mas desta vez noto algo diferente nela – talvez seja o leve brilho nos olhos ou o modo como seus passos soam menos rígidos.
— Senhorita Kate, boa tarde — diz ela, formal como de costume.
— Só Kate, por favor — digo rapidamente, com um sorriso. — Sem toda essa cerimônia, por favor.
Ela hesita, os lábios se apertam brevemente antes de relaxar.
— Kate, então.
— Isso, bem melhor.
Por um momento, vejo um sorriso discreto surgir em seu rosto, quase como se estivesse se permitindo relaxar.
— Estou aqui para informá-la sobre o seu encontro de hoje à noite — continua Ayla, retomando o tom profissional. — Você pode escolher o lugar.
— O lugar? — pergunto, surpresa.
— Sim. Pode ser qualquer lugar, tanto dentro quanto fora do castelo.
Cruzo os braços, pensativa. A ideia de sair do ambiente controlado das aulas e corredores soa tentadora. Mas, em vez de um lugar calmo, quero algo mais... vivo.
— Alguma sugestão? Você parece conhecer cada canto daqui.
Ayla inclina ligeiramente a cabeça, como se ponderasse.
— Bem, há a feira na vila próxima. Ela acontece todo sábado à noite. É animada, cheia de luzes, música e comida local.
— Uma feira? — Meus olhos se iluminam. — Isso parece incrível.
— É movimentada, mas tem uma energia única — explica Ayla, com um raro entusiasmo na voz.
— É exatamente o que eu preciso — digo, decidida. — A feira, então.
Ela anota no caderninho, mas hesita antes de sair. — Sabe, Kate, você realmente é diferente das outras candidatas.
— Diferente como? — pergunto, curiosa.
Ela dá um sorriso sincero dessa vez.
— A maioria só pensaria em lugares elegantes ou grandiosos dentro do castelo. Você escolheu algo mais... real.
Deixo escapar um sorriso, sabendo que não preciso de mais nada para me divertir.
— Acho que prefiro lugares que tenham mais a ver com as pessoas do que com a decoração.
— Parece que sim. — Ela sorri antes de se virar para sair, mas não sem antes acrescentar: — Espero que se divirta. Acho que vai gostar da vila.
Assim que ela fecha a porta, sinto uma onda de animação percorrer meu corpo.
Assim que ela sai, respiro fundo, tentando organizar meus pensamentos. Tudo o que consigo pensar é: Espero que seja Nicholas.
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