Capítulo 5
Garota, me conte o seu nome
(Eu quero saber seu nome)
Por favor, me diga seu nome, qual é o seu nome
(Eu quero saber seu nome).
(I Wanna Know Your Name –The Intruders)
Sabe, Saturn, é um tanto quanto hipócrita da minha parte eu ter uma memória inteira a julgando e a criticando sobre o fato de você não seguir à risca as regras do alojamento da universidade quando, na semana seguinte, você me viu quebrar uma das principais regras daquele prédio.
Lembro que eu caminhava pelo corredor do quarto andar dos alojamentos e carregava em meus braços uma sacola de papel do supermercado mais próximo cheia de jujubas coloridas para Sea, minha irmã, e uma barra de chocolate meio amargo para mim. Íamos assistir a um filme juntos naquela noite e ela estava com vontade de comer doces.
"Você não é o Nathan." Escutei a voz da minha irmã ecoar pelo corredor vazio. A surpresa e a confusão eram evidentes em sua fala. Comecei, então, a correr em direção ao meu quarto. Ninguém, em hipótese alguma, podia saber que ela estava ali no meu dormitório.
E foi quando eu escutei a sua voz. "E você não é o Ocean." Lembro de balançar a minha cabeça e de apertar os meus olhos, perguntando-me o que raios você estava fazendo ali. Cheguei a tempo de ver vocês duas paradas na porta do meu quarto, uma encarando a outra em completo e absoluto silêncio.
Os seus lábios se curvaram num sorriso mínimo ao ver o desespero palpável em meu rosto. "Eu aposto que isso..." Você olhou para mim e depois para a minha irmã. "É contra as regras do alojamento da universidade. Mas é óbvio que você sabe disso, garoto astrônomo." Você repetiu exatamente as mesmas palavras que eu havia dito para você quando descobri sobre o gato na sua mochila.
Céus, você era particularmente irritante, Saturn.
"Vi?" A minha irmã me chamou pelo apelido, parecendo tão perdida quanto a mim. "Quem é ela?"
Apontei para a entrada do meu quarto e, em seguida, coloquei a minha mão livre sobre as suas costas, implorando silenciosamente para que entrasse ali em meu dormitório. Lembro de suspirar alto ao olhar para os dois lados do corredor, verificando se alguém havia visto ou ouvido o que acontecera. Para a minha sorte, não havia ninguém caminhando pelo andar. Por fim, fechei a porta atrás de mim.
Sea estava de braços cruzados enquanto me encarava seriamente, esperando por explicações. "Certo." Murmurei. "Saturn, essa é a Sea, minha irmã." Apontei para a menina completamente emburrada ao meu lado. "E Sea, essa é a Saturn, a minha..." Lembro de pensar por um momento. Nós não éramos íntimos ou próximos o bastante para sermos considerados amigos, mas também não éramos completos desconhecidos. "Colega." Falei. E eu sinceramente acho que, naquele momento, colega foi um ótimo termo para se referir a você, Saturn.
"Muito prazer, Sea!" Você a cumprimentou, gentilmente.
A minha irmã a olhou de cima a baixo, demoradamente. Céus, sempre tão dramática e mal-humorada. "Para você é Serena." Ela disse. Olhei para trás, matando Sea com o olhar e repreendendo a sua atitude. Mas ela permaneceu imóvel.
Lembro de passar as minhas mãos sobre a testa e de respirar fundo, totalmente cansado. "Desculpa por isso..." Sorri, um pouco constrangido. Logo depois, apressei-me em explicar toda a situação. "Então... o meu pai é obstetra e foi chamado para fazer um parto de emergência. E, por incrível que pareça, isso acontece com frequência. E bom... a minha mãe está operando algum paciente no mesmo hospital. Enfim, a babá não estava disponível e quando isso acontece o meu pai a deixa aqui."
"Oh." Você piscou e abriu a boca. "Então isso já aconteceu outras vezes?" Você sorriu de canto e, então, cruzou os braços para mim enquanto apoiava as suas costas sobre a parede do meu dormitório. "Ora ora... quem diria que o garoto astrônomo também gosta de quebrar as regras?"
Lembro de respirar fundo pela segunda vez, um pouco mais impaciente. "O que você quer, Saturn?"
"Eu achei isso hoje quando fui organizar o meu quarto." Você estendeu a mão para mim e só então eu notei que você carregava o meu bloco de anotações. Lembro que o peguei entre os meus dedos e olhei folha por folha, conferindo-o. Pensei que o havia perdido. "Acho que você esqueceu isso em alguma sacola do Bruce na semana passada."
A minha irmã se aproximou de mim e, então, pegou a sacola que estava em meus braços. "Quem é Bruce?" Sea perguntou, de repente. Pude escutar ela abrindo a embalagem das jujubas coloridas.
"O meu gato." Você sorriu.
Apertei os meus olhos enquanto olhava para você, completamente incrédulo. "O quê?" Balancei a cabeça. "Você ainda está com ele?" Dei ênfase no 'ainda'. Eu simplesmente não podia acreditar que você estava mantendo o gato em seu quarto durante todo esse tempo.
Mas, antes mesmo que você pudesse me responder, a minha irmã perguntou: "Gato?" E eu posso jurar que vi os olhos dela brilharem para você, Saturn. Sea sempre amou e sempre quis ter gatos. Ela, após um breve momento, mudou completamente de expressão e ficou séria. "É proibido animais de estimação nos dormitórios da faculdade, Saturn." Sea mastigava uma das jujubas rosa. Lembro de sorrir orgulhoso da minha irmãzinha.
Você intercalava o olhar entre mim e Sea, desacreditada. "Poxa!" Você exclamou, balançando a cabeça para os lados. "Você é igualzinha ao seu irmão, Serena."
"Sabe..." Ela deixou o saco de jujubas de lado e, então, sentou-se na cama. "Eu queria ter um gato também. Um gatinho cinza." Sea olhou para o teto do quarto e pensou por um instante. "Ou um gato laranja, sabe?" Ela abaixou a cabeça e me encarou, um pouco chateada. "Mas o Vi tem muita alergia a gatos. Muita mesmo. Ele passa mal, por isso não posso ter um."
"Ah, é mesmo, Serena?" Você me olhou de cima a baixo, parecendo se lembrar de algo. "Que engraçado, porque..."
"Saturn." Sem pensar duas vezes, cortei a sua fala. Eu sabia que você ia me desmentir na frente de Sea, e eu não queria aquilo. Não podia deixar isso acontecer, pelo menos não naquele momento. "Você precisa de mais alguma coisa?" Falei rápido, já indo em direção à porta.
Você sorriu minimamente, como se estivesse genuinamente contente em descobrir dois segredos sobre mim em um único dia. "O cobertor da senhora Watson. Você insistiu em lavá-lo, lembra?" Você sorriu, um pouco sem jeito. "Ela volta dos Estados Unidos amanhã... preciso levá-lo de volta para a casa dela."
"Ah, sim. Verdade." Cocei a minha nuca, perguntando-me onde eu o havia colocado. Caminhei até o meu armário e o abri. Procurei, então, pela manta que eu havia lavado e secado na semana anterior.
"Belo telescópio." Pude escutar você sussurrar. Lembro de erguer a minha cabeça, vendo-a apontar para o telescópio eletrônico que estava ao lado da minha cama. "Ele parece mais complexo que os telescópios comuns." E eu sabia que você estava interessada em ver Saturno nele, porque isso era um dos itens da sua lista. Mas, bom... aquilo não iria rolar.
"Ah..." Eu sorri, sozinho. Voltei a atenção para o armário a minha frente, dando de ombros. Eu não iria deixá-la usar o meu telescópio, Saturn. Não mesmo. "Os meus pais compraram no meu aniversário de 18 anos. Acharam que seria legal comprar um eletrônico com sistema de busca integrado e tudo mais." Balancei a cabeça, murmurando. Você não queria saber de tudo aquilo, aposto. "É bem mais prático."
"Mas...?" Você apertou os olhos para mim, esperando que eu lhe contasse mais detalhes.
Suspirei e me controlei para conter o sorriso que insistia em nascer no meu rosto. Você não estava simplesmente interessada no meu telescópio só por conta da sua lista. Não. Você estava genuinamente interessada em mim, na minha história. E eu realmente gostei que você havia me entendido, Saturn. Gostei que você havia lido as entrelinhas da minha fala e da minha expressão. "Mas esse modelo em específico é voltado para fotografia astronômica, que não é a minha área." Expliquei.
"E qual é a sua área?" Você perguntou.
"O Vi vai ser um cientista." A minha irmã respondeu. A boca dela estava cheia de jujubas coloridas. Céus. E eu pude perceber que ela amou saber de algo que você ainda não sabia sobre mim. Sea sempre foi muito ciumenta comigo, principalmente quando eu conversava com alguma garota – não que eu conversava com várias garotas... E é por isso que ela foi tão grossa com você nesse dia, Saturn. Porque ela estava com ciúmes de você. "Um cientista das estrelas." Ela repetiu o que eu costumava dizer quando pequeno.
"É..." Inclinei a minha cabeça para o lado. "Eu ainda não sei qual é a minha área exatamente. Quer dizer, sei que quero ser pesquisador, mas ainda não sei de qual área em específico. Astronomia acaba abrindo muitas portas para a pesquisa." Sorri. "E você?" Abri ainda mais uma das gavetas do armário. Onde estava aquele raio de cobertor?
"Eu curso licenciatura em ciências biológicas, então..." Você mordeu o canto da bochecha e, logo em seguida, respirou profundamente. "Sonho em ser professora de biologia." Oh, por que eu não fiquei surpreso? Era óbvio que a senhorita 'o universo – em sua infinita complexidade e harmonia – claramente tem um plano para mim' quer ser professora. Toda professora de biologia pensa dessa forma.
Finalmente peguei o cobertor que estava dobrado em meu guarda-roupa e o entreguei a você. "Muito obrigado por aquela noite na chuva, Saturn." Agradeci, sincero em cada palavra. Eu acho que, em todo aquele tempo, nunca havia te agradecido pelo que você fez por mim. E você havia feito muito por mim. "Obrigado pela bombinha e por isso." Apontei para a manta.
"Não precisa agradecer." Você sorriu gentilmente. "Até mais, Serena! Na próxima vez que você vier eu te levo para o meu quarto para você conhecer o Bruce. Ele não é cinza nem laranja, mas é muito bonito."
Sea parecia relutante, mas, no fim, acenou para você e disse: "combinado."
Quando já estávamos na porta do meu dormitório, você se virou para mim e sussurrou para que a minha irmã não a escutasse. "Falando em gatos... Você é um mentiroso, Ocean!" Você bateu de leve em meu ombro direito, sorrindo. "E um péssimo irmão, aliás." Acrescentou.
"O quê?" Ergui a minha sobrancelha para você, sério. Eu podia ser tudo o que quisesse, e eu até mesmo poderia ser chamado de qualquer coisa, menos de um péssimo irmão. Isso eu não era. Não mesmo.
"Eu sei que você não tem alergia a gatos coisa alguma, garoto astrônomo." Você apertou os olhos e me encarou, esperando que eu respondesse alguma coisa, mas eu fiquei em silêncio. "Não deu um espirro sequer quando estava no meu quarto naquele dia com o Bruce, lembra?"
"Olha..." Ajustei o óculos em meu rosto, respirando profundamente. "Eu não sei se você notou naquele dia, mas eu não sou muito fã de gatos. Nunca fui." Passei a mão em minha testa e olhei para trás, certificando-me de que Sea não estava me ouvindo. "E teve uma época, quando eu ainda estava no colégio, que a minha irmã começou a convencer os meus pais a terem um... eles chegaram a ir em feiras de adoções e tudo..."
"E então você inventou a alergia?" Você balançou a cabeça, fingindo não acreditar em minhas próprias palavras. Quando eu disse que sim, que eu realmente havia inventado, você exclamou um: "E é isso que faz de você um péssimo irmão, garoto astrônomo."
Coloquei a minha mão sobre o mesmo rosto e fingi soltar um espirro. E eu o fiz propositalmente alto, para que a minha irmã ouvisse. Lembro de olhar para trás a tempo de vê-la erguer a cabeça e olhar para mim, um pouco assustada. "Eu avisei que o Vi tem alergia." Pude ouvir Sea murmurar.
Você novamente bateu em meu ombro, mas dessa vez estava rindo.
"Vi." Você repetiu, pensativa. "Por que a sua irmã o chama de Vi?"
Lembro de coçar a minha cabeça e de apoiar o meu corpo sobre o batente da porta. Aquela conversa estava se prolongando mais do que o previsto. "É um apelido do meu nome do meio, que é Davis." Expliquei. "Ocean Davis Cooper."
Pude ouvi-la exclamar um tímido: "ah!", como se finalmente houvesse entendido. Você abraçou o cobertor que segurava e, então, deu um passo para trás, em direção ao corredor. "A minha avó costuma me chamar de Marie."
"Nome do meio?" Perguntei. Você balançou a cabeça em concordância, respondendo que sim. "Saturn Marie Campbell." Sussurrei para mim mesmo. "Nome bonito."
Você sorriu para mim e se virou calmamente. Em seguida, começou a caminhar em direção às escadas, mas, antes que eu pudesse perdê-la de vista, você olhou para trás, em minha direção, e disse alto o bastante para que eu a escutasse: "Boa noite, garoto astrônomo!"
E, naquele exato momento, eu estava profundamente aliviado. Aliviado porque eu não devia mais nada a você – você salvou os meus livros da chuva e eu salvei a sua listinha do lixo. Você me salvou da tempestade e eu te salvei de uma expulsão do alojamento da universidade – e eu não tinha mais nenhuma ligação com você – você devolveu o meu bloco de anotações e eu devolvi o cobertor da tal da senhora Watson. Todo o nosso contato se encerrou ali.
Bom, pelo menos era o que eu pensava.
Viro o meu rosto para trás ao escutar algo. No mesmo instante, a porta do quarto 502 é aberta por uma mulher vestindo um jaleco branco. Ela carrega uma prancheta nas mãos e analisa distraidamente alguns papeis. Não sei ao certo se ela é uma das médicas de Saturn ou uma das enfermeiras. Ela, então, finalmente olha para mim, surpresa por me ver ali.
– O que você está fazendo? – Ela olha para o seu relógio de pulso. – O horário de visitas acabou há vinte minutos, garoto. Você não deveria mais estar aqui.
– Desculpe. Eu não... eu não vi o horário passar. – Apresso-me em me explicar para ela. Solto a mão de Saturn que eu estava segurando durante todo esse tempo e vou, sem delongas, em direção à porta. Noto, pelo canto dos olhos, o nome Saturn Marie Campbell anotado em uma das folhas que a mulher segura. Será o resultado de algum exame? – Você... – Aponto para a prancheta dela. – Você tem notícias da Saturn? Sabe o que ela tem?
Ela me olha de cima a baixo e depois olha para o corpo repousado sobre a cama.
– Você é algum familiar?
– Não, eu sou o... – Pisco os meus olhos algumas vezes, tentando me manter no presente. Tentando não fugir da realidade. – Eu sou o namorado dela. – Engulo em seco.
– Sinto muito, garoto. – Ela diz, seca. Vejo-a abaixar a prancheta para que eu não leia mais nada escrito nela. – Não posso discutir o caso dela com você, somente com um familiar.
Instantes depois outras pessoas adentram o quarto 502. Todas elas usam jalecos como uniforme. E eu não sei dizer o que ou quem são eles. Eu não entendo toda a movimentação que está acontecendo aqui, e eu não entendo toda a agitação dentro deste quarto. Ninguém fala comigo, ninguém ao menos me diz o que raios está acontecendo. Ninguém me diz o que há de errado com a Saturn.
– Ei! O que você está fazendo? – Aproximo-me do homem que está trocando o líquido que alimenta um dos acessos de Saturn. Toco em seu braço, impedindo qualquer movimento seu. – Você não pode fazer isso! Ela precisa disso, ela precisa.
– Alguém tira esse homem daqui!
– Garoto. – A mulher que entrou no início pega fortemente em meu braço e me leva para o corredor do hospital. Ela fecha a porta do 502, bloqueando a minha visão do que de fato estava acontecendo ali. – O horário de visitas acabou. Agora nos deixe fazer o nosso trabalho, por favor.
Respiro fundo várias vezes, tentando me acalmar.
– Recebemos os resultados dos exames agora e estamos tentando fazer contato com os familiares dela. – Ela olha em meus olhos. – Então, depois você conversa com os pais dela. Eles te explicarão tudo. – Ela apoia a mão em meu ombro. – Agora eu quero que você vá para casa e tome um banho para dormir. Amanhã você poderá visitá-la de novo.
Fecho os meus olhos e suspiro.
Fim do segundo dia.
★★★
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