6ºCapitulo
-Então e depois?- Eu perguntei enquanto Sam passava ganchos pelo meu cabelo na tentativa de o prender.
-E depois fiz sangue.- A pequena menina conta-me do seu acidente no triciclo.
-Parece que alguém devia ir mais devagar.- Riu-me e ela dá a volta para se meter á minha frente, tentando pentear a minha franja.
-Não.
Ela finaliza, mantendo-se concentrada na tarefa entre mãos. Olho para a minha esquerda e Ave está entretida com alguns meninos e uma pista de carros, na realidade ela parece tão entusiasmada com a pista como eles.
-Tu não queres ir brincar com a Ave os outros meninos?- Pergunto sentando-a no meu colo, ela encosta a cabeça no meu peito e puxa o meu cabelo comprido para as suas pequenas mãozinhas novamente.
-Não. Eu gosto de ficar aqui quentinha.- Sam chamava o meu colo de uma coisa quente, e as razões por detrás disso deixavam tão triste, era como reviver pequenas chamas do passado. Enquanto eu penteava os cabelinhos loiros ela manteve os seus olhos muito abertos. É impossível pensar que alguém poderia querer deixa-la, mas não foi uma escolha, e talvez seja por isso que me sinto tão perto dela. Os seus pais morreram num acidente de carro, ela sobreviveu... se isso soa familiar? Bastante, de cada vez que olhava para os olhos dela eu podia ver o reflexo do Harry, e de alguma forma talvez tivesse sido isso que me deu a estabilidade e me encorajou a seguir em frente, o facto de ter alguma coisa que me deixasse agarrar a ele, e ela estava tão sozinha, perdida, calada, eu precisava de a fazer sorrir.
-Tu vais levar-me ao teu novo trabalho?- Ela puxou o meu cabelo com mais força para eu olhar para ela. Eu queixei-me e ela riu-se com o seu riso de bebé, mesmo que ela tivesse cinco anos ela era tão pequenina.
-Claro que sim, vamos arranjar um vestido e sapatos muito bonitos, e tentar convencer a diretora para passares uma noite comigo.
Eu sabia que seria difícil leva-la uma noite comigo para estar comigo e com Ave em casa, mas queria tanto que ela sentisse o que era uma casa, uma de verdade, não uma com dezenas de outras crianças, com quartos com seis camas... eu ia dar-lhe o seu próprio quarto.
-Eu vou usar aquelas sapatos com picos?
-Picos?- Eu franzi para ela, uma risada escapou dos seus lábios enquanto ela se tentava lembrar do nome.
-Saltos altos Sammy, chamam-se saltos altos.- Ela guinchou quando levei os dedos ás suas laterais e pressionei, fazendo-a ter uma crise de riso. Alguém pode ouvir alguma coisa mais bonita? A maneira como ela gargalhava era mágico.
-Não sua excelência não vai usar saltos altos, és muito nova para isso, mas tu podes ter umas sabrinas com brilhantes.
-E ursinhos?
-E ursinhos.
-E bonecas?
-E bonecas.- Eu confirmei tudo o que ela me dizia, rindo me cada vez mais alto da imaginação fértil da menina no meu colo.
Quando chegou sexta de manhã e a entrevista se aproximava o meu estomago apertou-se. Tinha dormido mal, pesadelos sem nexo, como fragmentos da minha vida, foi confuso e eu mal podia adormecer, por isso não havia realmente nada que estivesse a ajudar-me, mesmo olhando para o desenho de mim com saltos com "picos" que Sam tinha feito, eu não podia controlar-me enquanto andava ás voltas na sala.
Ave estava comigo, encostada ao lado oposto da sala, o seu olhar inquisidor em mim, eu sabia que ela queria que eu me acalmasse, mas haviam tantas possibilidades, tantas coisas que podiam correr bem. Os saltos de Ave bateram no chão e ela agarrou-me pelos ombros, olhando-me de uma forma que me fez ver que ela daria uma boa advogada.
-Ora bem Black, tu estas a gastar o nosso chão, e eu não acredito que o nosso senhorio vá gostar disso, depois tu passaste toda a semana a preparar-te para isto, tu estas apresentável e ao mesmo tempo pareces uma brasa, tu até tens dez centímetros a mais... tu não percebeste o homem possuído pelo pecado que é o meu chefe vai contratar-te de certeza.
Pisqueis os olhos para ela. Ela era tão confiante que chegava a doer só de estar ao pé.
-Centenas de candidaturas passaram por lá, porque haveria eu de conseguir, ainda por cima só vou conseguir entregar-lhes a cópia do diploma daqui a duas semanas.
-Esquece isso, pensa que a partir do momento em que entrares naquele edifício tu és senhora do universo e eles vão ser o chão, e tu vais dar-lhes com esses saltos agulha ouviste?
Acenei que sim e agarrei na mala, caminhando a passos largos para a porta da entrada, com Ave a agitar as chaves e a cantarolar alguma coisa.
Quando o táxi nos deixou á porta do elegante edifício um arrepio percorreu-me a espinha, e fui obrigada a olhar para a rua mais á frente onde tinha visto o Harry.
Harry...
Eu ainda não sabia o que ia fazer quanto a ele, ele pediu-me para jantar, mas o que haveria realmente a falar com ele? Ao fim de tanto tempo eu quase que podia sentir rancor e veneno de ambos os nossos corações. E mesmo que eu reconsidera-se jantar com ele, eu não sabia onde, nem quando, o seu numero estava gravado no registo de chamadas, mas eu não atrevi a olhar para ele novamente, as ultimas palavras dele ferviam-me o sangue e eu precisava de me saber controlar. "Já o fiz" foi o que ele disse. Como já o fez? O que quer isso dizer?
-Soph!- Ave agarrou o meu braço abanando-me.
-Tudo bem?
-Tudo.
Quando as portas deslizaram para dar passagem a nós e a mais quase doze pessoas senti-me gelar. Precisava de me concentrar, precisava de não pensar nele. O meu futuro estava aqui e o Harry fazia parte do meu passado. Estava acabado e para bem de nós os dois, devíamos...
-Anda Soph, vamos perder este elevador.
Fui arrastada para o elevador lotado, e á medida que as portas se fechavam os nervos voltaram com muito mais força. A espera até ao topo foi lenta e eu tentava ignorar o ruido de fundo das pessoas, o cheiro a perfume, a única coisa que me mantinha no agora era a mala da Ave a roçar no meu ante braço. Os números passaram e as pessoas foram saindo, até que só restávamos nós, parece que o ultimo andar não era algo onde as pessoas gostassem de ir. Virei-me para Ave e pela primeira vez pude ver indícios de nervosismo por ela também.
-Podes ir trabalhar, não precisas de ficar á espera.
-Não é importante, adiantei trabalho, e sei a pressão que é exercida neste tipo de coisas, não te vou mentir, é horrível, e eles vão fazer-te perguntas complicadas ás quais tens que responder rápido, mas no entanto eu sei que consegues, tu és bom a combater a pressão.
As portas abriram-se e dei um ligeiro salto para trás, um balcão de mármore estava disposto á nossa frente, e dois homens e duas mulheres esforçavam-se por anteder todas as chamadas. Nós caminhamos pelo corredor, e Ave apontou para a casa de banho, escadas de emergência, tudo maneira de aligeirar o ambiente, mas que de um certo modo me pareceram tão necessitadas. Quando viramos num corredor espaçoso e iluminado uma mulher ruiva levantou-se.
-Miss.Black?
-Sim, sou eu.
-Falei consigo no início da semana lembra-se?- O sorriso dela é meigo.
-Sim, perfeitamente.
-ótimo, Mr.Styles deve estar pronto em vinte minutos.
Abanei a cabeça ligeiramente, e pareceu-me que o sangue começava a ser bombeado muito mais depressa, que a pressão tinha descido, os meus ouvidos zuniam. Tira-o da cabeça fodace.
-Desculpe? Mr?
-Mr.Harry Styles... está tudo bem Miss.Black?
Estava tudo a andar á roda, o meu coração e o meu estomago estavam a tentar fundir, e lágrimas indesejadas afloram-se nos meus olhos, acho que fui tão rápida a voltar para trás que quando dei por mim estava sozinha dentro da casa de banho que Ave me tinha apontado. Estou sentada em cima do tampo da sanita a tentar respirar calmamente, mas tudo o que posso pensar é que vim parar mesmo onde ele me queria. As lágrimas borram-me a visão e tapo a mão com a boca. Foi isto. Eu vi isto. Na universidade, quando o Niall tentou vir atrás de mim, e agora vou sair da casa de banho, e Ave vai estar lá...como é que não percebi isto antes? Sinto-me tão vulnerável, sozinha...tenho duas opções, vou ou fico, e parece-me tão tentador ir, esquecer que o vi, tentar evita-lo.
Um soluço pesado escapa da minha boca e abano a cabeça, dói como a porra saber que ele está tão perto e tão longe, dói a maneira como me sinto fraca e incapaz, dói em ver que ele está a destruir a minha primeira oportunidade de nova vida, mas dói mais que tudo sentir-me culpada.
Levanto-me e ando até ao espelho, vendo os meus olhos inchados e verde muito claro, a minha cara não está inchada do choro, mas tremo ao respirar, no entanto estou bem, o meu cabelo está fixo no seu rabo-de-cavalo liso. Tiro um lenço da mala e passo-o cuidadosamente pelos meus olhos, quando tento colocar novamente os pacote de lenços tremo um pouco e o telemóvel cai, tropeço para trás assim que vejo a tela brilhar com o numero do Harry, o meu coração bate com tanta força no meu peito que posso ouvi-lo. Encosto-me á parece incapaz de apanhar o objeto a reluzir no chão.
A porta abre-se e olho imediatamente para cima, Ave está olhar confusa, e chateada quando percebe que estou a chorar.
-Meu Deus Soph que se passa? A reunião é em dez minutos.
-Eu não posso ir.- A minha voz é cortada.
O telemóvel para de tocar e respiro fundo.
-Porque não? É a tua oportunidade tens este projeto desde que acabaste a lincenciatura.
-Eu sei...mas encontrei alguém
-Quem?
-Ele.
Respiro fundo e tento que as lágrimas parem de escorrer.
-Ele quem? Fala comigo.
-Ele Ave, o Harry, Harry Styles é o meu... era o meu namorado.
E como se de uma só vez, a cor esvai-se do seu rosto, ela fica pálida, e anda até mim aproximando-me, envolvendo-me num abraços.
-Eu não fazia ideia. Desculpa...- Ela larga-me e olha para mim.- Mas quais eram as possibilidades de ele estar aqui?
Riu-me sem vontade.
-Possibilidades nunca foram um entrave para ele. Preciso de ir embora antes que...
-Não, nem penses, tu lutaste muito por isto, e se calhar... se calhar é disto que precisas, de enfrentar o teu passado de... de olhares para ele, falares com ele e depois continuares.
As palavras delas cavam um buraco na minha cabeça. Será que se conseguir ir até lá olhar para ele, e agir como se não houvesse nada que ele possa magoar, ele vai seguir em frente também? Será que se me mostrar fria ele vai deixar ir?
-Por favor Soph, não deixes que isto te estrague os planos.
E de alguma maneira dou por mim á entrada da porta de mogno escura, puxando-a para mim. O coração martela-me no peito com força, e não tenho força na pernas, a minha garganta está seca, e não tenho a certeza de conseguir falar, mas quando olho para trás e recebo um polegar para cima de Ave ponho um pé direito dentro do escritório, e entro.
Consegui!
O espaço é enorme, uma vista linda sobre a cidade, é alto, mas não demasiado, tal como pensei que haveria está uma secretaria perto da janela, há armários alinhados numa das paredes da porta, tudo decorado em tons de branco e castanho claro, sofás, mesas de reuniões...mas no entanto está vazio.
Um par de sapatos faz barulho atrás de mim e viro-me de repente. Os olhos verdes caem em cima de mim e pisco para tentar assimilar o que está realmente a acontecer. Quando é que alguém disse que a minha vida era enfadonha?
E por um momento, enquanto ele fecha a porta, tenho a sensação de que alguém está a fechar uma gaiola e a prender-me, quando ele se vira fixa os olhos novamente em mim com uma energia gigantes, os olhos dele passam pelos meus lábios, o meu pescoço, e a seguir o meu corpo antes de voltarem á minha cara. A tensão acumula-se, e quero fechar os olhos mas não posso, por isso chego a mão á frente e como se o tivessem tirado de um transe ele aperta á mim, não com muita força, mas o suficiente para me fazer tremer, um arrepio passa por mim, e tenho que clarear a voz.
-Mr.Styles.
-Miss.Black, desculpe o atraso, precisei de fazer um telefonema.
E pela primeira vez desde que o vi, sorri, não um sorriso que me ia fazer sorrir, ma sum sorriso de um só lado, frio, arrogante.
-Sente-se.- Ele aponta para a cadeira á frente da secretaria e sento-me, esperando que ele se sente também.
-Bom, acho que dispensamos preliminares não acha Sophia. Posso trata-la por Sophia não posso?
O veneno na voz dele faz-me querer chorar, mas aceno com a cabeça e olho para a minha saia alisando uma prega invisível.
-Otimo, então pelo que li, estudou em Oxford durante seis meses, onde trocou duas vezes de universidade...deixe-me dizer-lhe que me parece um pouco irregular não acha?- Levanto a cabeça e olho para ele, e percebo naquele momento, que este vai ser o tempo mais longo que já tive.
-Sim.
-Pode esclarecer-me?- Porque é que ele está a fazer isto?
-Problemas pessoais.
-Coisas estupidas de adolescentes suponho, todos passamos por isso. Continuando... deixou a ultima universidade em Oxford e transferiu-se para Nova Iorque. Alguma razão em especial?
-Os meus pais, eles viviam aqui, foi uma razão puramente racional.
Vejo que de alguma forma a minha resposta quebra alguma coisa nele, mas ele recompõem-se rápido, e decido que se ele quer jogar, vamos jogar.
-Já terminou o curso?
-Recebo o diploma para a semana.
-Tem experiencia? Como estágios ou empregos técnicos?
-Não propriamente, estive numa empresa durante um mês no segundo ano de faculdade, mas não realmente a sério.
-Os nossos arquitetos são muito racionais Sophia, pensam bem nas decisões antes de as tomar, não deixam um projeto a meio nunca, deixar coisas a meio não é uma coisa que eu tolere, e abandonar um projeto é coisa digna de desprezo.
Não me vou deixar ir abaixo. Não vou. Não vou.
-Compreendo, mas ás vezes não há mais ponta por onde se pegar, ás vezes é preciso dizer adeus.
-Bom, se quer trabalhar para mim, preciso que memorize as minhas palavras.- A sua voz é rouca, e sinto-me suor frio começar a formar-se no meu corpo. Ele passa alguns caracóis rebeldes para trás da testa e sorri-me com arrogância.
-Aqui nunca deixamos nada para trás, lutamos por aquilo em que acreditamos, e punimos severamente mentirosos e cobardes. Quero as melhores pessoas na minha equipa por isso é bom que se comece a inteirar da minha ética de trabalho.
Engulo em seco e olho para as mãos dele, com os nós dos dedos brancos de tanto apertar a borda da mesa. Ele está tão zangado.
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Eu não sei mas acho que este foi o segundo capitulo que me deu mais pica escrever, por assim dizer quando a Soph estava no elevador eu estava literalmente com o estomago embrulhado em nervos. Foi incrível.
Agora só publico mais sexta, desculpem meninas, mas espero que compreendam.
Love u all
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