90ºCapitulo
A chuva aumentou, ou talvez não. Talvez fosse só a sensação de tudo estar a piorar, talvez fosse só o crescimento da dor dentro de mim. Da dor e do pânico. Os meus calcanhares giraram e vi-me a tentar abrir novamente a porta de metal atrás de mim, eram movimentos quase frenéticos até que senti um grande par de mãos a agarrar-me a cintura. Foi como facas, facas a entrar por todo o lado onde as suas mãos tocavam.
Eu virei-me antes que tivesse chance de sequer pensar e a minha mão acertou na sua bochecha com tanta força que a sua cara virou ligeiramente para a esquerda, o barulho ecoou por cima do bater da chuva. Os olhos dele subiram até á minha cara, mas não havia raiva, os olhos dele transbordavam outro tipo qualquer tipo de sentimento estranho.
-Traidor.- As palavras foram levadas dos meus lábios pelo vento, um sussurro tão baixo e ao mesmo tempo tão alto, capaz de o fazer recuar um passo atrás. O azul gélido misturou-se com culpa e eu tive a visão clara da noite em que ele me apontou uma arma, como os seus olhos brilharam de maldade.
-Soph...
-Onde está o Mark?
Eu procurei em todo o lado, dentro do carro, perto do prédio, mas ele não estava em lado nenhum. O meu coração começou a bater mais rápido á medida que o medo de ele lhe ter feito mal viesse á tona.
-Ele está bem, ele está em casa.
Olhei para as mãos dele, e tirei-lhe as chaves da mão caminhando em direção ao carro. Ouvia os passos dele mesmo atrás de mim, enquanto a chuva me deixava completamente fria, a questão era saber se o frio vinha mais de fora, ou de dentro. Quando abri a porta do condutor, a sua mão agarrou o meu pulso e eu libertei-me. O pânico a tomar conta de mim. Ele ainda era o mesmo homem que me tinha perseguido numa noite fria, criando uma serie de traumas. Ele matou um homem. O segurança que estava comigo essa noite, ele foi morto pelo homem á minha frente, e o pior é que eu nem conseguia interiorizar isso. Ele parecia-se com o homem simpático e acolhedor que eu conheci no elevador, aquele fez piadas de tudo o que encontrou, a pessoa a quem o Harry confiou a sua segurança.
-Não tenhas medo agora Soph, eu não te fiz nada, eu não iria.- A sua voz soa como uma súplica, e sinto-me tão mal, confusa, com medo...
Preciso do Harry.
-Tu fizeste, mas se me tivesses apanhado tu farias, eu vi nos teus olhos, eu nunca pude esquecer a violência que vi nos teus olhos.
-Eu sei, eu fui...não há uma desculpa, mas eu estou aqui para...tentar ajudar agora.
Riu-me sem vontade e desembaraço o meu pulso da sua mão subindo para dentro do carro. Fecho a porta com força e meto a chave na ignição, atiro a minha mala para o banco de trás, mas assim que tento acelerar a porta do pendura abre-se e o Dean senta-se ao meu lado, desligando o carro.
-Ouve não tenho tempo para isto, eu sei que o que fiz é imperdoável, mas não te vou pedir desculpa. Agora, podes ouvir-me ou podes continuar o teu caminho até ao apartamento e esperar que o Dean volte e dê cabo de ti como fez ontem.
Abano a cabeça em descrença, e afundo-me no banco, o couro molhado chia e olho para Matt. Ele não está arrependido. De todo. A única coisa que existe agora nele é determinação, mas não me posso impedir de tremer, uma parte de mim, está a tremer de medo, frio e principalmente ansiedade, em menos de vinte e quatro horas aconteceu tudo o que eu sempre temi.
As mãos do Matt alcançam o meu cachecol e puxam-no revelando as marcas dos dedos e dos lábios do Dean no meu pescoço. Fecho os olhos com o olhar dele nas marcas e puxo as mãos dele para longe de mim.
-Ele vai fazer mais que marcas se te encontrar, tu precisas de sair daqui tão depressa quanto eu te consiga por num avião.
O meu queixo cai com a audácia nas suas palavras e eu encosto a minha testa ao volante, um riso histérico e lágrimas ácidas escorrem-me pelas bochechas.
-Tu não estas mesmo a pensar que eu vou confiar em ti? Estas?
A descrença na minha voz é tão clara que quando levanto a cabeça até ele pode perceber que o me está a pedir e descabido, sem fundamente. É nada.
-Eu sei que sou a última pessoa em quem devias confiar, mas estou a fazer isto porque quero...provar que não sou aquilo que podes imaginar.
-Por favor Matt, uma pessoa que tenta matar outra é exatamente aquilo que parece.
Eu agarro no meu telemóvel e marco o número da polícia, mas lentamente o meu telemóvel deixa a minha mão, quase como um minuto sem tempo. Viro-me e encaro-o enquanto ele desliga a chamada.
-Eu vou contar-te tudo, se começares a conduzir em direção a Londres Sophia. Eu tenho uma boa razão para te dizer que o Dean está a ponto de matar qualquer um que cruze o seu caminho se for para te descobrir.
-Mas eu...
-Deste-lhe um falso testamento, isso fez as autoridades desconfiarem dele.
Imagens repetitivas do Dean com as mãos á volta do meu pescoço atacam-me e não sou capaz controlar a dor que me passa por cima, isto tudo, tudo isto tem sido demais para mim, e a coisa mais estupida a fazer agora é acreditar no Matt depois de tudo o que ele fez, mas é quase como automático quando dou á chave e o carro começa a trabalhar.
O carro desliza na estrada, e é uma sensação estranha a de conduzir um carro tão grande, mas ao mesmo tempo manter-me concentrada na estrada ajuda-me a não tremer, e a concentrar-me.
O silencio é duro e á medida que a chuva engrossa o meu controlo começa a desparecer o choque inicial foi-se e percebo finalmente o que está a acontecer. Estou a correr contra o relógio pela minha vida. Pela minha vida com o Harry.
-Conta-me.- Fala finalmente ao fim de uma eternidade.
-Desculpa?- Ele toca no painel de aquecimento e tira o casaco ensopado.
-Conta-me como sabes isso? Porque fizeste o que fizeste? Porque é que traíste o Harry?
Eu nunca, jamais seria capaz de trair o Harry, ou alguém. É por isso que o mundo é o que é, as pessoas parecem ter cada vez menos sensibilidade, parece que vem dinheiro, títulos e poder em tudo, não importa quantas cabeças tenham que rolas, isso vai ser sempre o que as pessoas querem em primeiro lugar.
-Não é assim tão fácil...
-Conta-me, ou eu paro o carro, e tenho a certeza de que eu não sou o motivo pelo qual estas a fazer isto.
Sei que não devia confiar nele, de todas as pessoas, e que até poderia ser uma armadilha, mas quando o medo atravessa um nível que nunca devia atravessar tu não queres saber, tu precisas de pensar que vai ficar tudo bem...mesmo que seja com o Matt.
-Se é o que queres, mas ficas a saber Sophia, que tudo o que fiz, quis fazer, e que não lamento nada.- Os nossos olhos fixam-se por momentos antes de voltar a olhar para a estrada enquanto para brisas limpa a água da frente.
-Eu quero sabes exatamente o que se passou desde que o Harry e eu voltamos. Tudo.
Oiço-o respirar fundo e depois a sua voz muda, algo parecido com o que eu ouvi naquela noite.
-Eu trabalha para a policia antes de tudo isto começar, no entanto o dinheiro que eu ganhava não satisfazia nem um terço do que eu queria, então eu comecei a trabalhar como cobrador de dividas para um tipo qualquer, ele tinha um café para onde fazia passar a papelada do dinheiro que fazia ilegalmente, era basicamente um armazém, prostituição, dinheiro sujo, e muitos homens burros, as pessoas não pagavam e o meu trabalho era faze-las devolver o dinheiro com juros, isso traziam-me mais dinheiro do que qualquer trabalho na policia, mas os tipo eram duros, uma vez que entras é muito difícil sair. Foi ai que conheci o Dean, ele trabalhava no tal café e á noite no armazém...
A palavra café fez o meu cérebro parar e olhei para ele, escandalizada. Será que passei estes últimos meses a trabalhar para um criminoso?
-Isso era o café onde eu trabalhava?- Havia um sabor amargo na minha boca.
-Sim. O teu chefe ele fazia parte da administração.
A ideia de Mr.Harrison a ter um estabelecimento ilegal deixa-me doente, meninas a prostituir-se, dinheiro sujo a rodar as pessoas, cobradores de dívidas. Tudo isto me deixa enojadas.
-O Harry quase consegui-o tirar-me disso, lembrava-me dele de quando eramos pequenos, tínhamos estados juntos num colégio por algum tempo quando tínhamos 16 e quando nos encontramos, ele tentou mesmo negociar com aquelas pessoas, mas eu sou ganancioso Sophia, eu precisava de mais, e mais, e o Harry sabia, ele tentou afastar-me mas eu não queria. Depois o Dean falou-me de meio milhão de libras para dar cabo de ti. Eu senti-me como se me estivesse a colocar o pecado á frente dos olhos, e eu tive que aceitar, meio milhão de libras iria sustentar-me durantes anos. Mas ai tu fugiste, o Harry estava lá e eu não podia arriscar que ele me visse.
O silêncio é a única coisa que paira no ar quando ele se cala por um momento, eu quero tentar perceber o que se pode passar na cabeça de uma pessoa assim, o que leva alguém a matar por dinheiro?
-Eu sabia que devia estar agradecido ao Harry, mas eu nunca te iria matar, nunca...
Travo o carro a fundo e no meio da estrada deserta e abro a porta, mal tendo tempo quando o conteúdo no meu estomago sai, convulsões pesadas passam pelo meu corpo, e a minha cabeça não para de girar enquanto me contorço no vómito e na ideia nojenta de ter que partilhar o ar com o Matt.
Posso sentir quando ele se agacha ao meu lado e o conteúdo do meu estomago continua a cair, e quando finalmente para levanto-me cambaleante, olhando á volta, suor frio cobre a minha pele em conjunto com as gotas de chuva, o ar envolvente parece irrespirável e quando me levanto ando a passos vagarosos para dentro do carro, ignorando o Matt por completo, fecho a porta do carro e tranco-o. Quando ele tenta abrir a porta a sua cara paralisa e vejo medo nos seus olhos. Dou á chave e ele bate no vidro com força, a sua palma força-se contra superfície escorregadia e eu acelero o carro, posso vê-lo pelo retrovisor a correr um pouco mas não vale a pena, tudo o que ele disse eu percebi exatamente o significado.
Limpo os meus olhos com as costas da mão, e desacelero a velocidade, a chuva continua a bater nos vidro e o barulho torna-se quase ensurdecedor. Eu percebi exatamente o que se ia passar a seguir. Talvez eu me tenha lembrado daquela maldita visão, em que eu estava presa numa cama, no porto de Londres, só podia ser isso. Ele ia entregar-me ao Dean e se tudo o que eu pudesse tirar disto fosse sorte, eu tinha sorte. Eu acreditei genuinamente nele ao início, e isso salvou-me, ele pensou mesmo que eu o ia deixar guiar-me e até ele começar a falar eu ia deixar.
Mas a maneira repugnante como ele disse todas aquelas coisas, foi demais para mim, o mundo era rodeado de uma crueldade imensa, as pessoas não tinham sentimentos e a ganancia era uma coisa normal no mundo.
Por isso quando eu coloquei o Iphone no suporte de telemóveis e escolhi o número do homem que mais tinha evitado nos últimos dias, eu sabia que chegava para mim, que eu não conseguia lidar com isto sozinha.
Ele atendeu ao quarto toque.
-Soph?
A voz do Harry era cheia de vida, entusiasmo e senti-me mal por lhe ir tirar isso, mas não havia volta, nós tínhamos chegado ao fim da linha, e não havia mais espaço para merda como esta.
-Harry, eu preciso de...
A minha voz falhou e respirei fundo.
-Estas bem? Onde raio é que estas? Porque é que não atendeste?
As perguntas vinham como tiros, cada um mais doloroso que o outro, sentia-me sangrar por todo o lado, sentia-me sem força.
-Estou sozinha, a conduzir para Londres.- Suspirei com força e as lágrimas que ainda mal tinha secado voltaram novamente.
-O quê? Onde esta o Mark? Vou ligar ao Matt... vai para casa por favor.
A voz do Harry suava desesperada, impotente, e senti que pela primeira vez, a dor não era só minha. Pela primeira vez, tive um pensamento egoísta em relação ao Harry. Se eu estava assim ele tinha que estar também, porque no fim ele trouxe tudo isto para mim.
-Se eu não sair do país hoje, talvez amanhã tu nunca mais me encontres.
----------------------------------
Eu sei que era suposto ter sido ontem, mas tive alguns trabalhos para a escola e é isso, não sei quanto a vocês mas parece-me que isto não vai correr assim tão bem como toda a gente quer. Eu queria mesmo dizer um grande obrigada a toda a gente tem comentado, e eu não se vocês repararam mas eu segui algumas das pessoas que tem comentado, eu adoro fazer isso vocês ficam sempre tão entusiasmadas ahaha.
Eu amo-vos daqui á lua.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro