Capítulo 11 - Necessidade
Lucas havia entrado no banheiro poucos minutos atrás e não demorou muito para ouvir o barulho da água do chuveiro caindo. Ele pretendia mesmo ir embora no dia seguinte, pois a mochila que trouxera tinha apenas uma muda de roupas e isso me chateou um pouco. Algo irracional acontecia dentro de mim, angústia e ansiedade, como se não pudesse continuar presa dentro daquela bolha virtual por mais tempo.
- Por que não podemos ser como as pessoas normais? - Falei enquanto invadia o banheiro abruptamente.
- Clara, estou pelado aqui dentro. - Ele avisou de dentro do box.
- Você vai embora amanhã! - Disparei irritada.
- Sim, vou. - Ele respondeu, um pouco chocado por eu não perceber que ele estava totalmente nu. - Como aconteceu quando você nos visitou, lembra?
A lembrança da despedida no aeroporto ardeu no meu peito, minando um pouco da minha determinação.
- Aquilo foi completamente diferente. - Resmunguei pensativa.
- Não foi, não. - Ele estava de costas para mim, com o rosto molhado virado de lado na minha direção. - É exatamente igual. Fiquei do mesmo jeito que você está agora, transtornado.
- Mas você já acostumou com isso? - Perguntei colando o rosto no vidro embaçado.
- Amor, deixa eu terminar de tomar banho? - Ele resmungou. - Depois que eu sair, falaremos sobre tudo isso, ok?
- E por que não podemos falar agora?
- Eu estou pelado! - Ele virou-se na minha direção, como se eu fosse louca. - Precisa ser agora?
- Sim, precisa.
Abri a porta do box e entrei, sem considerar que ficaria toda molhada no percurso.
- Não quero que vá embora. - Sussurrei e me joguei nos braços dele.
Lucas ficou estático, sem saber como reagir àquele surto repentino.
Um minuto depois me abraçou de volta, aparentemente vivendo uma guerra interna.
Estávamos debaixo de água corrente, ele sem roupas e eu completamente vestida. As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto e os espasmos tomaram conta do meu corpo, toda tensão acumulada pelos anos longe, depois por termos tido dois finais de semana juntos, para nos despedirmos em seguida veio à tona. Ele se comoveu com meu choro magoado e acariciou meus cabelos, agora ensopados pela água morna do chuveiro, beijou o alto da minha cabeça, minha testa, nariz, olhos, bochecha, queixo e, por fim, os lábios.
Quando nossos lábios se encontraram, explodimos num beijo urgente, apressado e exigente. As mãos de Lucas seguraram meus cabelos num rabo de cavalo, junto à minha nuca e ele, com um movimento suave - porém firme -, ergueu minha cabeça mais para trás, para explorar meu pescoço. Um gemido escapou de minha garganta e ele suspirou em resposta, enquanto caminhávamos até a parede do box, onde minhas costas ficaram apoiadas. Novos beijos e envolvi seu pescoço com meus braços, ele me impulsionou para cima enquanto eu o abracei.
Lucas segurou-me firme em seu colo e saiu de dentro do box comigo, colocando-me sentada sobre a pia do banheiro. Sem se afastar muito, encontrou algumas toalhas limpas, enrolando uma na própria cintura para em seguida começar a secar meus cabelos com a outra. Ele pegou um roupão atoalhado que estava pendurado ao lado do box e colocou sobre meus ombros, e depois ajudou-me a tirar a blusa e o jeans molhado que usava. Logo que conseguiu me livrar das roupas encharcadas, ajudou-me a vestir o roupão e a amarrá-lo na cintura, trocou a toalha que envolvia meu cabelo, e levou-me de volta para o quarto, onde acomodou-me debaixo dos edredons.
- Fica quietinha aí, tá? - Ele pediu baixinho. - Vou colocar alguma roupa.
Não demorou muito para que ele estivesse de novo comigo na cama. Aninhei-me nos braços dele, precisando sentir sua presença, o calor de seu corpo e o toque macio e suave de suas mãos. Ele permaneceu ali, me confortando.
- Me perdoe. - Pedi depois de um bom tempo de silêncio.
- Pelo que? - Ele perguntou baixinho.
- Por fazer aquela cena no banheiro. - Falei quase num murmurio. - Invadir o banheiro enquanto você estava vulnerável, sem roupas. Isso não foi maduro.
- Você se desesperou, é normal.
- Você costuma se desesperar? - Olhei para cima, querendo ver seus olhos.
- Às vezes acontece. - Ele deu uma risadinha rouca. - Na maior parte do tempo, mando a Vivi para a casa dos avós dela, e encho a cara. Desta vez, tive que pegar um avião e vir até aqui pra ficar perto de você.
- E eu estou estragando tudo. - Concluí.
- Não está estragando nada. - Ele colocou um dedo nos meus lábios. - Está mostrando que também me ama, que também sente falta e que precisa de mim.
- Mas isso você já sabe.
- Sim, eu sei porque você me diz. - Ele anuiu. - Mas hoje todo seu corpo falou por você. Sempre invejei seu autocontrole, e agora sei que você também o perde às vezes.
- Você perde o controle? - Ele esteve totalmente controlado numa situação extrema, e eu o admirei por isso.
- Claro, que sim, amor. - Ele riu.
- E como você faz pra recuperar? - O ciúme começou a tomar espaço dentro do meu peito.
- Penso que quando estivermos juntos, plenamente... Que o dia em que você for minha, vai ser maravilhoso.
- Eu já sou sua. - Lembrei.
- Estou me referindo ao seu corpo. - Ele explicou gentilmente.
- Meu corpo já é seu também. - Afirmei.
- Eu sou seu, meu coração e meu corpo também. - Ele beijou minha testa e me apertou em seus braços. - Quando nosso momento chegar, nós dois saberemos. Não haverá dúvida ou desespero, Clara. A gente está caminhando pra lá.
- Sua maturidade é invejável.
Lucas deu uma risada rouca que fez meu corpo aquecer e beijou o topo da minha cabeça.
- Não se iluda com isso. - Ele avisou. - Não sou esse poço de maturidade que você pensa.
Ponderei por alguns instantes o que ele tinha dito, mas não concordei com seu ponto de vista. Desde que nos conhecemos ele demonstrou ser muito mais estável emocionalmente do que eu, sempre enxergando além, planejando e prevendo as consequências. De nós dois quem puxava o freio e determinava o ritmo das coisas era ele, mas algumas vezes me permitindo ir além com meu jeito impulsivo, apenas contornando as adversidades.
- Você está em qual planeta? - Lucas chamou minha atenção.
- Acho que sou a criança pequena da relação, você sempre sabe o que fazer, ao contrário de mim.
- Não pense que está em desvantagem por aqui. - Ele se acomodou melhor no colchão. - Na verdade você tem tido toda e qualquer vantagem desde o começo. Sou apenas um viúvo largado na vida que encontrou uma mulher linda, cheia de entusiasmo e vontade de viver.
- Sua condição conjugal tirou sua vontade de viver? - Era uma pergunta arriscada, dadas as circunstâncias, mas ele estava falando e mostrando coisas que eu não sabia, então decidi arriscar.
- Por algum tempo. - Ele sorriu, mas não tinha remorso ou tristeza. - Não tive tempo suficiente para me acomodar na dor e ficar pensando em formas de abandonar a vida.
- Pela Vivi?
- Pela Vivi. - Ele concordou. - Ela era a coisa mais importante da minha vida e não tinha culpa da tragédia que nos envolvia.
Aninhei-me no peito dele e acariciei seu braço.
- Minha filha merecia ser tão feliz quanto eu pudesse torná-la, então simplesmente decidi superar a dor ou o que quer que me impedisse de ser um bom pai para ela.
- Está dizendo que superar foi uma simples decisão?
- No meu caso sim. - Ele deu de ombros e me apertou em seus braços. - Acho que possuo um nível de determinação mais intenso do que a maioria das pessoas. Isso me ajudou a não perder o foco.
- Você tem feito um bom trabalho com a Vivi. - Concluí. - E consigo mesmo?
Ele não respondeu de imediato. Havia um sorriso em seu rosto que eu não conseguia decifrar, mas não havia ironia no gesto.
- Acabei me tornando solitário.
- Você não parece ser do tipo isolado, como um eremita.
- Com certeza não sou! - Ele riu divertidamente. - Tenho alguns esquemas que realmente funcionam para tentar ter uma vida normal.
- Defina vida normal.
- Ah, Clara... - Lucas acariciou meu braço. - Às vezes saio com alguns amigos, a gente frequenta alguns bares e pub's da cidade. E em relação a mulheres, se é o que deseja saber, não existe ninguém além de você.
- E a questão do sexo? - Eu precisava perguntar, não podia continuar naquela incerteza.
- O que tem?
- Você entendeu a pergunta.
- Depois que te encontrei, que as coisas ficaram realmente sérias para mim, passei a desejar estar só com você. - Ele não hesitou ao dizer as palavras.
- Depois que as coisas ficaram sérias? - Sentei-me na cama. - Algumas semanas atrás?
Lucas continuou deitado e passou a mão pelos cabelos escuros, o que me fez sentir vontade de acariciá-los também.
- Como assim?
- Você disse que agora fazemos parte de algo real, se...
- Eu não traí você! - Ele disse com irritação.
- Não foi o que eu disse.
- Clara, eu sei que nosso contexto é torturante. - Ele respirou fundo e fitou o teto. - É doloroso ter sentimentos por alguém que não podemos ver ou tocar quando sentimos vontade. Mas esse prejuízo não é apenas seu.
- Lucas...
- Espera! - Ele me encarou com seriedade. - Acho que você ainda não entendeu que somos dois nessa relação. Eu existo, também sinto as coisas.
- É que as vezes você age com frieza.
- Eu posso ser quente, Clara. - Lucas disse com tanta convicção que me fez estremecer por dentro. - Como posso...
Não respondi.
- Você não tem ideia das coisas que passam na minha cabeça e como lido com elas, então para de criar teorias.
- Eu preciso saber! - Me exasperei. - Preciso acreditar que essa loucura toda não acontece só dentro de mim, que estou dedicada demais, focada demais, sentindo essa ansiedade e desespero sozinha.
- Você não está sozinha nisso, como ainda não percebeu?
- Estou percebendo agora. - Falei baixinho. - Você está dizendo e demonstrando, está se movendo na minha direção também.
- Não podemos agir feito inconsequentes... - Lucas me puxou de volta para seu lado. - Se conseguirmos dominar essa inquietação só mais um pouco, vamos conseguir passar por essa fase ruim.
- Não tenho dúvidas de que estamos juntos nisso.
- Acho bom que não tenha mesmo... - Ele disse rabugento. - Atravessei metade do país pra te ver, pra ficar assim contigo.
- Eu também!
- Foi a melhor coisa que você já fez por nós dois.
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