108ºCapitulo
Os nossos olhos estão numa linha de fogo rápida. Sucessivas respirações rasas conforme ele se aproxima de mim, é como um campo magnético, odeio, amo e odeio a maneira como o meu corpo me trai perto dele, é como se houvesse uma linguagem singular entre nós dois que ás vezes eu desconheço. Sitios, gatilhos, cheiros e gestos que me fazem mexer sem eu querer. A ansiedade rasga-me por dentro e tento conter-me quando os dedos dele suavemente fazem o caminho pela minha bochecha até á minha orelha e uma mecha de cabelo é passada para trás. O olhar dele carrega tanto amor, segredos, raiva, eu nunca conheci ninguém como ele, capaz de tantas emoções...talvez seja por isso que me sinto tão fascinada.
-Ás vezes precisamos de voltar a cometer erros do passado, para que o futuro seja salvaguardado.- Ele murmura perto de mim, a sua respiração bate-me na testa e sinto o meu coração perder uma batida. O que quer isto dizer? Que jogo de meias palavras estamos a jogar desta vez?
-Que tipo de mensagem implícita me estás a crer passar? Não tenho muito paciencia agora Harry, estou zangada, e um pouco nervosa, os meus sentimentos estão ampliados agora...
Procuro os olhos dele, mas estes estão fixos nos meus lábios, como o seu polegar desliza pela pele sensível do mesmo.
-Que tipo de mensagem queres que te passe?- Ele pergunta sem realmente olhar para mim, é como uma daquelas perguntas que ele me faz para me deixar contente.
-Uma verdadeira.- Sussurro.
Ele ri-se. Um riso sem fundo, vazio, oco, como os olhos dele.
-Disseste que não iam haver mais segredos...sei que não tens mais alguém...
Ele olha para mim rapidamente, quase que de forma urgente.
-Não! Claro que não, és só tu, por amor de Deus, eu mal posso dar dois passos sem ti, quando te pus os olhos em cima foi como se as outras mulheres desaparecessem, tu sabes isso.- Ele acaricia-me a bochecha.
-Então onde é que estavas? Sei que acordei ao teu lado, estava assuatada, a chorar, mas lembro-me de ti lá, estavas a dormir profundamente...
Ele engole em seco e vira-se de costas para mim. A chuva lá fora cai de forma mais barulhenta e de repente sou engulida para um momento, um dia em Oxford, estamos a discutir e ele volta-me as costas, faz sempre isso quando perde a coragem para dizer a verdade. Sei que este homem está profundamente enraizado em mentiras, mas também sei que fiz questão de as libertar. Ao longo destes anos aprendi que só podemos amar uma pessoa por dentro, mas ao contrario do que as pessoas pensam de "amar por dentro" eu não o entendo dessa maneira. Só podemos amar quando conhecemos a parte podre da pessoa, quando aceitamos aquilo com que ela vive, quando fazemos parte da parte negra e estamos lá para absorver a parte boa. O Harry sabe cada pecado meu de cor, e embora seja a coisa que mais me custa ouvir, eu quero saber cada coisa que o inferniza, para poder afastar as sombras.
-Sai.
Impeço-me de comentar e mordo a língua.
-O Matt ia conseguir da prisão, aquilo que se passou não foi suficiente, ele ia sair com a condição residencial. O juiz estava tão decidido a deixa-lo ir que tive que tentar entender porquê.- Ele vira-se para mim e assim que os olhos verdes caem sobre os meus sinto o coração parar aos poucos. Cruzo os braços sobre o peito, embora queira baixa-los um pouco mais, impedir o meu bebé de ouvir aquilo que o seu pai fez.
-Os tipos com que ele estava metido tinham forças maiores no justiça, e ele prometeu-lhes pagar o que devia.- Ele ri-se alto, e acho que revira os olhos, embora não tenha a certeza.- É óbvio que ia, quando percebi com o que é que ia pagar precisei de fazer alguma coisa.
Os olhos dele chamam por mim e o medo sobe-me pela espinha a cima. Com o que é que ele ia pagar?
-Precisei de alguma tempo mas consegui fazer com que um deles falasse, o negocio dos diamentes é perigoso, mas com a quantidade certa de contactos tu fazes o que tens a fazer... – Ele respira fundo e parece-me que vejo o choro perdido na alma dele.- Ele ia embuscar-nos, ia arranjar uma maneira de te ter em seu poder, chantagear-me e conseguir o controle de uma parte substancial dos meus bens...da minha herança...
Sei que o choque tomou conta de mim, também sei que por minutos sinto a mão do Dean na minha cara quando tento escapar dele, a maneira como o meu corpo se sentiu, um meio para um fim, no entanto pergunto algo estupido.
-A tua herança? De todas as coisas...?
Ele sorri tristemente e aproxima-se de mim, no entanto não me toca.
-Não fazes ideia pois não? Ao fim de todos estes anos Sophia, nem uma única vez te passou pela cabeça saber quanto é que eu possuo? - A voz dele é rouca e faz-me estremecer.
Abano a cabeça.
-O teu dinheiro não tem um lugar no meu coração.- Murmuro-lhe.
-A minha herança está avaliada em alguns muitos bilhões, tudo aquilo que era do meu avô, e da minha mãe me pertence, terras, empresas, negócios, tudo isso foi congelado até eu ter idade suficiente para poder reinar o pequeno imperio da minha família, e enquanto o meu pai estava proibido de fazer o quer que fosse, o dinheiro só aumentava, e aumentava... atualmente vivemos da empresa, o dinheiro que faço ali sustenta o nosso estilo de vida e depois existe uma montanha sem uso. Não consigo, nem que tente muito gastar todo aquele dinheiro, quando me livro de alguma, aparece a triplicar.- Ele diz-me, quase de forma repugnante.
As contas aparecem na minha cabeça, rápidas, em flecha e sinto o chão desaparecer debaixo dos meus pés. Será que queria saber disto? Será que queria saber do dinheiro? Não, não queria, não quero. Tudo o que eu sempre quis foi conforto, e amor, e o Harry deu-me isso, eu só nunca...eu não imaginava uma quantia de dinheiro tão exorbitante.
-Desde que ele te atacou naquela noite antes de ser preso, para além da policia manter um olho em nós, existiam duas pessoas controlar os teus movimento, a ver por cima do teu ombro.- Ele sussurra, a voz dele é quente, mas ao mesmo tempo temerosa.
-A espiar-me?
A voz sai-me fraca, e os meus olhos estão colados a ele. Como é que tanta coisa pode ter acontecido debaixo dos meus olhos? Porque é me sinto tão estranhada...traida? Outra vez? Olho para os meus pulsos e se não os estivesse a ver os dois soltos, diria que me sentia tão confinada a amarras que estaria de facto presa.
-Eu prometi-te, não ia acontecer-te mais nada, não debaixo do meu nariz.
Uma raiva enfrafescente crescer no meu estomago e começo a respirar de forma rápida, é quase doloroso expelir o ar.
-Podias ter-me dito!- Grito.
Os olhos do Harry tornam-se chamas e ele olha para o telemóvel, a seguir atira-o para o chão com força assustando-me, dou um passo atrás com medo e os meus olhos disparam na direção dele, enquanto as suas longas pernas caminham para mim, e de algum sitio profundo e escuro na minha psique o medo suga-me o sangue e encolho-me, o braço dele estica-se e fecho os olhos e a próxima coisa que sei é que a respiração dele está perto do meu ouvido. Ele baixa-se, os seus braços rodeiam-me as coxas e a seguir estou em cima do seu ombro. O meu coração bate descompassadamente no meu peito o Harry anda apressadamente comigo até á casa de banho de hospedes , a seguir poisa-me no chão. Estou a tremer, e quando ele olha para mim, vejo a sua altura sobrepor-se á minha, o cabelo dele rebelde e os olhos perdidos e assustados. Ele vira-me e dou um gemido de surpresa, o medo estala-me na garganta enquanto ele me desce o fecho do vestido.
-Sai.- Soa como uma ordem seca, sem vida e as minhas pernas tremula mexem-se. Fecho os olhos e oiço-o despir-se, mas não tenho coragem para me virar. Sinto-me a perder o controlo. A respiração tremula dele bate-me no ouvido e a mão dele envolve-me o braço empurrando-me suavemente para dentro do chuveiro de granito. Continuo sem me virar, demasiado assustada com o quer que seja isto.
-Não tenhas medo de mim.- Ele sussurra e por um momento sou transportada para uma das minhas visões, em que a voz suave da mulher me dizia para não ter medo. Não tenho medo pois não? Tenho? Não sei, a minha cabeça parece um návio prestes a embater num iceberg.
Ele liga a agua, e vem tão quente que me tento sair, mas o braço dele impede-me. O barulho da água no chão e o vapor fazem dificl de ouvir o quer que seja. As mãos dele escorregam pelas minhas costas e fico rígida, á espera, e a procima coisa que sei é que o seu peito duro está escostado ao meu, a sua boca no meu ouvido, no entanto não faço nenhum movimento para me segurar nele.
-Eles iam usar-te como isco para o apanhar, era por isso que o iam soltar, estavam a ver nele uma maneira de desmatelar o trafico, e a única pessoa que ia o fazer correr o risco era tu Sophia. Eu disse-lhes que estava fora de questão, eu consegui um consentimento escrito do prefeito de Nova York, o comissario da policia estava do meu lado, mas líder da investigação estava mais do que empenhado em apanha-los. Iam deixa-lo sair e tu ias ficar em perigo...- Por esta altura a minha cabeça torna-se demasiado pesada, por isso encosto-a ao ombro dele.
-Mataste-o?
-Não, mas fui a ultima pessoa que ele viu antes de cometer suicídio.
A minha garganta nunca esteve tão profundamente fechada, o meu estomago nunca se revoltou tanto, e o meu coração nunca sangrou tão desalmadamente.
-O que lhe disseste? - A voz escapa-me por um fio de voz, talvez o único que me resta.
-Disse-lhe que o fazia ele ou...
Ele não precisa de terminar a frase. A minha cabeça afunda ainda mais. Percebo agora que viemos para o chuveiro para o ruido ser abafado, e sinto-me aliviada que parte de todas as confusões possa ser levada pela a água, no entanto, a sentimento deprimente e assustado dentro de mim cresce. Faço força para me separar dele, o que parece uma missão impossível quando os braços dele estão tão apertados á minha volta, quase que a garantir que não vou a lado nenhum.
Os meus pés tocam o chão frio e é como um choque. Estou a tentar dizer alguma coisa, no entanto a minha voz não sai, presa dentro de mim, e em vez de entrar em pânico por isso, limito-me a aceita-lo. Abro a porta e olho para trás, o Harry está virado de costas para mim, os músculos a contrair enquanto as suas mãos estão apoiadas nos azulejos. Sei que se estivesse a vê-lo, estaria a ver as lágrimas lavarem a alma atormentada.
E ás vezes pergunto-me quão atormentada está a alma dele.
São nove da noite. O meu vestido está abandonado no meio da sala e o Harry...não sei onde está o Harry, mas para ser sincera não procurei, nem chamei, a minha voz limita-se a ficar guaradada. Não sei o que me custa mais, se ter pensado que não haviam mais segredos, ou o facto de me ter andado a pavonear ai por fora, na crença estupida de não haver perigo, de estar a salvo. Penso sempre que acabou, que sou livre, e depois descubro que é só uma ilusão, e que talvez toda a minha vida se resuma a uma ilusão, á ilusão de ter algo que quero muito, mas que nunca vá alcançar.
Ele disse-me para não ter medo dele, e eu não tenho. Quando ele disparou o tiro que matou o Dean o meu medo foir perde-lo, e quando o descobri vivo, deixei-o. Percebo agora que foi o maior erro que cometi. Que toda a minha crença foi desmedida, que só me enganei a mim mesma, que nunca ia conseguir aquilo que tanto ambicionava. A liberdade. Não fui livre por o deixar. A vontade infantil de ser livre dos meus pais, conduziu-me ao Harry, depois ao Dean, e por fim a Matt. A minha liberdade não é mais do que um pedaço inútil de força que faço para contrariar o meu destino. O meu sentido de liberdade era equivocado, pensava que era deixando o perigo que o Harry representava que ia ser livre, mas percebo agora, que ele é a minha liberdade, e que ele pagaria com a própria vida para me deixar voar, livre, sem preocupação.
A porta do quarto abre-se e assusto-me. Os olhos do Harry sugam tudo de mim, o corpo alto e escultural aproxima-se da cama e senta-se, afundando o colchão. Ele olha para mim, olhos verdes, profundamente perdidos, amargurados, á espera que eu diga alguma coisa, e quando vejo que está a desistir e fecha os olhos digo-lhe.
-Não tenho medo.- Sussurro.
Os olhos dele abrem-se de rompante e ele deita-se ao meu lado. Os seus dedos acariciam a minha as bochecha e duas lágrimas escapam dos seus olhos atormentados.
-Preciso de te contar mais uma coisa.- Ele diz-me e limpo-lhe as lágrimas. Estou pronta para qualquer coisa que ele me queira dizer.- Há uma conversa que tive com o meu pai, á quatro anos atrás. Meia hora antes de conhecer...
POV Harry
Foi a ultima conversa que tive com o meu pai sobre o assunto, e hoje, tornou-se a única conversa que é capaz de me fazer cair de joelhos, fraco.
Setembro 2012, Oxford
O céu está particularmente limpo hoje. É uma coisa estranha em Oxford, especialmente tão tarde em Setembro, no entanto de alguma maneira isso faz-me sentir menos impaciente. O motorista avança rápido pela autoestrada e olho para o lado, onde o meu pai parece ocupado ao telemóvel. Reviro os olhos e giro o anel no meu dedo, voltando a minha atenção para a paisagem. São sempre as mesmas conversas, os mesmos insultos e o mesmo odio compartilhado. Não sei porque continuo a sucumbir a uma farsa familiar...no fundo sei porquê, mas não é algo que me apeteça explorar.
O meu pai desliga o telemóvel e vira-se para mim.
-É o teu ultimo ano.
Reviro os olhos e riu-me. Não como um riso, mas o único som que restou de tal emoção. Viro-me para ele e vejo-me refletido nos olhos verdes que me observam. Não respondo, é uma provocação.
-Harry...
Franzo a cara em nojo e inclino-a para o lado, o cabelo cai-me nos olhos e desvio-o.
-A única razão pela qual estou aqui contigo é porque tens um papel a representar, e já que parece que esse papel é uma das coisas que ainda te resta, vou deixar que tenhas mais uns quantos míseros aplausos.
Viro-me para a janela e oiço a mascara cair. Ao longo dos anos foi algo que desenvolvi muito bem, ouvir, sentir e pressentir quando deixava de representar e passava a ser ele mesmo.
-Muito bem. Espero que saibas onde vais ficar, tenho uma reunião com o reitor, e a seguir uma entrevista com um jornal local. - Faz uma pausa e revira os olhos. Posso vê-lo pelo vidro do carro, viro-me e encaro-o, prefiro que o faça na minha cara.
-Estás assim tão desesperado por uma entrevista? Um jornal local não é grande coisa.- Encolho os ombros e o brilho desdenhoso nos meus olhos é quase sanguinário.
-Talvez, mas publicidade gratuita é ótima, especialmente quando andamos a ser investigados pelas finanças.
Preciso de me rir.
-Andamos? Eu não tenho nada a ver com isso pai.
A palavra sai-me desdenhosa, envenenada, trincar a língua agora seria perigoso.
-Ainda tens metade das ações Harry.
Ás vezes, quando ele fala comigo com mais brandura, isso faz-me mais zangado, mais revoltado, e ele sabe disso, é por isso que o faz, gosta de trazer o monstro á superfície, gosta de ver o que criou.
-Pois tenho, assim como tudo aquilo que a mãe e o avô deixaram...deve ser frustrante depender de mim.- Encolho os ombros.
Os olhos dele gelam e percebo que não previu isto, embora eu tenha o maior gosto em lembra-lo. Lembra-lo que ele depende de mim para cada pequeno passo que dá, que a minha assinatura é o que o faz um homem poderoso. O sentimento de poder e posse que isso me dá alimenta um pouco a minha fome de vingança, todos aqueles anos de negligencia são por segundos borrados pelo meu poder agora.
-Ainda bem que falaste nisso. Estava a pensar se não gostavas de te ver livre do fardo da empresa, passar-me a tua parte, tu sabes que só te vai dar trabalho, a policia a espiar a tua vida, os movimentos das tuas contas...e como tu tão bem marcaste, sou eu que preciso de ti.
Quantas piadas mais é que ele vai dizer hoje?
-Eu preferia vender as ações ao teu pior inimigo, preferia liquida-las, dar-te cabo da empresa, nunca num milhão de anos eu ia deixar que tivesses controlo total de algo tão rentável. - Abano a cabeça e inclino-me para ele. - A minha maior satisfação é possuir o teu futuro.
-És um rapaz um bocado arrogante não és? Achas mesmo que preciso de tu para tudo? Podes ter ficado com o dinheiro, com as terras, com as empresas, mas olha para ti, não entendes nada, vais destruir tudo aquilo que a tua mãe te deixou? És uma vergonha, passas o dia a ressacar e a noite em festas, casinos ilegais, miúdas... achas que alguém te leva a sério? És um miserável Harry, e a única coisa que te torna importante para mim é a tua assinatura.
Não é a pior coisa que ele já me disse, não me afeta agora, mas passei muitos anos preso a estas palavras. Preso numa meia verdade e numa meia mentira, no entanto uma das palavras...
-Mãe? Aquela que mataste? - É a pior coisa que lhe posso dizer, é o único botão que o faz perder o controlo comigo, eu posso dizer qualquer coisa, eu posso dizer-lhe a merda que quiser, mas assim que falo da minha mãe, assim que lhe conto a historia, isso fá-lo perder o foco.
Os olhos verdes ficam pretos, e observo a veia rasteja de a base do pescoço ao topo da sobrancelha ficar saliente. O coração dele acelerou.
-Eu não matei a tua mãe. - Ele murmura e acho que o telemóvel dele tocou, mas ele desliga-o antes de poder ver. Quando ela mais novo, fiz isto uma vez sem querer, perguntei-lhe se tinha sido ele a mata-la, e foi a primeira vez em quatro anos que gritou comigo, ou que falou comigo para ser sincero, mal o via, passava o tempo da escola encerrado num colégio qualquer, e antes que tivesse a oportunidade de gostar de lá estar ele transferia-me. A mente retorcida dele parecia sentir um certo prazer em ver-me murchar sobre as ordens dele.
-A sério? Não é assim que me lembro da historia.
Reviro os olhos e depois sorriu, e vejo-o encolher-se.
-Perseguir uma mulher com um filho no carro, bêbado, e com uma arma...sabes tenho a varga impressão que o tiro que nos fez despistar foi teu. - Encolho os ombros.
-Eu salvei-te a vida. - Ele sussurra, os olhos baixos e as mãos cerradas em punhos, prontas para me atacar, mas ele não pode, não mais.
Uma vaga de raiva percorre-me o corpo e estremeço por dentro. Ele salvou-me, e esse é talvez a única coisa que ainda me liga a ele, para além de sangue.
Ele fecha os olhos e esfrega a cara com ambas as mãos, parece cansado e abatido, mas eu seria apenas estupido para acreditar nisso agora, eu acreditei demasiado tempo nele, e não me valeu de nada.
-Tu achas que eu destrui as nossas vidas, talvez até estejas certo, tu achas que arruinei a nossa relação, a de nós os três, mas agora o único responsável por isso és tu.
-Eu?
-A tua irmã não mete os pés em casa á um ano Harry, ela liga-te? Diz-te o quanto sente a tua falta?
Não.
-Eu sou uma merda, mas olha para o que a tua mãe vos fez!
-Ela não fez nada!
-Ela arruinou qualquer possibilidade de amor, para ambos vocês, para mim...
-As tuas escolhas não são condicionadas por um fantasma.
A viagem parece nunca mais acabar, o cheiro dentro do carro, a perfume forte, e fumo deixa-me maldisposto.
-A tua irmã têm pena de ti pelo que te fiz, mas no fundo ela detesta-te tanto como eu te detesto.
Há uma faca, pequena e aguçada a escorregar pela minha garganta. Cala-te!
-Tu eras a única coisa que a tua mãe podia ver e amar. Nunca te passou pela cabeça que das duas crianças, tu eras a única dentro do carro? De todas aquelas fotografias, só existe uma com os quatro? Que a tua irmã não aceite a pensão que lhe dás? Que tudo tenha ficado nas mãos de uma criança com menos de cinco anos? Eu amei a tua mãe e para quê? Para ela me trair, engravidar de um merdas, e depois quando finalmente há esperança torna-se obcecada contigo?
O peso da verdade custa a passar. Fecho os olhos, porque numa parte de mim sei que ele está a dizer-me a verdade, que a amou, e que ela o traiu...existe uma prova disso, uma prova que respira e que partilha o meu sangue.
Olho para ele e a minhas próprias mascara sobe, e estou a representar outra vez. Talvez não sejamos assim tão diferentes, mas existem de certeza duas coisas que nos diferenciam.
-Continuas a contar-me isso na esperança de me fazer entender alguma coisa?
-És fraco, continuas á procura do meu amor.
Riu-me e abano a cabeça.
-Dizes isso porque na tua cabeça achas que eu ainda tenho seis anos e preciso do teu amor, mas eu aprendi sem ele.
-Infelizmente tenho que duvidar disso.
A sua voz é rouca e pausada, assim como a minha, e no entanto existe algo de gelado nela, como se pequenos flocos de neve dançassem conforma as palavras fluem dos seus lábios.
-Mas há duas coisas, das quais não devias duvidar. – Digo-lhe quando vejo a universidade ensombrar-se á nossa frente.- Primeiro, eu não vou nunca, perseguir uma mulher, e segundo.- O carro para e sorriu.- Há apenas um de nós que carrega o peso da morte aos ombros.
Quando as palavras deixam a minha boca percebo que desde aquele dia, até hoje, aprendi algo, algo negro e profundo.
A morte e o amor andam de mãos dadas.
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