Capítulo 6
Com a ajuda da muleta, caminho lentamente até o jardim, tentando ignorar a dor que lateja no meu tornozelo a cada passo. O lugar é ainda mais bonito de perto. As flores estão em plena floração, exibindo cores vibrantes que vão do vermelho intenso das rosas ao amarelo ensolarado das margaridas. A fonte no centro do jardim murmura suavemente, sua água cristalina refletindo os raios dourados do sol. O ar está impregnado com o perfume doce das flores, e a brisa suave acaricia meu rosto, como se quisesse consolar minha alma inquieta.
Escolho um banco perto da fonte e me sento com cuidado, soltando um suspiro que parece carregar todo o peso do dia. Fecho os olhos, tentando absorver a serenidade do jardim, mas a tranquilidade ao meu redor só parece amplificar a tempestade dentro de mim.
As lágrimas começam a cair antes que eu perceba, quentes e silenciosas. Tento limpá-las rapidamente, mas elas continuam vindo, teimosas, como se meu corpo precisasse liberar tudo o que estou reprimindo: a frustração, a dor, a vergonha.
Eu mal comecei as provas e já estou aqui, sentada com um tornozelo machucado. É humilhante. Nem sequer um dia completo, e já falhei. Tento me consolar, dizendo a mim mesma que foi um acidente, que poderia ter acontecido com qualquer uma. Mas a verdade é que me sinto fraca, vulnerável, como se estivesse quebrando em pedaços bem no início dessa jornada.
O murmúrio da fonte me traz uma pontada de consolo, mas não o suficiente para espantar o nó que sinto no peito. Olho para o céu, tentando me agarrar a algo maior que eu, algo que me faça acreditar que ainda tenho uma chance aqui.
Fecho os olhos novamente, tentando me acalmar, quando ouço uma voz fina e doce quebrar o silêncio:
— Por que você tá chorando?
Abro os olhos de repente e vejo a pequena princesa Alicia parada diante de mim, com seus enormes olhos azuis fixos nos meus. Ela está usando um vestido rosa delicado, com babados que parecem saídos de um conto de fadas, e segura um ursinho de pelúcia com firmeza.
— Ah, não... não estou chorando — digo apressadamente, limpando os olhos com a palma da mão, tentando disfarçar. — É só o vento... pegou nos meus olhos.
Ela franze a testa, claramente não convencida.
— Você tá chorando. Eu vi.
Suspiro, percebendo que não adianta negar.
— É um pouco complicado, Alteza — respondo, tentando escolher minhas palavras com cuidado.
Ela inclina a cabeça, curiosa.
— Por que você tá me chamando assim? Meu nome é Lili. Pode me chamar de Lili.
Sorrio, surpresa pela simplicidade dela.
— Tudo bem, Lili. É que... às vezes as coisas não saem como a gente espera, sabe? E isso me deixou um pouco triste.
Ela se aproxima e coloca o ursinho no banco ao meu lado, subindo com esforço para se sentar.
— Mas não pode chorar — diz com seriedade, como se estivesse me dando um conselho muito importante. — Eu li num livro que princesas têm que erguer a cabeça e seguir em frente. Mesmo quando tá difícil.
Sinto meu coração se aquecer com a doçura e a determinação dela.
— Você leu isso em um livro, é? Parece um bom conselho.
Ela faz que sim com a cabeça, com um sorriso orgulhoso.
— Sim! E você é uma princesa, né? Então não pode ficar triste. Tem que ser forte.
Dou uma risada leve.
Ela segura minha mão, seus dedinhos pequenos envolvendo os meus.
— Eu acho que você já é uma boa princesa. Você pode ser minha amiga?
Meu coração derrete completamente. Não sei se é a inocência dela ou a forma genuína como disse isso, mas sinto um calor reconfortante substituir a tristeza.
— É claro que posso, Lili. Eu adoraria ser sua amiga.
Ela sorri tão brilhantemente que parece iluminar todo o jardim.
— Então tá combinado! E, se você chorar de novo, eu vou estar aqui pra te lembrar do livro, tá?
Seguro a risada, encantada com sua determinação.
— Tá combinado, Lili. Obrigada.
Ela desce do banco e pega seu ursinho de pelúcia.
— Agora eu tenho que ir, mas vou voltar pra gente brincar depois, tá bom?
— Tá bom — respondo, observando-a correr de volta para o castelo, com o vestido rosa balançando ao vento.
Por um momento, esqueço da dor no meu tornozelo e da frustração do dia.
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Estamos na sala de jantar, um silêncio expectante paira no ar enquanto aguardamos a chegada da refeição. A curiosidade me corrói. O que será que vão servir hoje? Quando as portas finalmente se abrem e os empregados começam a trazer os pratos, um aroma irresistível invade o ambiente.
Diante de mim repousa um suculento bife à parmegiana, coberto por uma camada generosa de queijo derretido que escorre pelas laterais, dourado no ponto perfeito. Ao lado, batatas fritas douradas e crocantes completam a cena, como um convite ao deleite.
— Uou! Amo esse prato! — exclama Emma, os olhos brilhando com a mesma empolgação que eu sinto.
— Quem não gosta de parmegiana não pode ser gente — brinca Julie, com um sorriso cúmplice. — É impossível resistir a essa delícia.
Sorrio, concordando silenciosamente, enquanto pego o garfo e a faca. Assim que provo a primeira mordida, os sabores explodem na minha boca. O bife é macio, temperado na medida certa, e o queijo derretido adiciona uma cremosidade irresistível. As batatas fritas, perfeitamente crocantes por fora e macias por dentro, dão o toque final à refeição.
A conversa flui leve à nossa volta, pontuada por risadas e elogios à comida. Em pouco tempo, os pratos estão vazios, e eu sinto um calor confortável se espalhar pelo meu corpo, a satisfação de uma boa refeição.
Mal tenho tempo de pensar nisso quando os empregados voltam, desta vez trazendo as sobremesas. No centro de cada bandeja, repousam petit gateaus impecavelmente preparados. A visão do bolinho de chocolate, com seu exterior levemente crocante e uma promessa de recheio derretido, faz minha boca se encher de água.
Percebo que algumas garotas à mesa, as que Emma chama de "clube social", recusam educadamente, embora o brilho em seus olhos denuncie o desejo. Quando a empregada me oferece o doce, aceito sem hesitar.
Ao partir o petit gateau com a colher, o recheio de chocolate escorre suavemente pelo prato. A primeira colherada é um deleite. O contraste entre o crocante da casca e a cremosidade morna do centro é uma sinfonia de texturas. O toque do sorvete que acompanha, derretendo lentamente ao lado, torna a experiência ainda mais inesquecível.
É, talvez essa jornada não seja tão ruim quanto eu imaginei. E, sem dúvida, a comida ajuda bastante nisso.
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Depois do almoço, volto para o meu quarto, precisando desesperadamente de um momento de descanso. O dia foi intenso, cheio de novidades e acontecimentos. Deito na cama e, antes mesmo de perceber, estou cochilando, o sono leve embalado pelo som distante do vento contra a janela.
Um tempo depois, sou despertada por batidas na porta. Esfrego os olhos e me apoio na muleta para atender. Ao abrir, encontro Julie e Emma, sorrindo animadas.
— Kate, as coisas que pedimos estão chegando daqui a pouco! — Julie avisa, já entrando no quarto.
— Sério? — pergunto, ainda meio sonolenta, mas a empolgação delas é contagiante.
— Vamos levar tudo para o meu quarto — Julie sugere. — Depois, o que sobrar, a gente divide.
— Perfeito! Me esperem só um segundo. — Recolho minhas coisas rapidamente e vou com elas.
No quarto de Julie, começamos a organizar tudo. As entregas chegam em sacolas coloridas e cheias de delícias: pipoca amanteigada, salgadinhos diversos, balas de gelatina em formatos divertidos, trufas recheadas de caramelo, pudim, sorvete de flocos, biscoitos de chocolate e cupcakes com coberturas de glacê rosa e azul. Emma abre as embalagens como uma criança no Natal, e Julie já começa a separar tudo em pequenas porções para cada uma.
— Isso aqui tá parecendo festa de aniversário! — Emma exclama, pegando um biscoito.
— O que falta agora é escolher o filme — Julie diz, remexendo nos discos disponíveis.
— Tem que ser algo clássico — Emma opina, com uma piscadela. — Barbie?
Rimos da sugestão, mas acabamos concordando. Escolhemos "Barbie: Escola de Princesas", sem dúvidas o melhor filme da Barbie.
O filme começa, e estamos nos acomodando na cama, cercadas pelos doces, quando há uma batida inesperada na porta.
— Eu atendo — Emma se prontifica, caminhando até lá. Ao abrir, ela fica cara a cara com a pequena Lili, que segura seu inseparável ursinho.
— Sua Alteza? — Emma diz, surpresa, inclinando-se numa espécie de reverência improvisada.
— Oi! — Lili responde, com um sorriso travesso.
Julie e eu olhamos para a porta, e eu quase rio ao ver a reação de Emma.
— Lili, o que você está fazendo aqui? — pergunto, curiosa.
— Eu soube que vocês estavam todas aqui e queria falar com a minha nova amiga — Lili responde, entrando no quarto sem hesitar.
Emma me olha, confusa. — Kate, tem algo que você esqueceu de nos contar?
Dou um sorriso envergonhado. — Ah, é que eu conheci a Lili mais cedo, no jardim. Ela é... especial.
— Ela realmente é a princesa? — Emma pergunta, ainda tentando entender.
— Sim, mas pode só me chamar de Lili — a pequena responde, já se acomodando na cama entre as guloseimas. — Vocês são amigas da Kate?
— Somos — Julie responde, se abaixando para ficar na altura dela. — Eu sou Julie, e essa é a Emma.
— Prazer! — Lili faz uma reverência exagerada. — Vocês têm chocolate?
Emma olha para mim, depois para Lili, e dá de ombros antes de pegar uma trufa.
— Aqui está, Alteza.
— Obrigada! — Lili diz, pegando o doce e dando uma mordida feliz.
Logo estamos todas sentadas juntas, rindo e assistindo ao filme. Lili faz comentários engraçados sobre a história, especialmente sobre como as princesas do filme deveriam aprender a ser mais ajeitadas.
— Se eu fosse a Barbie, já tinha resolvido tudo — ela diz com seriedade, arrancando gargalhadas de todas.
A tarde passa de forma leve e alegre. Entre risadas, doces e histórias, percebo que, às vezes, os momentos mais simples podem trazer uma felicidade que aquece a alma.
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Na manhã seguinte, acordo com os primeiros raios de sol atravessando as cortinas. O quarto está silencioso, exceto pelo canto baixo dos pássaros lá fora. Espreguiço-me devagar, sentindo a leve fisgada no tornozelo. Nada comparado ao que era antes. A equipe de saúde do castelo tem sido incansável, e, graças a eles, estou me recuperando mais rápido do que esperava.
Levanto-me e escolho um vestido leve, de um tom pastel. É a escolha mais prática para um dia que já sei que será cheio. Quando chego ao salão, o aroma de café fresco e pão assado toma conta de tudo. É impossível não se sentir acolhida.
A mesa está posta com uma perfeição quase exagerada: frutas coloridas, queijos delicados, bolos caseiros com cobertura brilhante. Escolho uma fatia de bolo de laranja e uma torrada com manteiga. Antes de dar a primeira mordida, Emma aparece, elegante como sempre, com uma croissant na mão.
— Alguém aqui faz ideia de como vamos sobreviver a essa rotina? — pergunta ela, mordendo a massa folhada sem cerimônia.
Dou de ombros. — Com um café da manhã desses, até que dá para tentar.
Ela ri, e logo Julie chega, ainda ajeitando o cabelo. Sentada ao nosso lado, começa a falar sobre o filme da noite anterior. É impossível não rir ao lembrar dos gritos de Lili a cada cena mais intensa.
Depois do café, somos informadas de que teremos uma aula de etiqueta à mesa.
— Etiqueta? — Emma cochicha para mim enquanto caminhamos para a sala de aula. — Sinto que estão tentando nos transformar em princesas de porcelana.
Dou uma risada curta, mas sinto um frio na barriga. Etiqueta definitivamente não é o meu ponto forte.
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O salão é amplo e impecável, com mesas postas como em um jantar de gala. Talheres, taças e pratos estão organizados em uma ordem tão específica que me sinto intimidada só de olhar. A instrutora entra com um vestido preto ajustado e um coque tão perfeito que parece ter sido desenhado.
— Senhoritas, a postura e o domínio das regras à mesa são indispensáveis — anuncia ela, enquanto caminha pela sala.
Emma, para minha surpresa, é impecável. Ela segura os talheres com a naturalidade de quem nasceu para isso. Enquanto isso, eu luto para lembrar se o garfo de sobremesa é o menor ou o maior.
— Como você consegue? — sussurro para Emma, depois de mais uma correção.
— Minha avó adorava jantares formais. Eu ajudava a organizar. — Ela dá de ombros, como se não fosse nada demais.
Já eu, a cada movimento, sou interrompida pela instrutora.
— Espinha reta, senhorita Kate! — ela diz, equilibrando um livro na minha cabeça.
Os dias seguem com mais aulas: história do reino, postura e até como lidar com a mídia.
— Isso está ficando confuso para mais alguém? — pergunto no intervalo.
Emma ri. — Confuso, não. Mas se eu ouvir "espinha reta" mais uma vez, juro que vou surtar.
Apesar das dificuldades, com o passar dos dias, começo a perceber pequenas melhorias. Meu tornozelo está quase bom, e os médicos do castelo elogiam minha recuperação. Até a postura, antes desajeitada, já não é tão ruim.
Lili é minha companhia constante. Ela tem uma energia contagiante, e conversar com ela é fácil, mesmo ela sendo uma garotinha de apenas 6 anos, como se conhecêssemos há anos.
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