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10ºCapitulo

Carl e eu caminhávamos pela quinquagésima avenida Sétima Rua, tentando passar pela multidão para descer pela Nona Avenida lotada, há tanta gente á nossa volta que isso me deixa de algum modo com a sensação de que mesmo que esteja sozinha, não o estou. Há sempre alguém, mesmo que alheio a mim.

-Não atendes-te a minha chamada ontem á noite.- Ele ri-se enquanto passamos por debaixo de alguns andaimes de obras.

-Não estava em casa...

-Mas viste a chamada?- O tom dele torna-se um pouco menos amigável.

-Sim, apenas estava com a cabeça noutro sitio.

-Fiquei preocupado.

-Aposto que sim.

-Estou a falar a sério, passei por vossa casa, mas ninguém abriu, a Ave disse-me que estava acompanhada, mas tu? Nada...

-Aconteceu, só isso.

Aumento o ritmo dos meus passos, tentando que ele pare com a conversa indesejável, porque a verdade é que estive demasiado cheia de emoção, dor e nostalgia, estava entorpecida e gelada pelo Harry e não queria falar com ninguém quando ele finalmente se foi embora, e o Carl era alguém que eu não queria por perto, com todas as suas perguntas e suposições.

-O que é que aconteceu?

-Aconteceu eu não ter atendido.- Encolho os ombros.

-Não, não foi isso que quis dizer, estou a perguntar onde estiveste?

A minha respiração parte-se e olho para ele, como um olhar de aviso, algo entre um cala-te e continua a andar, mas de nada vale, ele continua bem atrás de mim, tentando prestar atenção para não bater a ninguém ao mesmo tempo que me agarra a mão e puxa para ele. O movimento é muito semelhante ao que o Harry fez, no entanto nada de raiva, borboletas na barriga, está tudo miseravelmente parado.

-Algo errado?

-Não, podemos despacharmo-nos para ir buscar os fatos?

Vamos buscar os fatos da formatura hoje, e tudo isso podia aliviar a minha tensão, mas em vez disso estou parada num cruzamento da Nona Avenida, a ser interrogada. Sinto algo vibrar no meu bolso e tiro o telemóvel atendendo-o rapidamente, ao mesmo tempo que me liberto de Carl.

-Olá?

-Sophia? – A voz do Harry é como uma sirene nos meus ouvidos e sinto o meu coração pular. É tudo tão diferente com ele, como se de nada e de tudo servisse para o meu coração saltar, e o meu estomago apertar-se.

-Sim, sou eu.- Murmuro. Os olhos do Carl estão em mim com uma presença ameaçadora, ele está a provocar-me, a testar-me e assim que desligar a chamada ele vai pressionar-me tanto que vou ter que lhe contar algo, ou ele não vai parar.

-Porque estas a sussurrar?- Ele pergunta desconfiado.

-Nada Harry, apenas estou com pressa.

-Surgiu uma coisa importante, temos que cancelar os nossos planos.- Apetece-me dizer-lhe "os teus planos" mas fico calada.

-Oh, okay, tudo bem.

-Falo contigo depois.

-Harry...- Fecho os olhos angustiada, será que quero ir com ele a onde quer que seja?

-Eu disse-te, vais estar livre.

-Eu sou livre Harry!- Algo de sinistro se apoderou de mim, com o pensamento de ele pensar que tinha algum tipo de controlo sobre mim.- E sabes que mais Harry? Estou ocupada com a minha formatura eu não...

-Soph.- Carl gritou alto o suficiente para eu ouvir uma inspiração brusca vinda do outro lado da linha.

-Isso foi um homem?- A voz de Harry é algo que me arrepiava, tanto de um mau modo, como de bom.

-Vou desligar.

-Não te atrevas a desligar-me o telemóvel na cara Sophia.

No entanto valeu-lhe de pouco, cancelei a chamada e olhei para Carl, os olhos castanhos brilhavam com descontentamento e senti que toda a agitação sobre os fatos e a formatura se tinha ido, não havia mais sorriso nem piadas de mau gosto.

-Quem era?- Ele voltou a perguntar enquanto descia-mos a rua, devagar, virando de novo na avenida seguinte.

-Carl...

-Não. Não podes passar três anos a dar-me para trás e depois aparecer um idiota qualquer e dar-te cabo dos nervos, pior, não podes passar três anos a evitar jantar sozinha comigo, e depois ires jantar com um gajo qualquer!

Não estava preparada para a explosão de Carl, as palavras acidas que deixaram os seus lábios foram facas na minha direção e senti-me subitamente pior ainda. Demorei quase dois anos até conseguir seguir em frente, e depois? Depois o Harry chega e a minha vida começa a descambar como se não bastasse já o Harry, o Carl decidiu começar a expor a profundidade dos seus sentimentos por mim, e pareço egoísta a pensar desta maneira, mas a verdade é que, apensar de saber que ele gostava de mim, o Carl nunca me pareceu o tipo de homem que se fosse chatear por outros homens.

-Carl eu não...

-Por favor a Ave descaiu-se, na verdade ela atendeu-me o telemóvel e disse-me " a nossa amiga está finalmente a endireitar a sua vida, agora deixa-a em paz" então Soph eu quero saber o porque de me recusares todos estes anos e agora...

-Eu não te recusei Carl... és meu amigo, eu não quero...

-Estragar a nossa amizade? Que tal uma menos velha? Não entendo Sophia, todo este tempo...

Abanei a cabeça e passei por ele, não precisava de ter que contar-lhe o que me aconteceu, do Harry, da minha vida antes de Nova York... ele não precisava dessa merda na vida dele, ele não precisa de todo o meu drama.

Oiço-o chegar ao meu lado, e ele continua a falar.

-Não entendo, deixas a Ave entrar no teu mundo, sei que ela é uma rapariga, mas porque é que não confias em mim? Há algo em mim que te repele ou assim?

-Não! Apenas... eu não sou a pessoa que tu pensas ser, eu não assim tão intocável, ou... não sei Carl, é como se eu não te conseguisse mostrar o que sou!- A minha voz sobe algumas décimas e ele cala-se o seu semblante triste.

Durante uns minutos, até chegar-mos ao fornecimento dos fatos ele está calado, e quando requisitamos ele apenas olha para mim como se eu tivesse duas cabeças. Quando saímos e voltamos a subir a Nona Avenida, ele puxa-me para o lado, uma viela apertada ergue-se á nossa volta e nem vale a pena perguntar-lhe onde vamos. Se há uma coisa em Nova York que eu gosto é o facto de apenas as pessoas que vivem mesmo aqui podem aceder a jardins pequenos, a maioria dos turistas acha que o Central Park é um topo, mas ninguém conhece a magia dos parques dos habitantes. Carl abre-me o portão enferrujado e passo enquanto me sento no típico banco verde, onde sempre nos sentamos.

-Então quem és tu?- Sinto os seus olhos em mim, mas a única coisa que posso fazer é olhar para a frente, para o pequeno lado abandonada, cheio de lias.

-Soph se pelo menos somos amigos eu preciso de algumas bases, á três anos que espero que te abras comigo, e preciso que o faças, preciso de saber se posso desistir.

-Carl... sem querer parecer aquele tipo de pessoas que elogia a tua felicidade e de aconselha a preserva-la, preciso de te dizer que a tua felicidade é uma das coisas que me faz gostar tanto de ti, tu sugas-me para esse ambiente feliz, e preciso disso, eu... eu não tive uma adolescência normal, mas eu era feliz, e... quando fiz dezoito anos entrei numa espiral de...

Esfrego os olhos com as mãos e suspiro com força.

-Conta-me.- Ele murmura.

-Carl, não posso estar contigo, pelo menos da maneria como tu gostarias porque não me consigo apaixonar por ti, ou alguém que seja... não por agora.

-Mas ontem saíste com um tipo qualquer Soph, essa desculpa é óbvia e previsível.- Os seus olhos são tristes e zangados.

-Vês? É exatamente por isso.- Aponto para o semblante triste.- Que não te consigo contar.

-O quê? Soph...

Há um nó enorme na minha garganta, e lembro de uma vez, em que ele e Ave fizeram um trabalho até tarde no apartamento... eu estava a dormir e deviam ser umas três da manhã quando aparentemente comecei a choramingar no quarto, quando eles chegaram lá eu não estava a conseguir respirar. Lembro perfeitamente do pesadelo que me assombrou, eram as mãos do Dean á volta do meu pescoço, de alguma forma o meu corpo reagiu de modo real ao meu sonho. O Carl segurou-me até eu adormecer, garantindo-me que tudo ficaria bem, e tal como uma pessoa que ansiava por alívio deixei-me levar e adormeci. No dia seguinte, de alguma maneira ele compreendeu que não podiam haver perguntas e nunca mais falou disso.

-Quando fiz dezoito anos fui estudar para Oxford, quando entrei na faculdade acabei por ir parar a um apartamento misto, conheci um rapaz, o nome dele era Harry e foi com ele que vivi os melhores e piores meses da minha vida, eu amava-o muito, mas... ele era uma pessoa complicada, eu era uma pessoa complicada, na realidade ainda hoje somos pessoas complicadas, a verdade é que ele tinha muitos problemas com o seu passado, e isso arrastou-nos numa redoma que me assustou, eu não podia mais viver no meio do medo, não é saudável para ninguém, eu perdi aquilo que mais invejo em ti, dois dias antes de vir para Nova York eu julguei que a minha felicidade tinha morrido, que nunca mais ia conseguir voltar a sorrir, então Carl, por favor não me tires o sorriso que lutei tanto para reconquistar.- Murmuro-lhe como uma canção.

-Não entendo, o que tem isso a ver com ontem?

-O homem com quem eu estava a jantar era o meu ex-namorado.

-O quê? Mas isso não foi em Oxford? Não foi á três anos? O que raio está ele aqui a fazer?

-Ele é diretor de uma empresa aqui em Nova York.- Murmuro.

-O quê? É um magnata?! Fodace.

-Não, ele não é um magnata, não ainda, o que eu quero dizer é, não interessa o que ele é ou não.

-É obvio que interessa Sophia, como é que namoraste um gajo como esse?

-Eu amava-o Carl, nada a ver com dinheiro, nós vivíamos num apartamento pequenos antes de tudo começar a ruir á nossa volta.

Um silêncio estranho acomoda-se á nossa volta e ele olha para os ténis converse, distraiu-me um minuto antes que ele volte a falar.

-Porque é que acabou?- Ele murmura.

-Como?

-Porque é que acabaram, disseste que tudo ruiu, porque?

-Carl...

-Porque?!- Os olhos dele perfuram os meus e tenho medo de lhe dizer, por isso conto-lhe metade de uma metade.

-Eu tinha medo, medo do que me pudesse acontecer se continuasse com ele.

-Porque? Ele era abusivo?- O tom de Carl altera-se.

-Não. Não. Ele amava-me. Eu tinha medo de tudo, da vida dele, de me tornar de uma sombra de mim, de não conseguir aguentar...- Fecho os olhos, estou a mentir, estou a mentir-lhe e jurei a mim mesma que não voltava a mentir, apesar de não ser tudo uma mentira ainda me doía a maneira como a parte da verdade que lhe contei não ser assim tão verídica.

-Vais voltar para ele?

Ele agarra-me na mão e vira a minha cara para a dele, para o olhar nos olhos.

-Mesmo que quisesse, ele já me quereria.

-Então porque é que não segues em frente, porque é que não tentas de novo com alguém com menos problemas?

Acabo por me rir, mas não de uma maneira maldosa, mas de uma maneira triste.

-Porque não consigo, e agora que ele voltou parece ainda mais distante.

-Tu nem sequer tentas Sophia, tu ficas parada á espera que o sentimento se vá embora, e tu não tentas aproximar-te de outra pessoa!- Ele levanta-se e esfrega a cara com força.

-Tu não entendes, mesmo que eu tentasse eu...

-Não pode ser assim Soph, não podem passar três anos e continuares tão apaixonada, esse tipo de sentimento é fictício.

-Não vou discutir contigo, talvez um dia tu me percebas.- Levanto-me e agarro no saco do meu fato.

-Explica-me então.- Ele praticamente grita.

-Não entendes Carl, nem consegues se nunca sentiste o mesmo.

-Então explica-me o que é!

-É um sentimento que te destrói e reconstrói, que faz o tempo parar e avançar tão depressa como um sim e um não, é algo que não se explica, está em ti e na pessoa que amas, está no modo como olhas para a pessoa e parece que o mundo inteiro ruiu, e a única coisa que resta é... era ele. Ele era a minha casa e sabes o que é que eu fiz ao amor que ele sentia por mim? Pu-lo na minha mão e destrui-o, de novo, de todas as pessoas que mereciam ser magoadas, o Harry era a ultima, e eu fi-lo porque fui cobarde.- Quando termino de falar ele está especado a olhar para mim, maravilhado e assombrado.- Agora se me dás licença preciso de ir.

Com isto abro o portão pequeno e ferrugento e caminho de novo até á avenida principal, subindo pelo mesmo caminho, agora sem o Carl.

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