Capítulo 7 - A volta
Fazia algum tempo que Lucas estava no quarto com Vivi.
Aproveitei o tempo livre para brincar com Fantasma, que pareceu mais que satisfeito em me receber. O cachorro era incrivelmente inteligente, a ponto de perceber qualquer alteração no ambiente ou no humor das pessoas. O bicho estava esparramado pelo chão da sala, com a cabeça e uma parte do corpo apoiados no meu colo, repetindo sem parar uma preguiçosa perseguição à um passarinho de brinquedo que ficava preso a um barbante. Quando ele conseguia abocanhar o objeto, era uma guerra para fazê-lo abandonar, ele rosnava e grunhia, mas eu sabia que tratava-se de uma brincadeira. Não tinha mais medo do Fantasma, isso era bom. Ele não tinha mais ciúmes de mim - o que era ótimo -, sabia que seríamos amigos inseparáveis.
- Oi. - A voz rouca de Lucas ao meu ouvido fez com que estremecesse de susto.
- Por Deus... - Gemi enquanto fechava os olhos e Fantasma ergueu-se apressado, pois também tivera sido pego desprevenido.
- Pare de rosnar pra mim, Fantasma! - Lucas deu o comando quando o bicho reagiu negativamente à aparição surpresa de seu dono.
- Você nos assustou, Lucas!
Como o bicho continuava arrepiado, comecei a erguer um braço para tocá-lo.
- Não, Clara! Ele pode te atacar. - Lucas segurou meu braço sutilmente. - Fantasma! Não!
A voz do meu namorado tornou-se mais dura e autoritária, assumindo o posto de líder. Ele convivia com uma criança e um cachorro de grande porte, por certo saberia mais do que ninguém a melhor forma de acalmar o animal. Fantasma relutou, ainda agressivo, mas em poucos segundos recuperou a postura dócil.
- Fantasma, junto. - A expressão do Lucas suavizou-se um pouco, sua voz tornando-se mais afável quando percebeu a mudança no estado de espírito do cachorro. Ofereceu a mão e Fantasma esfregou o focinho nela, para depois repetir o gesto com a cabeça, pedindo afeto, que o dono prontamente ofereceu, acariciando seu pêlo e restabelecendo o bom relacionamento.
- Você não se preocupa com as mudanças de humor dele?
Minha voz saiu tremida e isso não passou desapercebido. Lucas sentou-se atrás de mim, com as pernas compridas contornando meu corpo e me apertou em um abraço caloroso antes de começar a falar.
- Amor, todos aqui em casa somos muito territorialistas. Tenho convicção de que meu cão não representa perigo. - Ele estalou um beijo ruidoso em minha bochecha. - Ele só não está acostumado com tanta movimentação. Temos uma rotina rígida.
- Estou atrapalhando sua rotina?
- Sim, mas de um jeito muito bom. - A sinceridade explícita do Lucas me incomodava às vezes.
Será que ele não tinha filtro nunca?
- Por falar em rotina... - Cocei a garganta e comecei o discurso que logo foi interrompido.
- Pare. - Os braços de Lucas me apertaram ainda mais. - Você não vai embora outra vez.
Bufei e desvencilhei-me de seus braços, voltando-me em sua direção.
- Pare você. A gente sabe que não vai ser tão fácil, não é?
Ele ficou transtornado, sua expressão mudou rapidamente e esperei uma explosão que nunca veio. Lucas ficou rígido e manteve silêncio, mas não se moveu. Teria de fazê-lo entender. Pousei as duas mãos em seu rosto lindo e tenso, uma de cada lado, pra manter sua atenção em mim.
- Lucas, me escute. Por favor, meu amor. - Pedi com carinho, pois precisaria ser paciente com ele. - Nós sabíamos que haveria uma despedida, não é mesmo? Preciso retornar à minha cidade, tenho um emprego.
- Eu disse que não deixaria você me abandonar outra vez, você não discordou.
- Eu também não prometi ficar! - Me defendi. - Naquele momento tínhamos outras questões pra resolver, optei por deixar este assunto em aberto.
Ele respirou fundo e segurou meus pulsos de forma firme, porém delicada. Com pouca pressão fez com que baixasse as mãos que mantinha em seu rosto. Inclinei meu tronco em sua direção, apoiando-me no corpo forte do homem à minha frente, reivindicando sua boca e seus beijos. Ele não recusou e, pelo contrário, dividiu comigo sua angústia através de um beijo longo e apaixonado que me deixou sem fôlego.
- Você não pode me deixar... - Sua voz suplicou baixinho.
- Não estou deixando você. Continuaremos juntos, se você ainda me quiser. - Sorri pequeno, com certo temor.
- Não seja boba, Clara. - Ele tornou a me abraçar, praticamente me embalando nos braços. - Você é o que mais quero nos últimos anos.
Sorri e beijei o pescoço super cheiroso do homem que eu amava.
Logo Fantasma quebrou a nossa bolha invisível, se metendo entre a gente, fuçando e cheirando tudo. Num momento de carinho, o labrador resolver distribuir lambidas entre Lucas e eu, nos fazendo rir.
Algumas horas depois tive que procurar pela Vivi para explicar os motivos de minha partida. Enquanto explicava a situação de um jeito didático para que ela entendesse da melhor forma o que estava acontecendo, notei que a pequena estava compreendendo o que eu dizia de um jeito incrivelmente maduro, mas não resistiu por muito tempo e foi às lágrimas, me levando junto.
Choramos por vários minutos enquanto permanecíamos abraçadas.
- Você não quer mais namorar o meu papai? - Ela fungou no meu pescoço.
- Sim, claro que quero!
- Então fica! Você pode morar aqui.
Acariciei seus cabelos e apreciei a inocência infantil. Agradeci pelo convite e prometi que pensaria muito no assunto. Tentei fazê-la entender que a motivação de minha volta para casa era exclusivamente o trabalho e também minha família.
- Você vai lembrar de mim, Clara?
- Minha princesa, jamais vou esquecer você, acredite.
Lucas entrou no quarto e nos abraçou também, fazendo com que Vivi pedisse pela proteção do pai. Logo a menina foi transferida para os braços dele. Ambos me acompanharam até o táxi, Lucas com a criança no colo e insistindo em levar minha mala. Gui e Hannah apareceram com sua filha e nos despedimos também. Agradeci pela amizade oferecida, trocamos telefones e emails, e me fizeram prometer voltar logo. O casal convidou Vivi para brincar um pouco com Rebeca no apartamento deles e Lucas insistiu em me levar ao aeroporto, dispensando o táxi.
- Obrigada, amor.
- É o mínimo que posso fazer agora que Vivi está sendo distraída desse momento complicado. - A voz dele soava embargada, apesar dos esforços para que eu não percebesse.
Naquela volta ao saguão do aeroporto, meu coração se despedaçou. Nos abraçamos por muito tempo, com muita urgência. Da primeira vez tinha sido mais fácil, devido à raiva pelo mal entendido. Dessa vez eu só desejava abandonar tudo e voltar com ele para o apartamento. Lucas cheirava meu pescoço, meus cabelos, beijava meus lábios e rosto, numa overdose de carinho. Eu queria registrar cada traço de seu rosto lindo, seu aroma, seu toque. Foi doloroso dizer adeus.
A parte difícil foi deixar Lucas no saguão do aeroporto e entrar no portão de embarque. A realidade era mais pesada do que eu estava preparada para suportar. Ao voltar pra casa, pensei se não havia cometido algum erro terrível, a insegurança tomou conta do meu coração. Sabia que Lucas me amava, isso não estava em questão. Vivi havia depositado sua confiança em mim, e Fantasma tornou-se meu cão.
Como pude me envolver tanto com aquelas pessoas - e cachorro - em tão pouco tempo?
Enfiei a chave na fechadura da porta de meu apartamento sem muita vontade, e senti a frieza que o lugar transmitia. Não estava morando ali há tempo suficiente para sentir-me em casa, o que não ajudava na minha readaptação. Bati a porta atrás de mim, livrei-me do cachecol e do casaco, joguei a bolsa na poltrona e deixei a mala em algum canto da sala. Livrei-me dos sapatos e prendi os cabelos enquanto caminhava na direção do banheiro. Após tomar um banho quente, peguei-me olhando ansiosamente pela casa, como se Vivi pudesse aparecer a qualquer momento. Meneei a cabeça com incredulidade e sorri com a lembrança do rostinho dela.
"Eu te amo".
Dizia a mensagem de Lucas quando abri o aplicativo no celular.
"Cheguei bem em casa, e também amo você."
Sorri para a tela depois que respondi à mensagem dele. Os efeitos causados pela viagem de avião não demoraram muito a aparecer, me fazendo adormecer um pouco depois. Acordei um pouco atrasada na manhã de segunda-feira e iniciei minha habitual rotina. Por algum tipo de milagre, consegui chegar no horário no trabalho e agradeci aos céus por isso. Acomodei-me em minha mesa e liguei o computador, abrindo os sistemas da empresa e a caixa de emails, como sempre fazia.
- Alô? - Atendi a ligação que entrou no meu ramal ao terceiro toque.
- Bom dia, Clara Toledo. - A voz pertencia a minha mãe. - Você esqueceu que tem família?
- Bom dia, dona Amelia Toledo. - Respondi com igual cordialidade. - Acredito que minha família esqueceu que tem uma filha quando me expulsou de casa.
- Não seja estúpida, Clara. - Seu tom ficou mais rude. - Você saiu de casa pra viver uma aventura maluca com esse estranho que mora sabe-se lá aonde!
- Ele mora em Porto Alegre, mãe. Não é o final do mundo! - Devolvi impaciente. - E Lucas não seria um desconhecido se você, papai e Fernando não tivessem recusado conhecê-lo.
- Por uma chamada no Skype! - A voz dela saiu estridente do outro lado da linha. - Ele nem teve a decência de aparecer pessoalmente! Faça-me o favor, Clara!
- Escute aqui! - Minha voz saiu baixa, porém firme. - Indecente é essa sua insistência de trazer o Pedro de volta pra minha vida! Pare de incentivá-lo!
- Pedro ainda ama você, minha filha. - Amelia Toledo assumiu um tom de voz afetado. - Apesar de tudo que você fez com ele.
- Preciso desligar, mamãe. - Eu não entraria naquela conversa doentia com minha mãe, não mesmo. - Estou no trabalho.
A manhã se desfez rapidamente e me concentrei em finalizar as tarefas pendentes uma a uma, seguindo a ordem de urgência. Já passava do meio-dia quando deixei o prédio para almoçar em algum restaurante próximo.
"Oi, Clara! É a Vivi! Estava com saudade de você, por isso mandei essa mensagem usando o celular do meu papai. E dessa vez não estou mexendo nas coisas dele escondida, não é, papai?"
"Isso mesmo! Ela está sendo boazinha e se comportando. Por isso estamos mandando mensagem de voz juntos! E acabei de perceber que estamos atrasados para a escola! Pega sua mochila, Vivi. Fantasma, mande um beijo pra Clara e diga que nós já estamos morrendo de saudade! Te amo, minha princesa."
"Eu também, Clara! Papai, Fantasma e eu amamos você!"
Ouvir aquela mensagem de voz de Lucas, Vivi e Fantasma - que latia ao fundo - me deixou emocionada. Já estava com saudade deles e meu coração ficou muito apertado. Queria estar com eles naquele momento, mais que qualquer coisa.
- Até quando vai fingir que eu não existo? - A voz de Fabi me pegou de surpresa. - Não sou mais digna da sua amizade?
- Fabi, estou com pressa e não vai dar pra conversarmos agora. - Limpei as lágrimas que ameaçavam a rolar pelos meus olhos e manchar a maquiagem.
- Você estava chorando? - Ela ficou ansiosa.
- Foi só uma mensagem que recebi, nada mais. - Justifiquei.
- Ele te maltratou?
- Ele foi maravilhoso. - Afirmei com seriedade. - Como sempre foi.
- Fico feliz por você, Clara. - Ela não me olhou nos olhos enquanto dizia.
- Acho que você está mentindo. - Joguei o celular dentro da bolsa e virei-me na direção dela antes de sair do prédio. - Preciso que me faça um favor. Peça, por gentileza, para o Pedro não me ligar mais. Sei que vocês são muito amigos, então ele vai ouvir seus conselhos, não é mesmo?
- Não sou sua inimiga, Clara! - Ela disparou, mas eu não queria ouvir.
Não consegui entender o motivo pelo qual minha amizade com Fabi havia quebrado. Eu só não conseguia confiar nela como antes.
Respeitava o direito dela de não acreditar no meu relacionamento com Lucas, mas tentar me empurrar de volta para Pedro, aquilo não estava certo. Ela sabia de tudo que vivi ao lado de Pedro Dias, inclusive das coisas ruins. Pedro e eu crescemos juntos, nossas famílias eram muito próximas. Os Toledo e os Dias tinham muitas gerações em comum. Nossos bisavós foram amigos de infância, assim como nossos avós e nossos pais. A nossa geração foi mais além e se envolveu romanticamente. Fernando e Suzanne envolveram-se, chegando ao ponto de engatar um noivado, que por sinal parecia não ter futuro algum, mas que mantinha-se de pé graças às aparências. Suzanne era irmã mais nova de Pedro e minha amiga, até o dia em que traiu meu irmão com o namorado da Fabi.
Acho que Fernando nunca soube disso de forma digna, e Pedro me convenceu a não contar a verdade. Pedro era meu melhor amigo, depois virou parceiro de estudos, colega de faculdade e, por fim, namorado. Estávamos envolvidos numa trama apertada demais para simplesmente escapar. Até o dia em que ele me convenceu a esconder a verdade do meu irmão, dizendo que não era da minha conta, que não cabia a mim estragar o noivado deles e a amizade de três gerações da nossa família.
Fernando me odiou quando soube da verdade.
Eu odiei Pedro.
Meu irmão dormiu com a Fabi por vingança, e minha cunhada finge até hoje que não sabe de nada.
Tudo pelas aparências.
Percebi que meu almoço tinha esfriado no prato e que eu não tinha provado mais que duas garfadas. Meu estômago embrulhou de repente por lembrar daquelas situações sórdidas que envolviam minha família e amigos próximos. Fernando e eu tínhamos um relacionamento incrível, mas ele sempre criticava minha relação com Pedro. Tenho certeza que ele aprovaria Lucas e eu precisava dessa aprovação.
Amava muito meu irmão mas ele parecia distante, inatingível, e fadado ao sofrimento junto à Suzanne.
- Olá, Tânia. Preciso de um horário com o Dr. Toledo Filho. - Falei com a secretária da Toledo Advogados e Associados. - É a Clara. Sim, Clarinha! Não diga a ele, ok? Será uma surpresa.
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