8: Noite em família
— Não! — o interrompeu apressada — está tudo bem. O pai está bem, e a nossa mãe também, não está a acontecer nada, acredita em mim, por favor.
Félix a olhou desconfiado, por algum motivo desconhecido não conseguia acreditar nas palavras da irmã. E de certa forma, sua preocupação era compreensível.
Quando Bruna tinha 10 anos, o seu pai perdeu o emprego e começou a beber. Em um dia, ele chegou em casa muito bêbado e a agrediu. Naquela época, a sua mãe chegou ao limite e o expulsou de casa.
Após perder a única coisa que a ainda lhe restava, sua família, ele percebeu o grande erro que havia cometido e arrependeu-se. Começou a frequentar a igreja, a princípio apenas para poder ver os seus filhos e tentar reconquistar a esposa, mas com o tempo acabou se convertendo e tornou-se cristão. Ele conseguiu outro emprego e voltou para casa, pediu desculpas para a família e tornou-se uma pessoa completamente diferente.
— Você está a esconder algo — Félix insistiu.
— Por favor, deixe isso de lado — suplicou.
— Não, vou ligar para o papai agora mesmo e descobrir o que está a acontecer — pegou o telefone e começou a discar o número.
— Não faça isso — Bruna puxou o telefone da mão dele e o colocou no bolso — ele também não sabe — suspirou e olhou para os próprios pés — Foi a mamãe quem me bateu.
— O quê? — ele arregalou os olhos de incredulidade — a nossa mãe nunca faria isso. O que você fez, Bruna?
— Félix, por favor, eu prometo que você vai saber. Mas preciso falar com a mamãe antes — fez uma cara de cachorro abandonado — por agora deixa isso para lá.
— Está bem, mas você deve ter feito algo muito sério para que ela reagisse dessa forma.
Bruna abanou a cabeça em concordância e ambos se sentaram na cama. Não havia nada para ser conversado, Bruna não conseguia encontrar qualquer assunto interessante, ou que não incluísse o facto de ela estar grávida. Félix continuava obstinado em saber o que acontecia, e apesar de ter prometido para Bruna que deixaria esse assunto de lado, não conseguia se impedir de criar várias teorias que justificassem o comportamento agressivo da mãe, nunca algo igual acontecera antes.
O relógio na parede parecia ressoar mais alto naquele silêncio. A tensão pairando no ar, Bruna nunca tinha se sentido tão desconfortável na presença do seu irmão, mas também não era para menos, ele fixava-a como se tentasse ler os seus pensamentos, o que só a fazia sentir ainda mais sufocada por esconder algo tão importante dele, mas, ao mesmo tempo, não encontrava palavras para contar o que realmente acontecera.
Decidiu então ir auxiliar a mãe com os preparativos do jantar, e Félix foi junto. Antes de sair do quarto, passou uma camada de maquiagem, tentando disfarçar a marca no rosto, para que o seu pai não percebesse caso ele chegasse e a encontrasse na cozinha.
Enquanto colocavam os pratos e talheres, Félix, num tom cúmplice, sugeriu:
— Vem morar comigo na capital, isso seria muito bom — largou o que fazia e a olhou nos olhos.
— Nós já conversamos sobre isso Félix — Bruna deu um sorriso pequeno e voltou para a cozinha.
Se ela pudesse, teria arrumado as malas no mesmo instante e partido com o seu irmão para longe daquela cidade. Cada canto dela a fazia lembrar de Francisco, e do amor que ela julgou que sentissem um pelo outro, mas não podia simplesmente fazer isso, principalmente porque agora não era só por ela, mas também pelo novo ser crescendo no seu ventre.
Daniel havia avisado que chegaria tarde para o jantar, então os três começaram sem ele, Marta manteve um ambiente sereno e leve, sabia que se não o fizesse o seu marido notaria o mínimo traço de tensão no ar.
Enquanto os três trocavam risadas calorosas das memórias antigas, Daniel chegou e se juntou a eles.
— Quando foi a última vez que você tocou o seu piano? — Félix indagou olhando para o instrumento na sala de estar.
A pergunta foi simples, e sem qualquer outra intenção, mas Bruna sentiu uma agulha sendo espetada numa ferida ainda sangrenta. Se lembrou do último dia que havia tocado.
Era quarta-feira, Francisco foi buscá-la no fim das aulas e a levou para casa, ao chegarem, ele pediu que ela tocasse alguma coisa, e ela fê-lo, tocou a sua música preferida, Best Part, as notas não estavam perfeitas, mas Francisco a encheu de beijos e disse que estava extremamente feliz, porque ela havia tocado para ele.
Era uma lembrança feliz, Bruna já mais imaginou que um dia sentiria tamanha tristeza ao recordar tal momento.
— Algumas notas soltas — mentiu e logo voltou o olhar para sua sobremesa.
Quem sabe algo doce a deixe menos triste?
O seu pai, olhando esperançoso, falou:
— Por que não tocam alguma coisa agora? Seria ótimo! — o seu tom estava animado.
Apesar de não estar muito empolgada, Bruna acenou positivamente e sorriu. Os seus pais pediram que tocassem Please Forgive Me, Bryan Adams, e assim ambos começaram a tocar enquanto Feliz cantava baixinho, a sua voz incrível criando um contraste perfeito com a melodia do piano.
Os seus pais dançavam agarrados enquanto se lembravam dos tempos juvenis. Ao fim da melodia os dois aplaudiram ao pequeno show após se beijarem, era visível o quanto ainda se amavam mesmo após décadas juntos.
A luz suave da manhã inundou o quarto, Bruna se levantou, esticando os braços. A cozinha estava repleta do aroma de café fresco. Os seus pais já estavam lá, conversando baixinho. Félix logo juntou-se a eles. Depois do café, todos se arrumaram e foram à igreja.
A estrutura era pequena e simples, bancos de madeira estavam distribuídos em duas filas, desde o altar até as portas principais, entre as duas fileiras de bancos de encontrava um tapete vermelho, as duas paredes laterais com três grandes janelas, vitrais coloridos, algumas se encontravam abertas, permitindo a circulação de ar fresco pelo ambiente. No altar estavam três cadeiras de madeira, acolchoadas e com revestimento de couro, atrás delas uma grande cruz de madeira se fazia presente. Dos dois lados, duas pequenas mesas estavam dispostas com algumas velas acesas, e uma no centro contendo um buquê de flores e uma bíblia aberta.
Marta tomou um lugar na segunda fileira do lado esquerdo e a sua família se juntou a ela, alguns minutos depois, o coral começou a cantar dando início a adoração.
Terminada a missa, Marta conduziu a sua filha até a conselheira da igreja, sentia que precisava de uma ajuda extra para resolver a situação. Após explicar a situação, olhou para a conselheira esperançosa de receber os tão sábios conselhos que ela sempre tinha para dar.
— Bruna, eu imagino que você esteja muito abalada num momento como esse, — a conselheira segurou as suas mãos — mas não desanime, volte-se para Deus, ele conhece-nos melhor do que nos mesmos, e está sempre de braços abertos para receber de volta os filhos desviados do caminho, basta nós querermos
" E Marta, consigo imaginar pelo que você esta passando com essa situação, não vede estar a ser fácil para você ter de lidar com tudo isso, é certo que nós, as mães, estamos sempre esperando que os nossos filhos não cometam erros, mas eles também são humanos, e devemos entender isso. Nesse momento o que a Bruna mais precisa e de apoio e compreensão para lidar com essa situação.
"Orem e peçam orientação a Deus, ele melhor do que ninguém tem as respostas para nossas perguntas e poderá guiar vocês a fim de ultrapassarem essa questão. Ele tem um plano para cada um de nós, pode parecer confuso agora, mas vocês só precisam dar total controle a ele e deixá-lo guiar a situação, tudo ira bem."
Ao retornar para casa, eles almoçaram tranquilamente e passaram uma tarde tranquila e harmoniosa. Ao pôr do sol, Félix estava se despedindo para voltar a capital, mas sua mãe, com uma expressão serena, pediu que ele aguardasse mais um tempo, pois tinham um assunto sério a tratar antes da sua partida.
— Daniel, — Marta chamou — vem aqui na sala um momento, precisamos conversar.
— O que está a acontecer? — Daniel logo apareceu na sala, o tom um pouco preocupado.
Marta respirou fundo, sentia que a conversa seria difícil.
Bruna e Félix escolheram um sofá, enquanto os seus pais acomodavam-se de frente para eles.
As palavras sussurradas por Félix ao ouvido da irmã quebraram o silêncio tenso:
— É sobre o que aconteceu antes do papai chegar ontem?
Bruna acenou levemente com a cabeça, confirmando.
Marta, com um olhar amoroso, porém apreensivo, disse.
— Bruna, acho que é hora — sorriu pequeno, encorajando a filha a falar.
Ao ouvir as palavras da mãe, Bruna engoliu em seco. O seu coração batia rápido, quase sufocando as palavras na sua garganta.
— Pai — puxou o ar com força e logo o soltou — eu... eu só quero que saiba que lamento profundamente — respirou fundo mais uma vez, buscando coragem — foi algo que saiu do meu controle.
Daniel, com a expressão preocupada, interrompeu:
— O que foi, Bruna? Diga logo.
Lágrimas formaram-se nos seus olhos enquanto murmurava:
— Estou grávida — não conseguiu manter a cabeça erguida, estava com medo do que encontraria nos olhos do pai.
Um silêncio ensurdecedor tomou conta da sala, as palavras de Bruna ecoando pelo cérebro de Daniel como se fosse a música sombria de um filme de terror.
Bruna finalmente tomou coragem e olhou para seu pai, tinham se passado apenas alguns segundos, mas ela não suportava mais aquele silencio sufocante.
Ao ver a expressão no rosto do pai, o seu choro aumentou. Ele estava com as sobrancelhas franzidas, a boca semiaberta e olhos desfocados. O seu rosto refletia uma dor absurda, havia devastação também, mas a dor era muito maior, tão grande que nem lhe permitia falar.
Ele levou a mão ao lado esquerdo do peito, numa tentativa instintiva de aliviar a agonia que crescia dentro dele. Levantou-se e tentou caminhar, mas seus pés pareciam perder as forças a cada tentativa de avançar, cambaleava, quase caindo.
Bruna se levantou rápido e o segurou, com a ajuda de Félix, antes que ele perdesse o total equilíbrio. Ambos o colocaram no chão e Bruna se inclinou, desabotoando a sua camisa para ajudá-lo a respirar melhor.
Félix rapidamente correu em direção ao quarto, para buscar o esfigmomanómetro, enquanto Marta estava ao telefone, explicando desesperadamente a situação para o serviço de emergência.
A pressão arterial de Daniel caía rapidamente. Bruna colou uma almofada em baixo da sua cabeça e tentou deixá-lo o mais confortável possível. O tempo parecia se arrastar enquanto esperavam pelos socorristas.
Quando finalmente chegaram, Daniel já havia perdido consciência. A cena desenrolou-se como num pesadelo: a sirene estridente, as vozes urgentes dos paramédicos, o seu pai inconsciente ao seu lado, Bruna se sentiu sufocada.
O desespero tomou conta de Marta, ela implorava aos paramédicos que salvassem o seu marido. Félix tentava ao máximo acalmar a sua mãe e impedir que ela atrapalhasse os paramédicos no seu trabalho.
Em um piscar de olhos, Bruna sentiu como se tudo se movesse em câmara lenta. A visão à sua frente tornou-se embaçada, e logo começou a escurecer, como uma sombra avançando, até que tudo ficou completamente escuro. O seu corpo caiu inconsciente ao lado do seu pai.
Agora às coisas ficaram tensas.
Será que o Daniel vai ficar bem?
O que vocês estão achando da história?
Bjs. e até ao próximo capítulo <3.
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