1ºCapitulo
-Anda, rápido!- A mão de Ave aperta a minha enquanto ela me puxa pela quarta avenida em hora de ponta.
Riu-me com vontade e ela olha para mim espantada, puxando-me para mais perto dela enquanto caminhamos juntas pela confusão da hora de almoço. Nova York está solarenga e os últimos dias de Abril cobrem-nos de uma energia mágica. De todas as estações que aqui passei esta é a minha preferida por várias razões. Está sol, não está nem muito quente, nem muito frio, e é o meu aniversário em algumas semanas. Ave tem feito sempre algo especial para o meu aniversário desde que nos conhecemos quando entrei novamente para a universidade.
-Como podes estar tão calma! Vamos finalmente levantar a maquete do teu projeto!- Ela pula um pouco em cima das suas sapatilhas. Mesmo de sapatos rasos ela é alta, mesmo alta. Ela daria uma boa modelo se não achasse que de algum modo estaria a usar-se a ela mesma. Discutimos o assunto imensas vezes com ela a ficar chateada porque é como estar a vender a sua imagem, como estarem a julga-la pela cara quando por dentro ela tem mais para dar. Como por exemplo o seu grande dote para números, ela é a maior em números e graças a isso está a trabalhar numa nova empresa que apareceu no mercado á um ano.
Ave é um ano mais velha que eu, mas mesmo assim nós continuamos a dividir o apartamento, a única coisa diferente é que enquanto ela sai de manhã de saltos altos e saia, eu saio de converses e calças de ganga. Até hoje.
Quando Ave apareceu numa fase da minha vida não muito boa, toda Canadiana e senhora de si nunca pensei que nos tornássemos tão amigas. Há pequenas coisas na vida que não podes prever, e essas coisas são as melhores. É óbvio que Ave me lembrou de algo, algo que devia ficar no passado, algo que eu não deveria lembrar mas lembrei. Involuntariamente.
-Sabes podias mandar o teu projeto para o escritório onde trabalho, tenho a certeza de que espertos como são ficavam com ele.
Ela enfia o braço no meu e cruzamos rapidamente para uma rua secundária. A multidão começa a dispersar-se, maioria das pessoas é turistas, e felizmente turistas não andam por detrás dos antigos prédios de tijolo.
-Talvez, estou ansiosa, trabalhei nisto anos, e talvez agora dê frutos. E tenho a minha formatura daqui a um mês, quão excitante é isso?- Pulo de alegria quando ela se ri e voltamos a sair da rua secundária. Estamos numa das avenidas principais e o mais fantástico é que estamos a vinte metros da minha maquete.
Ave abre a porta do prédio que foi convertido em ateliês e subimos as escadas a correr, os sapatos a bater nos degraus de granito. A porta está aberta e entramos.
-Soph. Ave.- Carl vem até nós e abraça-nos. Carl estuda comigo.
-Deixa-me vê-la, deixa!
Corro pelo corredor estreito e abro a porta de uma das salas, normalmente é ali que toda a equipa guarda os projetos. Os meus olhos quase me saltam das orbitas quando a vejo. Três anos. Quando comecei o desenho no balcão da cozinha do... Nunca imaginei uma coisa desta. É alto, espelhado, e amigo do ambiente. Quase tudo ali funciona de forma ecológica, mas a maneira como as duas torres se ligam por um túnel de vidro transparente. Cada prédio tem vinte andares, a intensão de ambos os edifícios serem espelhados é que depois a ponte que os liga seja transparente, quase como o coração dos edifícios. É meio como eu, os edifícios são espelhados o que não permite ver nada, mas depois o coração é transparente. Há sempre algo que as pessoas podem ver.
-Wow, passei quase dois anos a olhar para isto no papel e agora está mesmo aqui Soph, tu fizeste isto.- Ave envolve-me num abraço e aperto-a com a mesma intensidade.
Está mesmo aqui.
-Obrigada Carl, nem acredito, agora precisamos de o embalar e manda-lo para a universidade, depois mando os projetos para as empresas e depois é esperar...
Carl anda até mim todo metro e oitenta, pálido e olhos castanhos e sorri com meiguice apertando-me também ele num abraço.
-Vais conseguir miúda, consegues sempre.
Salto e viro-me para Ave que me olha com um sorriso.
-Sabes uma coisa Ave? Vamos às compras.- Bato palmas e vejo as horas no telemóvel. Temos tempo hoje é sábado, não há nada para fazer.
-Assim é que é falar.
Agarramos em Carl e descemos os três as escadas fazendo barulho, guinchando e brincando.
Quando tenho as mãos cheias de sacos mais da Ave que meus, riu-me e mando tudo para cima do sofá, deixando-me escorregar até ao chão, Carl abriu duas cervejas e uma cola para mim. Nenhum deles percebe a minha aversão ao álcool, bem pelo menos não Carl, Ave é capaz de saber algo a respeito disso.
-E então quando tentei beija-la disse-me que não gostava de partilhar, e depois pôs-se com a teoria maluca de que eu e a Soph andávamos a foder.
As minhas bochechas coram com força e olho para o rosto bonito dele. Eu sei que ele sente alguma coisa por mim, mas de alguma maneira nunca consegui olhar para ele da mesma maneira. Talvez devesse tentar mas o meu estomago aperta-se com o pensamento e sinto-me terrível.
-Conclusão, não engates ninguém quando fores beber porque as miúdas inventam teorias sobre tudo.- Os olhos dele estão postos em mim, e uma parte estranha da minha cabeça queria sentir as malditas borboletas, os choques elétricos, mas nada, estou dormente, contínuo dormente...
-Talvez não tenhas falado com ela da maneira certa, devias ter tentado leva-la a casa sem segundas intenções.- A ave reprende-o.
-Vocês as duas são as maiores puritanas que Nova York já teve.
-Alguém tinha que ter juízo, esta cidade é de loucos á noite, e tu és mais um a ajudar.
-Se não podes divertir-se de que te serve a vida? Vocês as duas precisam de ir comido a um clube na próxima sexta.
-Não tu é que precisas de ficar em casa, por falar nisso tu devias ir agora, antes que bebas demais e tenhas que cá ficar. Outra vez.- Digo-lhe a sorrir e os seus olhos aumentam.
-Desta vez talvez me deixasses ficar na cama, em vez do sofá.
-Não me parece amigo.- Levanto-me do chão e puxo-o para cima. Ele é tão direto, ele não pensa duas vezes antes de falar e isso faz-me feliz, ele e a Ave deixam-me mesmo feliz.
-Vai com cuidado e manda-me uma mensagem quando chegares a casa.- Beijo-lhe a bochecha e ele sorri-me antes de descer as escadas do prédio.
Volto para dentro a sorrir e olho em volta, a Ave está na cozinha a lavar os pratos horrivelmente sujos de ontem á noite, e a luz da tardinha invade o pequeno espaço. Apaixonei-me pelo lugar assim que entrei. Não há literalmente nenhuma parede que não seja de tijolo, a não ser as da casa de banho, e da cozinha. O chão em madeira escuro é suave, e a maneira como arrumamos o apartamento faz-me pensar que no fim não preciso de grandes casas, sou tão feliz com este pequeno espaço.
-Ele acha mesmo que somos virgens Marias!- Ela levanta os braços exasperada e espuma cai no chão.
-Bom a maneira como agimos não é de todo a que ele está habituada...
Foi uma história engraçada a da nossa amizade com o Carl. Ele tentou a sua sorte com a Ave mas ela deu-lhe para trás, depois tentou comigo e aconteceu o mesmo, depois começou a chamar-nos de irmãs puritanas, e quando tentamos faze-lo parar ele riu-se e convidou-nos para um café. Nós decidimos ser raparigas maduras mas não deu muito resultado acabamos a rir com a acunha e ainda hoje ele a usa.
-Ele não vai encontrar ninguém para ele senão parar com esse modo ridículo de tratar as mulheres.
-Talvez quando ele se apaixonar a serio pare de ser assim.
-Talvez já esteja apaixonada, mas a rapariga por quem ele cometeu esse terrível erro não consegue deixar o passado ir.
Riu-me e volto-me para o meu quarto.
-Talvez um dia ela deixe ir.
Deixei as janelas todas aberta já a pensar em deixar o ar respirar, durante todo o rigoroso inverno a humidade infiltrou-se nas paredes no pequeno apartamento. Acho que nunca tinha sentido tanta falta do sol, os invernos eram sempre horríveis, e traziam-me lembranças tristes.
Sento-me na cama e olho para o postal de Natal que nunca chegou a ser enviado. Todos os anos eu comprava um postal, mandava-o e ele vinha de volta sem a carta que eu anexava. Eu sei que agi como uma cobarde, e talvez ao fim de um mês o que eu mais queria era voltar. Mas tive tanto medo. Ai percebi que há diferentes tipos de medo, porque o medo que senti do Dean não se comparava ao medo que senti quando pensei em voltar. Foi se tornando mais fácil com o tempo, mas nunca foi suportável, de uma maneira ou de outra ele aparecia assim que eu caia no sono.
Quando cheguei fiquei em casa dos meus pais, e expliquei-lhes mais ou menos o que aconteceu. Foi duro quando vi o olhar na cara do meu pai, ele estava desapontado, principalmente por lhe ter mentido quando disse que estava tudo bem. Foi como um choque de intenções, todos tínhamos boas intenções mas tínhamos todos maneiras diferentes de ver as coisas, as perspetivas, estava tudo trocado. Quando aterrei senti-me horrível com o que tinha feito, queria voltar para trás e estar lá quando ele abrisse os olhos, mas não podia. Uma parte de mim, uma que raramente ganhava estava a dizer-me que o que eu estava a fazer estava certo, e por uma vez na vida pensei em mim antes dele. Fui egoísta, e isso dói-me mais que tudo, tentei ir-me embora, mas a minha mãe, o meu pai, o Teddy, até a Ave, todos me disseram que eu tinha o direito de tentar de novo sem ele. Que eu tinha o direito de não querer viver com medo, que tinha o direito de estar traumatizada, que tinha o direito de errar, porque no fim do dia, eu ainda era uma pessoa com direito a errar.
Eu nunca descobri se errei ou acertei, mas se um dia descobrir espero que não seja doloroso.
Quando chegou o primeiro natal eu olhei atentamente para o anel brilhante que continuava no meu dedo, e decidi que estava na hora de o guardar. Fiz uma postal, e uma carta. O postal voltou. A carta não. Quando contei a Ave o meu gesto um pouco doentio de escrever cartas no Natal ela riu-se e perguntou-me "porque não um e-mail?" e eu queria responder-lhe, mas nunca consegui mesmo entender porque é que lhe mandava as cartas.
Com o tempo a ferida começou a cicatrizar mas fiquei sempre com a cicatriz. Ainda pensava nele, ainda dava comigo a sorrir quando me lembrava de pequenas coisas que fazíamos. E odiava-me por isso. Toda a gente me disse que o tempo ia leva-lo da minha cabeça, mas era mentira. Os pesadelos que tinha eram horríveis, ele estava no chão, a faca estava na perna dele, mas ele sorria para mim e caminhava para longe. Eu acordava encharcada em suor frio e sentia-me culpada. Durante a noite os pesadelos são reais, e sentia-me mesmo miserável, mas depois o sol vinha. Eu não via sol á meses, e quando os primeiros dias de primavera chegaram comecei a tentar convencer-me de que tinha direito a errar. Depois conheci a Ave, os meus pais ficaram felizes por começar novamente a falar com alguém da minha idade, e sair á tarde em vez de ficar em casa.
No segundo ano fui viver com Ave para os subúrbios da cidade, a mudança foi agitada e já sorria mais do que me sentia culpada. Sentia-me livre, sentia-me algo que não fui por muito tempo, e uma parte de mim perguntava-se se talvez o Harry também se sentisse melhor como eu. No entanto uma parte de mim gritava coisas desagradáveis, coisas como ele ter seguido em frente e de me ter ultrapassado, odiado e talvez até ter feito isso com uma linda e alta loira. Essa foi a fase dos ciúmes platónicos.
A meio do segundo ano sentia-me quase eu, e para ultrapassar a fase dos ciúmes platónicos quis acreditar que se ele estivesse feliz eu podia sentir-me melhor comigo mesmo, mais livre.
E depois em Março, quando fez três anos que vim para cá, sentia-me preparada para deitar o mundo abaixo, sentia-me feliz, radiante, aquela aura depressiva que tinha vivido nos últimos dias em Oxford fora-se. Ainda sonhava com ele, quase todos os dias, mas era mais suave, eram pequenas peças do nosso dia-a-dia, e acreditei que isso era o que eu precisava para continuar a minha vida.
Quis mesmo acreditar que já o tinha esquecido, mas isso era mentir a mim mesma, e prometi que nunca mais me mentia-me, porque se eu não acreditar em mim, quem vai faze-lo? Chegava de mentiras, tinha vivido numa redoma de mentiras e jurei nunca mais voltar a faze-lo.
Olhei em volta do quarto e vi o vestido para a minha formatura, e os sapatos de salto alto pretos. Eu estava pronta para avançar, estava pronta para conquistar o mundo, talvez o Harry nunca me abandonasse totalmente. "O primeiro amor nunca se esquece" foi o que a minha mãe me disse quando eu lhe confessei que me sentia culpada por estar a começar a ser feliz sem ele.
Talvez ela estivesse certa, uma parte de mim nunca ia conseguir deixar o Harry. Foi intenso, arrebatador, apaixonada e eu nunca poderia ter pedido por um amor melhor. Mas o amor não foi o suficiente, ás vezes o amor não é o suficiente. Quando eu pensava a serio na questão a única palavra que vinha á cabeça era confiança. Eu sentia que naquele dia, a confiança que nós tínhamos um no outro se tinha perdido. Eu era demasiado nova, ainda sou, mas naquela altura eu estava demasiado perdida, eu mal podia ver porque estrada ia, eu tinha que confiar nele e uma parte de mim, e talvez uma parte dele, não estivesse disposta a isso.
Amor é a chama, mas a confiança é o combustível.
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