Capítulo 29
Há esperança em nossa voz
Quando ouvimos uns aos outros
Barreiras desaparecem
Com cada história contada.
(Hope – Sleeping At Last)
Caminho lentamente pelos corredores do hospital. Não por escolha ou por opção, mas sim por falta de escolha e por não ter outra opção. As minhas pernas ainda estão fracas e doloridas devido ao tempo que fiquei deitada na cama do quinhentos e dois. Elas ainda vacilam sobre os meus comandos, mas, pelo menos, eu consigo caminhar livremente, mesmo que de forma demorada. A fisioterapia de fato me ajudou.
Ao virar em um corredor qualquer, percebo que estou andando completamente sem rumo pelo segundo andar. Não tenho um destino certo em mente. Digo, quero ir embora daqui, mas a algo em meu subconsciente que me está me impedindo de alcançar o elevador.
Observo as portas dos quartos ao meu redor e, então, eu finalmente entendo o que está me mantendo aqui. Violet. Este é o seu andar. E o seu quarto fica a apenas alguns passos de distância.
Os meus pés se movem ainda mais devagar quando a minha mente é tomada por imagens vívidas de Violet. Sinto saudades da sua voz e do som da sua risada, que sempre foi único. Um aperto toda conta do meu peito ao lembrar que eu não tenho notícias alguma da pequena desde que acordei, há duas semanas atrás. É torturante.
"Não! Eu não quero!" Violet gritava para a equipe médica. A sala de quimioterapia ficou em um silêncio ensurdecedor só para ver a criança se debater sobre a poltrona. "Não quero! Eu odeio esse remédio, ele é mal!" Havia lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Era de cortar o coração. Essa foi a primeira vez que eu a vi.
"Ei!" Eu me aproximei em meio aos enfermeiros que tentavam contê-la. "Se não tomar o remédio como é que você vai ficar bem para brincar de novo?" Violet abriu os olhos para me encarar. Por alguns poucos segundos eu fiquei hipnotizada pelos seus intensos olhos azuis. Eram lindos. "Ou ficar bem para ver as suas amigas da escola?"
Ela cruzou os braços rapidamente, desviando das mãos dos enfermeiros. "Ele me faz vomitar. E eu não posso comer doces. É horrível." Violet se defendeu, murmurando alto. A garotinha pareceu estar pensando por um momento antes de dizer: "E eu sinto saudades de brincar..."
Eu sorri, tristemente. "Eu prometo que vou brincar com você." Assegurei a ela. "Mas só depois do seu remédio." Apertei os meus olhos em direção a menina, que parecia estar mais calma que instantes antes. "Que tal?"
"De esconde-esconde?" Os seus olhos brilham inocentemente diante da possibilidade da brincadeira.
"De esconde-esconde." Confirmo. Ela sorri e, finalmente, a equipe médica consegue dar continuidade ao procedimento. Minutos depois a mesma equipe administrou a minha quimioterapia. A minha primeira rodada de quimioterapia.
Dou mais um pequeno e curto passo em direção ao duzentos e oito. Por alguma razão, não sinto pressa alguma em alcançar o seu quarto. Talvez eu indiretamente sinta medo das respostas que encontrarei naquele lugar. Faz semanas que não ouço a voz da garotinha de olhos azuis, semanas que não a vejo, e nem mesmo a encontro nos corredores do hospital. E eu nunca fiquei tanto tempo sem ter notícias de Violet. É estranho. E assustador.
"Saturn." Violet me chamou, tocando em minha perna. "Será que podemos parar de dançar?" Ela falou por cima da música que ouvíamos. A sua voz estava cansada e fraca. Percebi, então, que o seu peito subia e descia com uma certa dificuldade.
Desliguei a música e me concentrei inteiramente nela, que havia sentado em uma poltrona qualquer. Éramos as únicas presentes na brinquedoteca do hospital naquela tarde. "Está tudo bem?" Perguntei.
"Estou sentindo dor." Ela confessou, baixinho.
Aproximei-me dela, delicadamente. "Sabe o que me ajuda nesses momentos?" Toquei em sua mão, fazendo-a olhar para mim. Violet balançou a cabeça em negação. "Peço para alguém me contar alguma coisa. Qualquer coisa. E, por alguns mínimos segundos, a minha mente esquece da dor." Sorri fracamente ao me lembrar de todas as vezes que Ocean me acalmou, mesmo sem ele saber.
Ela segurou a ponta dos meus dedos enquanto ainda olhava em meus olhos. Sei que, naquele exato momento, ela estava fazendo o possível para não chorar. "Então me conta alguma coisa, Saturn." Havia súplica em sua voz. Era triste.
Finalmente avisto a porta do quarto duzentos e oito pelo canto dos olhos. Aqui está o seu quarto. O quarto que, durante muitos meses, foi visitado por mim. O quarto que, durante muito tempo, acolheu Violet em seus dias ruins. O quarto que ouviu todos os choros discretos dela.
"Eu não quero passar a Ação de Graças internada no hospital, Saturn." As lágrimas saltavam dos olhos azuis de Violet, tristemente. As gotas rolavam pelo seu rosto, sem descanso algum. "Quero ficar com os meus avós e, na segunda-feira, quero ir pra escola ver as minhas amigas." Ela agarrava a ponta do seu cobertor branco e o abraçava. Doía vê-la assim.
Eu também passaria o feriado longe da minha família. E tudo isso por conta de um exame solicitado de última hora e uma consulta de emergência. Era tão injusto em tantos sentidos. Tão injusto. "Você sabe onde a gente vai estar no feriado do ano que vem?" Pergunto.
"Onde?" Violet soluça.
"Em casa." Suspiro pesadamente, sonhando com aquele dia. "Com toda a nossa família reunida." Sorrio levemente para ela, tentando consolá-la de alguma forma. Eu realmente acreditava naquilo. Eu realmente acreditava que a gente iria superar toda a doença.
Sinto as minhas mãos vacilarem ao tocar na maçaneta. A minha respiração está pesada dentro do meu peito, e eu não sei se é de ansiedade para finalmente vê-la ou se é de medo por não encontrá-la atrás dessa porta. Por que ela não me procurou nestas últimas duas semanas? Como Violet está?
Penso que eu deveria ter trazido violetas para ela, assim como eu costumava fazer quando eu a visitava. Bom, eu deveria ter trazido margaridas agora que eu sei que são as suas preferidas.
"Posso contar um segredo?" Violet segurava a minha mão, delicadamente. Éramos as únicas dentro da sala naquela tarde, recebendo mais uma dose de quimioterapia. Eu estava cansada, mas mesmo assim eu balancei a cabeça, disposta a ouvi-la. "Ouvi vovô e vovó conversando mais cedo. Eles disseram que eu preciso de um doador de medula."
Meu Deus. Os meus olhos se arregalaram levemente com a informação nova. Respirei profundamente e tentei sorrir, passando alguma mínima confiança para ela. Mas a verdade é que eu mesma não estava confiante. "Aposto que já já vai aparecer alguém compatível, Violet."
"Vai mesmo." Ela disse, verdadeiramente feliz. Era bom vê-la finalmente ter alguma esperança. Sorri um pouco mais, sabendo que fui eu quem a ensinou a ter pensamentos positivos.
Foi a última vez que conversamos.
Demoradamente, empurro a porta do seu quarto. O rangido das dobradiças antigas parece estar mais intenso que o normal, mas pode ser simplesmente a minha cabeça projetando toda a minha ansiedade num barulho inofensivo qualquer. Os meus olhos encontram a cama do outro lado do duzentos e oito vazia, como sempre. Se não me engano, aquela era a antiga cama de Abby.
Por um breve e curto segundo a minha mente projeta repetidas vezes o meu último encontro com Violet. As suas palavras ainda soam vividas em meus ouvidos quando ela disse que precisava de um transplante de medula. As chances de achar alguém compatível são infinitamente pequenas. As chances são mínimas, quase inexistente. Será que ela finalmente havia conseguido encontrar um doador? Será que ela está bem?
Os músculos em meu rosto se contraem levemente enquanto projetam um sorriso orgulhoso e aliviado em meus lábios ao notar que há uma garotinha sentada na cama em frente à porta do 208. Os seus braços e as suas pernas são finas, tão finas quanto eu me lembro. As suas bochechas são grandes e redondas, como sempre foram. A ponta dos seus dedos seguram firmemente um lápis de cor laranja. Violet está pintando, e ao menos é capaz de notar a minha presença ali.
– É aqui que eu encontro uma flor? – Pergunto em alto e bom som, fazendo a minha voz ecoar dentro do quarto vazio.
Violet imediatamente ergue a sua cabeça e olha em direção à porta. Os seus grandes e inocentes olhos azuis encontram os meus, completamente incrédulos com a minha presença. Há um sorriso largo em seu rosto ao notar que eu realmente estou aqui, na sua frente.
– É aqui que eu encontro um planeta? – Violet costumava repetir essa mesma frase todas as vezes que me encontrava pelo hospital. Era o nosso bordão em forma de cumprimento. – Saturn! – Há uma empolgação palpável e sincera em sua voz.
– Eu fiquei muito preocupada com você, Violet! – Aproximo-me sem cerimonias da sua cama. As minhas pernas não perdem a força em momento algum. Cruzo os braços para enfatizar o quão nervosa e decepcionada eu estou com ela. – Você sumiu! Nunca mais faça isso comigo.
– Desculpa. – A sua voz falha, soando como um som fino e fraco. Ela está realmente arrependida por não me dar notícias nessas últimas semanas. – Eu não posso sair do quarto. Quer dizer, eu nunca pude... Mas dessa vez eu não consigo sair. – Ela ergueu os seus braços para cima, e, então, eu pude ver todos os acessos conectados em seu braço.
– O que aconteceu? – Toco delicadamente em sua pele morna e cheia de furinhos vermelhos. As veias de seu braço estão roxas, como se ainda estivessem irritadas por conta das altas doses de remédio administrado. Violet nunca recebeu quimioterapia o suficiente para causar isso.
Mas eu já. Sei o quão doloroso é.
– Eles tiveram que aumentar os remédios. – Vejo Violet engolir em seco, como se um filme assustador estivesse passando bem em frente aos seus olhos azuis. Há dor disfarçada em sua voz. É de partir o coração. – Fiquei bem fraquinha, mas Ocean me ajudou.
– Mas, em crianças, eles só aumentam a quimioterapia dessa forma quando estão preparando elas para... – Aperto os meus olhos discretamente enquanto a minha mente trabalha arduamente. No segundo seguinte, quando finalmente entendo, coloco as mãos sobre a boca, completamente surpresa. – Meu Deus! – As palavras saem dos meus lábios antes mesmo de eu conseguir processá-las.
– Eles acharam um doador compatível. – Violet rapidamente balança a cabeça em confirmação. Há um grande sorriso em seu rosto. É aliviador. É completamente aliviador. – Você falou que não demoraria para aparecer alguém compatível. E não demorou! Foi muito legal. Recebi a medula nova no dia que você acordou.
– Meu Deus, Violet! – A felicidade que sinto explodir em meu peito estranhamente faz a minha voz tremular. Posso sentir o sangue borbulhar dentro das minhas veias de um jeito estranhamente adorável. Porque tudo isso parece estranhamente irreal. – Eu estou tão feliz por você!
Abro os meus braços e me inclino na direção da pequena, preparando-me para abraçá-la fortemente. Tudo o que eu mais desejo nesse momento é envolver o seu corpo delicado em meus braços como forma de comemoração. Mas a visão dos acessos em sua pele me fazem parar, com medo de machucá-la.
Por fim, beijo o topo da sua cabeça, fazendo Violet rir. E o som da sua gargalhada é lindo.
– Vou pra casa daqui a quatro dias. To muito animada! – Violet não consegue parar de sorrir, assim como eu. A sua alegria é tão real que chega a ser palpável. É incrível. – Vovô e Vovó vão fazer uma festa pra mim. – Ela mexe os dedos ansiosamente sobre o seu colo. – Como você está, Saturn?
Abro os meus lábios por um momento, mas permaneço em completo e absoluto silêncio. Os meus olhos são direcionados para baixo enquanto penso no que responder. Quais palavras eu devo usar para dizer à uma criança que eu não estou bem? Que eu estou morrendo? Que eu não tenho muito tempo de vida? Que eu não tive a mesma sorte que Violet?
– Estou bem. Eu também vou para casa. – Os músculos em meu rosto se contraem levemente e formam um sorriso mínimo em meu rosto, feliz em finalmente encontrar as palavras certas. – Mas, dessa vez, para uma casa diferente. Uma casa que fica lá no céu... – Direciono os meus olhos para Violet.
Ela está segurando as pontas do seu próprio dedo com força. Percebo que as suas mãos estão brancas devido a tensão posta sobre elas. Violet pisca algumas vezes, em silêncio. É claro que ela entendeu o que eu quis dizer. Violet, mais do que qualquer outra criança, entende muito bem o que é a morte. Porque Violet sempre esteve em contato com ela. Porque Violet já a viu de perto.
– Você está morrendo. – E não é uma pergunta. É uma afirmação. Uma afirmação seca, real e extremamente dolorosa.
– Estou, Violet. – Confirmo, embora não fosse necessário. Os meus olhos ardem com as lágrimas que querem, desesperadamente, cair pelo meu rosto. Encaro o teto acima das nossas cabeças por um curto segundo, respirando profundamente.
O silêncio entre nós se arrasta lentamente. É ensurdecedor.
– Está tudo bem, Saturn. – Violet finalmente diz. Estranhamente eu a encontro sorrindo para mim. É um sorriso acolhedor, como quem repete silenciosamente "está tudo bem, Saturn". – Quando eu morrer, eu vou ir visitar você lá no céu. E sabe o que vai acontecer?
– O que? – A minha voz falha. Sinto a minha garganta se fechar enquanto as lágrimas finalmente são libertas dos meus olhos. Quero soluçar.
– Vai ter violetas em Saturno! – Ela abre os braços. Pela primeira vez naquele dia, percebo que há um desenho apoiado entre as suas pernas. É Saturno pintado de lilás, a sua cor preferida. – E todas as pessoas aqui da Terra, quando olharem para o céu com um telescópio, vão saber que a gente se encontrou de novo.
Inclino levemente a minha cabeça para o lado e sorrio. Eu amo a sua inocência infantil, eu amo a sua pureza e eu amo a sua esperança inabalável, que foi plantada por mim ao longo desse ano. Mas, acima de tudo, eu amo o jeito com que, pela primeira vez, Violet me consolou ao perceber o quão fragilizada eu estou.
– Você acha que as pessoas vão conseguir enxergar as violetas aqui da Terra? – Pergunto em um tom provocador. – Sabe, são flores bem pequenas. – Aperto os meus olhos em direção à Violet.
– Claro que vão, Saturn! – Ela balança a cabeça rapidamente e, então, apoia as mãos na sua cintura. Ela fala como se fosse a coisa mais óbvia do universo. – Eu vou morrer daqui a muitos e muitos anos. Até lá, o Ocean já vai ter construído um telescópio poderoso o bastante pra todo mundo ver as flores!
A gargalhada que atravessa as minhas cordas vocais faz cócegas em minha garganta. A sensação é incrível e quase nostálgica. Violet está rindo tão alto quanto a mim, e é maravilhoso. É a primeira vez desde que acordei que rio desta forma. Desta forma tão real.
É a primeira vez que a dor desaparece completamente.
– Você acha que existirá oceanos em Saturno, Violet?
– Claro que vai existir. – Ela sorri docemente. Sinto o calor irradiando da sua mão quando ela aperta os meus dedos, delicadamente. Novamente Violet diz silenciosamente "está tudo bem, Saturn." – Ele gosta bastante de você. E eu também.
O meu celular vibra em meu bolso, puxando-me para a realidade. Pela tela inicial vejo que há uma mensagem de Luna dizendo que ela está me esperando no estacionamento do hospital, pronta para me levar ao show do Maroon 5.
– Acho que chegou a hora da gente se despedir, Violet. – Mordo o canto da minha bochecha, tentando inutilmente segurar as lágrimas, que jamais deixaram de descer. Não estou pronta para me despedir dela. Não estou pronta para dar adeus a ninguém. Não estou pronta para ir a lugar algum. E eu acredito que eu jamais estarei pronta para isso.
– Você é a minha melhor amiga, Saturn. – Ela confessa, timidamente. Os seus olhos azuis estão vermelhos. A sua bochecha está vermelha. A ponta do seu nariz está vermelha. Violet sabe que não me verá novamente. – Eu nunca vou me esquecer de você.
– Eu também não vou me esquecer de você, pequena. – Soluço, sem timidez alguma.
– Obrigada por tudo o que você fez por mim. – Violet se levanta e se coloca em pé, pisando sobre a cama fina do hospital. Ela me abraça fortemente e, então, eu posso sentir o meu ombro molhar com as suas lágrimas. – Eu amo você.
– Eu amo você.
– Eu te daria todas as tortas de maçã do mundo! – Ela se afasta de mim e sorri tristemente.
– Eu deixaria de comer torta de maçã por você. – Sussurro, baixinho. Com a ponta dos dedos eu enxugo as lágrimas que estão escorrendo lentamente pelo seu rosto. Há um sentimento de nostalgia neste pequeno e simples gesto, porque inúmeras vezes eu limpei o seu choro. E essa será a última vez.
Antes de sair completamente do seu quarto, viro-me para trás mais uma vez. Observo com atenção o rosto de Violet, tentando cravá-lo em todos os cantos da minha mente. Decoro o tom único de azul que preenche a sua íris. Decoro a localização de cada mínimo pontinho das sardas em sua bochecha. Decoro o contorno de todos os seus traços delicados. Decoro a inocência e a paz que só ela é capaz de transmitir. Decoro todos os seus dentinhos tortos, que deixam o seu sorriso ainda mais lindo.
Ela acena para mim uma última vez.
E o meu coração está em paz em saber que ela ficará bem.
☆☆☆
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