Capítulo 26
Eu me sinto quente novamente, eu renasci novamente
Estou quente por dentro, por um tempinho
Eu estou bem
Nós não estamos vivos
Nós estamos sobrevivendo a cada hora.
(Home – Aurora)
A minha mente está mergulhada em uma escuridão sem fim, revestida de um silêncio gritante. Há a completa ausência de estímulos elétricos em meu cérebro, e é sufocante. Não sou uma pessoa, sou apenas um corpo. Não estou viva, estou apenas sobrevivendo com os batimentos cardíacos e a respiração vital, produzidas mecanicamente.
O sangue caminha lentamente pelas minhas veias, garantindo o funcionamento minimamente essencial do meu corpo. Os músculos em minhas pernas e braços estão sendo atrofiados pouco a pouco devido a sua falta de uso. É torturante.
Sinto que não há vida alguma em mim.
É neste momento que escuto uma voz ao longe. É reconfortante sentir todas as células nervosas trabalharem arduamente para captar qualquer som externo. É reconfortante ouvir algo, mesmo que seja apenas uma mistura de barulhos aleatórios.
O som ecoa em cada neurônio presente em minha cabeça. Mas, por alguma razão, o sentido das palavras é perdido pelo caminho até a região central do meu córtex auditivo. O meu cérebro trabalha incansavelmente para conseguir processá-las, para conseguir devolver o significado daqueles sílabas estranhas.
– E esta é a Saturn Marie Campbell, a paciente de quem falamos mais cedo. Hoje é o seu sétimo dia conosco, é o seu sétimo dia em coma. Sei que a literatura médica atual diz que, a cada dia que passa, há menores possibilidades de retorno do coma, mas a senhorita Campbell parece não ligar muito para as estatísticas.
Há um barulho estranho ecoando em cada canto da minha cabeça. Parecem risadas distantes.
– Saturn apresentava abertura ocular ausente, além de resposta verbal e motora também ausentes. Ou seja, a sua Escala de Coma de Glasgow era de apenas 3 pontos, o que indicava um coma profundo. Mas, durante o horário de visitas no quinto dia, Saturn conseguiu movimentar levemente os seus dedos e apertar a mão de três pessoas, sendo duas delas as suas irmãs. Todas as respostas foram realizadas mediante estímulos sonoros.
Escuto alguns ruídos estranhos, como uma conversa insistente em que você não é capaz de identificar uma sílaba sequer. Há muitas pessoas no 502, e os sons são simplesmente assustadores.
– Ontem fomos informados que a senhorita Campbell chorou, também mediante a estímulos sonoros. Pacientes em coma podem apresentar alguns fluxos de consciência temporário. Lembrem-se disso, pessoal. Geralmente podem chorar ao ouvir algo que ative a memória afetiva, podem mexer os dedos das mãos e até mesmo abrir os olhos. Isso não significa que acordaram, mas evidencia uma grande possibilidade de volta do coma.
Como um antigo e confuso quebra-cabeça, posso ver as peças se encaixando lentamente uma sobre as outras. Como um mágico estalo, o núcleo geniculado medial parece finalmente processar todos os sons externos. Pouco a pouco cada mínimo ruído, cada mínimo barulho estranho, toma forma dentro da região central e periférica do meu córtex auditivo.
Os zumbidos irritantes que chegavam à minha orelha agora recebem um significado único. E, então, posso entender o sentido daquelas palavras aleatórias.
– Ontem, quando viemos avaliar o seu estado de consciência, notamos que, inexplicavelmente, Saturn já era capaz de respirar sozinha, sem a ajuda de aparelhos. Algo inédito. Por isso, optamos por tirá-la da intubação.
Posso sentir uma forte eletricidade percorrer toda a inervação simpática do meu coração, alcançando os seus respectivos receptores adrenérgicos. Como um choque, sinto o meu coração bater fracamente sob o meu peito, e, então, posso jurar ouvir cada batida ecoar em meus ouvidos. É lindo. É reconfortante. No mesmo instante, posso sentir o sangue quente percorrer cada veia e cada capilar em minha cabeça, posso sentir o sangue irrigar cada mísero canto do meu corpo.
Da mesma maneira, as correntes elétricas atravessam todos os centímetros do meu pulmão, causando uma forte broncodilatação. O meu peito se enche de ar, e sinto cada molécula de oxigênio tocar os meus pulmões. É refrescante. É aliviador.
– Hoje eu quero que algum residente entre vocês faça a avaliação diária da senhorita Campbell. Quero ressaltar que Saturn Campbell não é uma paciente qualquer, ela não obedece às estatísticas. Portanto, não utilizaremos somente a Escala de Coma de Glasgow.
– Eu quero fazer a avaliação.
– Ótimo. Queremos verificar o grau de consciência dela. Comece apertando os seus dedos e veja se há alguma resposta. Alguma mínima resposta.
Uma série de células nervosas são ativadas na ponta dos meus dedos. Os sinais elétricos atravessam grossas fibras aferentes até alcançarem a substância branca na minha medula espinal. De lá, as informações coletadas por esses mecanorreceptores ascendem pela minha coluna dorsal em direção ao bulbo. Os neurônios excitados atravessam a linha mediana para chegar ao tálamo, que finalmente conduz esses estímulos ao meu córtex somatossensorial primário.
O meu cérebro processa e decifra todas as informações sensoriais coletadas em questão de milissegundos. Alguém está apertando a minha mão. E é reconfortante.
A leve pressão em meus dedos é capaz de ativar memórias sensoriais espalhadas por toda a minha mente. Ocean. Ocean. Ocean. O nome de Ocean é a única coisa que preenche a minha cabeça naquele momento. Lembro-me que ele segurou a minha mão durante todo o tempo em que estive neste hospital.
– Os batimentos cardíacos dela estão subindo. – Há urgência e surpresa na voz que escuto.
– Interessante. Isso pode indicar que ela está sentindo você.
Posso sentir o meu cerebelo trabalhar incansavelmente para enviar informações aos meus músculos, tentando inutilmente produzir algum movimento, algum mísero movimento em minhas mãos. É frustrante a incapacidade do meu corpo em executar o que planejo. É desesperador me encontrar em uma realidade em que estou completamente paralisada.
Mas, então, sinto um leve choque percorrer o meu braço, até alcançar a ponta dos meus dedos. A sensação é quase sentida como uma vitória. Uma pequena vitória.
– Eu acho que a senhorita Campbell está apertando a minha mão. – Há uma pausa. – É, ela definitivamente está apertando a minha mão! É bem sutil. Então a Saturn, além de sentir os nossos toques, pode responder a eles. Claro, dentro dos seus limites.
Só então eu consigo reparar que, na verdade, a voz que estou escutando é bem mais grossa que a de Ocean. O seu timbre é diferente e é totalmente estranho para mim. E Ocean jamais me chamaria de senhorita Campbell.
Ocean não está no quinhentos e dois.
– A senhorita Campbell soltou a minha mão. – Eu posso jurar que senti uma pontada de decepção ecoar em sua voz. – Parece loucura o que vou dizer agora, doutora, mas, tanto o jeito com que ela apertou quanto o jeito que ela soltou, não me parece ser somente um reflexo. É estranho, mas me pareceu proposital, planejado. – Há outra pausa. – Digo, se fomos analisar os batimentos subindo quando toquei nela, e os batimentos se estabilizando quando ela soltou a minha mão, eu diria que ela está minimamente consciente sobre o que está acontecendo aqui.
– Muito bem observado. É por isso que não devemos nos prender somente ao protocolo da Escala de Coma de Glasgow.
No mesmo momento, como se todas as células nervosas localizadas na superfície da minha pele fossem estimuladas simultaneamente, posso sentir novamente a pressão em volta do meu corpo. É estranho. Há algo apertando o meu dedo indicador esquerdo, causando uma leve ardência. Posso sentir a pulsação das veias em meu pulso. Há acessos em meus braços e em meu peito. É assustador. É sufocante.
Absolutamente sufocante.
– A nossa paciente, Saturn Campbell, chegou ao hospital, sete dias atrás, apresentando pressão baixa, dificuldade respiratória, febre seguida de diminuição anormal da temperatura corporal e uma leve confusão mental. Horas mais tarde ela entrou em coma. Alguma ideia do diagnóstico?
– Algo relacionado à quimioterapia? – Perguntou uma segunda voz.
– Algum avanço da leucemia que ela tinha? Metástase, talvez? – Foi a vez da voz grossa adivinhar.
– Acho que poderia ser uma infecção generalizada já que o sistema imunológico dela estava comprometido pela doença e pelo tratamento.
– Exatamente, ela estava tendo um quadro de infecção generalizada. Ou Sepse. Os seus vasos sanguíneos estavam dilatados para combater a infecção, o que causou a queda da pressão. A diminuição da oxigenação nos seus órgãos aumentou a sua frequência respiratória, causando a falta de ar que ela estava sentindo. Com a queda da oferta de sangue e oxigênio nos seus músculos, o seu sangue acidificou, causando um ciclo vicioso que agravou os sintomas. Todos entenderam?
– Sim.
– Ótimo. Como dito por uma das residentes, todo o seu sistema imunológico estava seriamente comprometido pela leucemia. E o seu corpo não conseguia reverter o quadro da infecção. Porém, em pouco tempo, os seus órgãos poderiam ter uma parada múltipla, o que a levaria à óbito. Então, como mecanismo de defesa do próprio corpo, Saturn Campbell entrou em coma. Assim, o seu organismo teria energia o suficiente para combater a infecção.
Há alguns sussurros que não sou capaz de escutar com atenção.
– O nosso erro como equipe médica foi pensar que a senhorita Campbell estava com um tumor cerebral, que também pode levar o paciente ao coma. Porém, analisando os exames que fizemos após a sua internação, percebemos que se tratava de Sepse. No segundo dia, entramos com o remédio necessário: noradrenalina para elevar sua pressão arterial. Desde então, ela tem apresentado uma relativa melhora. Vocês serão futuros médicos e doutores, não cometam o mesmo erro que nós. Nós quase a perdemos por um descuido mínimo.
Novamente, o cerebelo envia milhões e milhões de comando aos meus músculos. E, novamente, eles ignoram veementemente os comandos recebidos. É decepcionante. Mas, surpreendentemente, posso sentir a corrente elétrica atravessar cada pequeno milímetro do nervo oculomotor. É eletrizante. Os músculos levantadores da pálpebra superior finalmente recebem as informações, distribuindo as cargas elétricas entre todas as suas células.
Após sete longos e dolorosos dias, as minhas pálpebras se movem para cima.
– Veja, ela abriu os olhos! – Alguém diz com espanto.
Há uma infinita quantidade de imagens desconexas atingindo os fotorreceptores presentes em minha retina. As luzes que atravessam a minha retina são dolorosas demais. O meu nervo óptico arde enquanto tenta transportar rapidamente todas aquelas informações ao tálamo. A partir dele, as imagens captadas se dirigem ao meu córtex visual primário, localizado no lobo occipital. Sinto dificuldade em processar tudo o que estou vendo.
Pisco demoradamente. Os meus olhos sentem um grande incomodo com todas aquelas fortes luzes. Afinal, passei sete dias presa na completa escuridão. A minha cabeça lateja por um segundo. É dolorido.
Alguém se aproxima, sorrateiramente. Mal sou capaz de perceber a pequena lanterna que a pessoa carrega na palma das suas mãos. E, logo em seguida, uma luz branca é direcionada aos meus olhos. Quero gritar de dor. Quero gritar com a pessoa.
– Há reatividade pupilar nos dois olhos. Impressionante.
Fecho os meus olhos com força, o que exige uma grande quantidade de esforço da minha parte. É difícil.
Os músculos em meu pescoço estão demasiadamente rígidos, assim como o restante do meu corpo. Mas, após muita insistência do meu cerebelo, que ainda trabalha arduamente, consigo virar o meu rosto na direção contrária. No mesmo instante, ergo o meu braço para afastar a mão do homem ao meu lado.
A execução do movimento é parcialmente falha.
Não há força alguma em mim. Os meus músculos estão fracos, estão duros, estão desgastados e corroídos pelo tempo que permaneci imóvel sobre esta cama do hospital. Cada mínimo movimento é agonizante demais. Sinto-me impotente.
– Saía daí. – A voz é firme, autoritária. – A senhorita Campbell pode estar tendo outro fluxo de consciência. Quando o paciente apresentar esses fluxos, é fundamental estimulá-lo. Mas não de um jeito que o deixe estressado ou sobrecarregado, porque isso pode desencadear uma resposta neural negativa. – Uma mulher de meia idade agora se aproxima da minha cama. – Oi, Saturn. Aqui é Ellie, a sua médica.
O seu cabelo é castanho. E ela usa óculos. Isso é tudo o que consigo enxergar no momento. Pisco algumas vezes, ainda tentando me acostumar com a claridade do ambiente.
– Você sabe onde você está?
No quarto quinhentos e dois de algum hospital. Provavelmente o meu hospital. Meu e de Violet. Quero dizer à Ellie que sei exatamente onde estou, mas, por alguma razão desconhecida, não consigo mexer a minha boca. É assustador.
– Você consegue me dizer o seu nome?
Quando finalmente consigo abrir os meus lábios, o som não sai. É frustrante. O simples movimento do ar atravessando a minha laringe causa uma dor cortante, como se houvesse pequenas e profundas facas ali. As minhas cordas vocais tremulam com a ardência e a dor excruciante que sinto.
– Turner, dê água para a senhorita Campbell. – Ordena Ellie.
O mesmo garoto da lanterna se aproxima do outro lado. Sinto o meu peito se encher de ar rapidamente. Estou assustada e confusa com tudo o que está acontecendo. Quem é ele? Quem são essas pessoas no fundo do quarto olhando diretamente para mim?
Sinto algo encostar entre os meus lábios fechados e, então, mexo novamente a cabeça para o lado, desviando do que quer que fosse aquilo. Eu não quero nada. Mas, para a minha preciosa sorte, o tal Turner é insistente.
O líquido morno rasga a minha garganta, assim como o ar que a atravessa. Posso sentir as minhas células agradecendo a água recebida, mas a ardência fala mais alto. Engasgo com a bebida entalada em minha boca e, então, posso senti-la escorrer pelo meu rosto e pescoço. Apenas assim o homem se afasta de mim.
– Você lembra qual é o seu nome? – Ellie insiste.
Eu me lembro de cada mínima visita. Eu me lembro de cada mínima palavra dirigida a mim nesses últimos dias. Eu me lembro. Então porque Ellie está me perguntando se eu sei o meu nome? Ora, é óbvio que eu sei.
Fecho os meus olhos, cansada de todos aqueles estímulos martelando a minha mente ao mesmo tempo. Eu estou exausta. Eu quero poder dormir de novo, quero poder descansar novamente. Quero repousar sobre a cama do hospital, como fiz durante os sete últimos dias. Estar acordada faz cada célula em meu corpo gritar de dor. Não é justo.
Quero poder ouvir a voz de Ocean ecoar dentro de mim, puxando-me para a realidade. Quero me perder em meios as nossas lembranças, quero poder não sentir mais dor. Quero descansar ao som da sua doce voz em meus ouvidos.
Quero ouvir novamente as visitas das minhas irmãs. Quero ouvir Summer contando que venceu mais uma corrida, que ela conquistou a bolsa de estudos na faculdade dos seus sonhos. Quero ouvir Luna contar sobre o menino que ela gosta, e, logo em seguida, Summer murmurar que não aguenta mais ouvir ela apaixonada.
Quero me distrair com as histórias divertidas de Violet. Quero saber como estão as suas colegas de quarto, quero saber como Abby voltou para casa, quero saber sobre os avanços do seu tratamento. Quero ouvir as suas gargalhadas e os seus milhões de segredos outra vez.
Como um rápido flash de imagens rodando a minha mente, lembro-me de Violet. Eu não escuto a sua voz desde o quinto dia. Ela não me visita desde o quinto dia.
– Violet? – Os tensos músculos em meu rosto se mexem, finalmente. Mas nenhum som é capaz de escapar dos meus lábios. Meu Deus, as minhas cordas vocais estão ardendo. É horrível.
– Ela está falando? – A pergunta soa como uma afirmação.
– Doutora! Será que ela acordou mesmo?
– Violet? – Insisto em chamá-la, mesmo que o som falhe em minha boca. A minha esperança é que alguém diga onde ela está. A minha esperança é ouvir alguém dizer que a minha garotinha está bem, que o seu tratamento está indo bem.
– Acredito que ela esteja chamando pela paciente do duzentos e oito. Elas costumavam ser bem próximas. As enfermeiras disseram que a menina sempre fugia do quarto para vir deitar ao seu lado. – Ellie faz uma breve pausa para pensar. – Isso pode indicar a possibilidade da senhorita Campbell se lembrar das visitas dela, mesmo que em coma.
Meus Deus. Não era óbvio?
– Então ela está apenas tendo respostas emocionais? – O garoto da lanterna parece decepcionado.
No fundo do quarto 502, os residentes me observam com atenção e curiosidade, como se eu fosse apenas um caso clínico interessante, como se eu fosse um mero entretenimento, como se eu fosse uma paciente incomum, digna de ser estudada e analisada por eles.
Percebo que todos estão desesperados para fazer as suas apostas sobre o que está acontecendo comigo só para impressionar Ellie, a tutora deles. Ninguém ali de fato se importa comigo. E ninguém ali significa algo para mim, de fato.
Nesse momento, tudo o que eu mais almejo é receber a atenção das pessoas certas, que sempre estiveram ao meu lado. Tudo o que eu desejo é a presença das minhas irmãs aqui.
– Luna? – Chamo-a, na esperança dela abrir a porta e correr ao meu encontro. Pela primeira vez em sete dias, posso ouvir a minha voz ecoar em meus ouvidos. A dor causada por simplesmente falar é excruciante, mas eu preciso tentar. – Summer? – Os meus olhos começam a lacrimejar ao me dar conta de que elas não virão.
– Isso não é um simples fluxo de consciência. – Ellie murmura. Ela parece não acreditar no fato de conseguir me ouvir falar. – Ela está acordando.
Eu preciso do abraço e das risadas das minhas irmãs. Eu preciso urgentemente da minha família. Mas nenhum deles está aqui. E, então, eu me sinto sozinha numa sala rodeada de pessoas. Eu estou sozinha. E é absolutamente amedrontador.
– Os batimentos dela estão subindo. – Um garoto aponta para a máquina ao meu lado.
Como num rápido e curto segundo, o ar torna-se escasso em meu peito. Posso sentir o meu cerebelo enviar trilhões de mensagens ao meu pulmão, e de ser completamente ignorado por ele. E, de repente, eu não consigo respirar, não consigo encher os meus pulmões com o oxigênio que saí do acesso preso em meu nariz. Por isso decido tirá-lo de mim. Eu preciso de ar. Preciso sair dali.
– Ei, ei! Calma, Saturn. – Posso ouvir a voz abafada de Ellie ao lado do meu ouvido. E não, ela não consegue me acalmar. – Você está assustada, isso é normal, você acabou de acordar. Mas você está bem, está segura.
Eu quero gritar. Quero gritar que não estou bem. Quero gritar que estou sentindo dor em cada célula do meu corpo, e é sufocante. Quero gritar para expulsar todas essas pessoas do quarto. Quero gritar que estou com medo. Muito medo.
Eu preciso sentir os braços acolhedores de Ocean ao redor do meu corpo. Eu preciso ouvi-lo dizer que tudo ficará bem, assim como ele dizia durante o horário de visitas. Eu preciso que ele me conte alguma coisa, qualquer coisa sobre o universo. Eu preciso me sentir segura ao lado do meu garoto astrônomo.
Por que Ocean não está aqui? Por que as minhas irmãs não estão aqui? Por que Violet não está aqui?
– Batimentos em 130!
Estou assustada. Estou completamente assustada.
As lágrimas quentes escorrem pelo meu rosto, o que não me faz enxergar com clareza. Eu só preciso tirar todos esses acessos que estão em meu braço e em minha mão. Eu só preciso me desligar de todos os aparelhos. Eu só preciso encontrar Ocean, minha família e Violet.
Alguém segura a minha mão com força, impedindo qualquer tentativa frustrada de retirar as agulhas que estão em mim. Sinto-me impotente. Sinto-me mais presa do que estive nos últimos dias. O grito agonizante preso dentro de mim rasga-me com violência ao ser finalmente liberto, cortando o ar a minha volta.
– Não! Não! Não! – É tudo o que eu repito, centenas e milhares de vezes, em alto e bom som. Eu preciso sair daqui, preciso sair desta cela que eles insistem em chamar de quarto 502. Eu preciso ver a minha família.
O gosto salgado das lágrimas que caem pelo meu rosto sufocam-me como se eu estivesse, pouco a pouco, afundando-me em um oceano de emoções confusas e dolorosas. Não há ninguém aqui. Meu Deus, eu estou sozinha e estou com tanto medo.
Sinto alguém pressionar fortemente o meu peito com o peso do seu próprio corpo contra o meu. É difícil respirar. É difícil. O ar não consegue chegar ao meu pulmão. É sufocante. É extremamente sufocante. Eu inútil e fracamente me debato sobre a cama e sob a pessoa que me prende nela. Eles não veem que eu não estou bem?
Eu preciso sair daqui, eu preciso de ar. Essas pessoas não entendem?
– Batimentos em 135!
– Ocean! – Grito com o último suspiro guardado em meu peito. Sinto o gosto de sangue descendo pela minha garganta, lentamente. Dói. Arde. Lateja. – Ocean... – Suplico ao mesmo tempo em que eu soluço entre as lágrimas.
Meu Deus, o meu corpo dói. O meu corpo está fraco.
– O grande fluxo de informações desencadeou uma liberação de adrenalina pelo seu corpo. – Pelo canto dos olhos vejo Ellie apertar o botão de emergência, chamando os outros profissionais do hospital. – Por isso iremos administrar um calmante em sua corrente sanguínea. Saturn precisa descansar.
Sinto uma pequena pontada no músculo do meu braço. Segundos depois, os meus olhos pesam, o meu pulmão pesa. Meu corpo inteiro pesa sobre mim mesma e sobre a cama. Eu estou fraca e estou cansada. A dor excruciante que está espalhada em cada célula do meu corpo aos poucos me esvazia. E eu mentalmente agradeço por isso.
Ao virar a minha cabeça para o lado, posso ver a janela que dá para o vazio e solitário corredor do hospital. Tento manter os meus olhos abertos por mais alguns segundos, e é neste exato momento que vejo Ocean. Ele parece estar confuso e surpreso em me ver acordada, e, por isso, derruba os livros que estão em seus braços. Não demora até que ele movimente os lábios. Sei que ele está gritando, mas os sons estão confusos em minha mente.
– Saturn! Saturn! – Não sei se ele realmente está chamando o meu nome ou se é a minha mente projetando e inventando as suas palavras.
Ocean bate contra a janela e, pelo reflexo, posso ver que o vidro vibra com o impacto. Ele parece desesperado. Parece nervoso, com medo. Ah, eu também estou com medo, Ocean. Algumas pessoas que estão no quarto olham em sua direção, e um enfermeiro que está no corredor segura o seu braço, não o deixando entrar no 502.
– Ocean. – Sussurro como um suspiro. É aliviador vê-lo.
– Soltem ela! – É a última coisa que consigo ouvir, mesmo que ao longe.
Lentamente fecho os meus olhos, entregando-me aos confortantes efeitos do calmante. Mas a imagem de Ocean com a cabeça apoiada sobre o pequeno vidro que nos separa fica gravada em minha mente.
☆☆☆
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