Capítulo 2
Um trovão e relâmpago explodiu e encheu o céu.
Olhando a partir desta janela,
Mil rios que correm pela minha porta
Permanente em uma ilha, procurando por alguém.
(Rain is Falling – Electric Light Orchestra)
Adentro o quarto 502 pelo segundo dia. Ao abrir a porta por completo, vejo Luna ao lado da cama de Saturn. Ela, então, se vira para trás e olha fixamente para mim.
É fácil perceber que Luna é a irmã mais nova de Saturn. O seu nariz delicado é como o dela. As suas bochechas são mais volumosas, mas o jeito como a maçã do rosto se destaca é idêntico. Os seus lábios parecem desenhados, assim como os de Saturn. Acredito que a maior diferença que existe entre elas são os olhos. Os olhos castanho-escuro de Luna possuem traços asiáticos, mais precisamente coreano. Já Saturn, possui olhos grandes e verdes.
– Oi, Ocean. – Luna acena, brevemente.
– Oi, Luna. – Tomo a liberdade de me aproximar da cama, ficando ao seu lado. Observo o corpo de Saturn e, então, volto a minha atenção à Luna. – Como Saturn está? Os médicos já sabem exatamente o que aconteceu com ela?
Vejo-a respirar profundamente, o seu semblante continua imóvel, desesperançoso. Não há brilho algum em seus olhos, não há esperança alguma neles. Céus, as notícias não são boas. Noto, pelo canto dos olhos, que ela está segurando fortemente a mão de Saturn.
– Os médicos acham que pode ser um tumor cerebral... – Ela começa a dizer. – Mas ainda não sabemos ao certo o que causou isso. – Luna olha para o corpo da irmã repousando sobre a cama do hospital. Ela balança a cabeça para os lados, em completa e absoluta negação. – Estamos esperando os resultados dos exames que Saturn fez ontem.
É a minha vez de olhar para Saturn. O seu rosto está pálido, sem vida. A sua boca está seca. Em seu nariz há um pequeno tubo que libera o oxigênio necessário aos seus pulmões, coisa que não havia ontem.
Saturn está respirando com ajuda de aparelhos.
Saturn está sobrevivendo com a ajuda de aparelhos.
– Eu estou com tanto medo, Ocean. Tanto medo. – Ela ergue o seu rosto para mim. É possível ver que os seus olhos estão marejados. – Ontem, quando chegamos no hospital, eu segurei a mão dela. Ela já estava inconsciente quando chegou aqui, mas eu juro que senti ela apertar minha mão de volta. Eu juro, Ocean. – As lágrimas caem pelo seu rosto. – Mas hoje ela não segurou de volta. – Luna soluça. – Ela não... Ela não segurou. Em momento algum.
Envolvo Luna entre os meus braços. Respiro fundo.
– E se... e se o coma estiver ficando mais profundo? – Ela soluça sobre a minha camiseta. – E se Saturn nunca mais acordar?
Fecho os meus olhos com força ao senti-los arder com as lágrimas que ameaçam cair. Eu não quero sentir o mesmo que Luna, não quero entender a dor que ela está passando. Mas eu sinto e eu entendo. Eu sinto o medo me corroer por completo a cada segundo que passo sem ter notícias de Saturn. Eu entendo a dor de vê-la deitada nesta cama do hospital.
Mas não posso deixar isso transparecer à Luna. Não posso deixar que ela perca as esperanças. Porque eu sei que Saturn jamais deixaria qualquer mínimo traço de esperança desaparecer.
– Ei. – Afasto-me dela. – Saturn ficará bem. – Tento sorrir, sem sucesso algum. – Ela ficará bem.
E eu juro que eu quero acreditar em minhas próprias palavras.
– Lua. – Ouvi alguém dizer. Ao olhar em direção a porta, vejo Summer, a irmã gêmea de Luna. – Oi, Ocean. – Ela ergue a mão para o alto, cumprimentando-me. – Lua, mamãe está nos esperando no carro.
– Certo. – Luna balança a cabeça em concordância. – Estou indo. – Em questão de segundos ela enxuga as suas próprias lágrimas com a palma da sua mão. – Obrigada, Ocean. – É a última coisa que ela diz antes de deixar o quarto 502.
– Ei. – Summer me chama mais uma vez. – Amanhã eu tenho uma corrida importante. Saturn prometeu ir, mas... – Ela respira profundamente, analisando o corpo da irmã repousado sobre a cama. – Seria legal se você fosse. De alguma eu vou sentir que ela... que ela está lá, entende? Sei que se ela iria com você caso estivesse... – Summer abaixa os seus olhos.
– Eu vou adorar ir.
– Obrigada. – Ela sorri.
Em seguida, Summer se despede de mim, deixando-me sozinho no quarto, ao lado de sua irmã mais velha.
Observo o seu corpo e todos os fios conectados a ele. As palavras de Luna ecoam vividamente em minha cabeça. E se ela estiver certa? E se o coma estiver ficando mais profundo? E se Saturn nunca mais voltar dele? E se eu nunca mais ouvir a sua voz? Ou nunca mais sentir os seus dedos acariciando os meus cabelos? E se os médicos nunca descobrirem o que causou isso a ela?
Balanço a cabeça, em completa negação. Eu não... eu não posso deixar esses pensamentos me consumirem lentamente, não posso me permitir me machucar desta forma. Não posso me entregar a esse sentimento de desesperança.
Decido, então, contar-lhe mais um pedaço da nossa história. Porque isso é a única coisa que distraí a minha mente da realidade. E é a única coisa que faz manter viva a ínfima esperança que ainda há dentro de mim.
– Saturn, você se lembra de quando nos vimos pela segunda vez? Eu estava voltando para a faculdade naquela noite.
Lembro de abraçar fortemente os livros e o caderno contra o meu peito enquanto me perguntava constantemente como eu achei que seria uma boa ideia sair da universidade sem a maldita mochila. As minhas costas estavam apoiadas contra a parede de uma casa qualquer, buscando a pequena cobertura que me protegia da grossa chuva que caia.
A cobertura acima da minha cabeça era pequena e eu estava sobre as pontas dos pés, fracassando miseravelmente em tentar permanecer seco. A chuva me atingia em cheio e eu já não sabia mais para onde ir. A faculdade ficava a 10 minutos de distância, e as lojas e cafeterias do bairro, pelo horário, já estavam fechadas. Naquela altura, era apenas eu, meus livros e o meu caderno de anotações molhado em busca de algum abrigo.
A iluminação da rua estava fraca, fazendo com que a escuridão da noite se sobrepusesse, e os respingos de água batiam contra o meu óculos. Eu já não enxergava com clareza, e isso me deixava nervoso.
A minha respiração fazia o meu peito subir e descer cada vez mais rápido. Mas, a cada segundo que se passava, a cada gota de chuva que pingava em mim, eu sentia cada vez menos ar entrando em meus pulmões.
O primeiro raio caiu ao longe, no horizonte. O quarteirão foi iluminado por um clarão que durou uma curta fração de segundo, tempo suficiente para eu ver a silhueta de alguém no fim da rua, a poucos metros de mim. E esse alguém era você, Saturn.
"Garoto astrônomo!" Você gritava sobre o alto barulho da chuva. Lembro de apertar os meus olhos, tentando enxergá-la, mas a única coisa que vi com certa clareza foi a luz da casa acessa e a porta da frente aberta. "Pode vir aqui!" A sombra balançava os braços acima da cabeça.
Eu ri, balançando a cabeça para os lados. Eu me lembrava de você, obviamente, lembrava que você era a senhorita "temos sim uma razão para existir, afinal, o universo claramente se importa comigo", mas parecia ironia do destino ter justamente você ali, oferecendo um abrigo em meio a chuva.
Estendi a cabeça para frente, sentindo os pingos de água baterem contra o meu cabelo. Lembro de respirar profundamente. Por mais relutante que eu estivesse, num ato de puro impulso, corri em direção à única casa da rua que estava com a porta aberta para mim.
Lembro do desespero que senti naquele momento. As folhas soltas em meu caderno ameaçavam voar a cada passo que eu dava, e eu as agarrava com toda a força que eu tinha. Os livros, já molhados, ameaçavam escorregar entre os meus braços. As minhas roupas, também molhadas, deixavam o meu corpo ainda mais pesado.
Lembro de ser obrigado a respirar cada vez mais forte.
"Oi, garoto astrônomo." Você me cumprimentou assim que eu entrei na casa. A sala principal era revestida de madeira escura, e havia um tapete beje em frente à lareira. "Eu também molhei um papel que eu tinha no bolso de trás. Ela está ali, secando." Você apontou para a folha de caderno em cima da mesa. "Posso colocar os seus livros no mesmo lugar, se quiser."
Lembro de ficar imóvel, tentando me concentrar na minha respiração falha. Oh, o ar parecia tão escasso.
"Eu vou colocar as suas coisas ali, tudo bem?" Você pegou os livros e o caderno dos meus braços, que ainda estavam sendo abraçados fortemente contra o meu peito. "A chuva te pegou de jeito, hein. Mas acho que o estrago não tão foi grande. Logo as folhas estarão secas, você vai ver."
Eu podia sentir a minha garganta se fechar pouco a pouco, bloqueando qualquer tentativa de fazer o ar retornar aos meus pulmões. E, Saturn, aquela é uma das sensações mais assustadoras das quais já experimentei. Eu estava lentamente me sufocando em plena terra firme. Eu estava lentamente me afogando, mesmo rodeado de oxigênio.
"Você está bem, Ocean? Parece um pouco..." Antes mesmo de você completar a frase, eu caí no chão, completamente imóvel e indefeso. Eu abria a minha boca, mas era incapaz de sentir o ar entrando em meus pulmões, e aquilo era completamente assustador, desesperador. "Ocean? Meu Deus." Você se ajoelhou bem a minha frente. De alguma maneira, a sua voz parecia um eco distante em minha mente. Você não parecia real, Saturn. "Você já... você já teve uma crise de asma antes? Meu Deus, você tem alguma bombinha?"
Lembro que os meus olhos estavam abertos com o medo que me corroía por dentro. E eu não conseguia responder a nenhuma das suas inúmeras perguntas.
"Certo. O neto da senhora Watson também tem asma." Ouvi você dizer. "Eu lembro de ver uma bombinha por aqui... eu lembro." Você se levantou, deixando-me sozinho no chão. "Onde está? Onde está? Onde ela está?" Ao longe eu ouvia o som de gavetas batendo com força, era você a procura do medicamento. "Achei! Ocean, eu achei. Aqui está." Você voltou a se ajoelhar na minha frente.
Lembro de ver a bombinha azul em suas mãos. Com o desespero palpável que eu sentia naquele momento, eu a peguei de você e a coloquei em minha boca, sem mais delongas. Fechei os meus olhos, um pouco mais aliviado.
"Agora tenta respirar comigo." Você apoiou as suas mãos sobre a minha perna. "Assim." O seu peito subia e descia lentamente, de acordo com a sua respiração. Eu tentava acompanhá-la, mas estava afobado demais para isso. "Você está indo bem. Está indo bem. Só vamos tentar ir um pouco mais devagar, certo?"
Levei novamente a bombinha à minha boca. Eu já podia respirar mais tranquilamente, diferentemente de minutos atrás. Lembro de fechar os meus olhos pela segunda vez, agradecido por finalmente conseguir sentir o ar entrando e saindo dos meus pulmões.
"Você está bem?" Senti os seus dedos em meu braço esquerdo. Você parecia genuinamente preocupada comigo, Saturn. Você mal me conhecia, mas estava preocupada comigo? "Está bem?" Você voltou a perguntar, olhando para o meu rosto.
Balancei a minha cabeça, positivamente. Sim, eu estava ficando bem.
★
Lembro que eu estava sentado sobre um confortável sofá de couro. Você havia envolvido o meu corpo numa manta quente ao ver que eu tremia com a água fria da chuva que me cobria dos pés à cabeça. Eu olhava a tempestade cair no horizonte pela janela da sala, e você estava preparando um chá na cozinha.
No momento em que um raio iluminou o céu, lembrei-me da minha irmãzinha. Os meus pais moravam a apenas trinta minutos da faculdade, então provavelmente estava chovendo por lá também.
Peguei o celular que estava em meu bolso e procurei pelo número da nova babá. Apertei o microfone que havia ali e comecei a dizer: "Aqui é o Ocean, irmão da Serena. Estou mandando uma mensagem para dizer que Sea costuma ficar muito assustada com as chuvas fortes. Ela se sente mais segura com uma lanterna por perto porque acha que a qualquer momento pode acabar a luz do apartamento. E a lanterna está na primeira gaveta da escrivaninha do meu pai." Soltei o botão e enviei a mensagem. "Ah, e diga para ela se lembrar do que eu lhe falei sobre os raios. Talvez ela fique um pouco mais calma." Complementei em um segundo áudio.
"Ocean." Escutei o seu sussurro me chamar. Virei-me para trás e vi uma xícara rosa em suas mãos. Peguei-a entre os meus dedos, agradecendo mentalmente ao calor que me era transmitido através do líquido fervente. Bebi um pequeno gole do chá. Eu ainda posso me lembrar, com perfeição, do gosto de maçã com canela em minha boca. Você se sentou em outro sofá, bebendo do mesmo chá em uma caneca parecida.
Olhei ao meu redor, observando atentamente cada mínimo detalhe daquela sala antiga e escura. Havia muitos vasos de plantas espalhados pelo cômodo que contrastavam com as decorações de madeira antiga e empoeirada. Aquela casa parecia velha.
Observei o sofá de couro marrom em que eu estava sentado e notei que as minhas roupas ainda estavam molhadas pela chuva. O cobertor que envolvia o meu ombro também estava úmido, fazendo com que eu finalmente me perguntasse: de quem era aquela casa, afinal? E por que você não parecia se incomodar com o fato de que eu estava encharcando o sofá ou a manta?
"Você mora aqui?" Arrisquei perguntar, mesmo sabendo que você definitivamente não morava ali. Quer dizer, minutos atrás você estava divagando sobre o neto da senhora Watson. Mas quem raio é a senhora Watson? A dona da casa? Onde estava a tal da senhora Watson?
"Não." Você respondeu simplesmente. E, ah! A sua despreocupação sempre me preocupou, Saturn.
Lembro de afastar o cobertor do meu corpo e de me levantar num pulo. Ora, eu estava molhando a casa de alguém que eu ao menos conhecia. "Ei, pode ficar tranquilo. Pode se sentar, garoto astrônomo." Você riu, mas eu continuei sério. "A senhora Watson viajou para a casa de um dos seus filhos nos Estados Unidos e me pediu para molhar as plantas e dar comida ao pássaro dela enquanto estivesse fora. Ela realmente não vai se importar se você molhar um pouco um dos cobertores dela. Eu lavo depois."
Respirei fundo, olhando mais uma vez para o cômodo em que estávamos. Eu não me sentia confortável com o fato de a dona da casa não saber que eu estava ali. Aliás, eu sentia que estava invadindo a propriedade da senhora Watson, seja lá quem fosse ela. Encarei a chuva que caía do lado de fora. Mais um raio caiu no horizonte. "Eu lavo." Suspirei frustrado ao sentar-me de volta no sofá.
"Entendido." Você fingiu prestar continência para mim e sorriu ao voltar a beber do chá.
Lembro de concentrar toda a minha atenção na paisagem que revestia a janela. Os pingos de água batiam com força contra o vidro da sala, e os relâmpagos pareciam cair tão perto de onde estávamos que a sua luz iluminava o pequeno cômodo.
"Você estava conversando com a sua irmã pelo celular?" Sua pergunta cortou o silêncio que havia entre nós. "Ouvi você no telefone." Você sorriu tímida e apontou para o aparelho que estava ao meu lado, no braço do sofá.
"Com a babá dela." Respondi simplesmente. Levei o copo à minha boca e bebi, mais uma vez, o chá de maçã com canela que você havia preparado para mim.
Você balançou a cabeça, parecendo entender. "E quantos anos ela tem? Ela é muito pequena?" Você insistia em querer desenvolver uma conversa.
"Ela tem 10 anos, não é tão pequena." Segurei a xícara com as minhas duas mãos e observei o vapor que saía dela. "Mas ainda tem medo de tempestade, principalmente do barulho dos trovões. Sempre que chove ela procura por uma lanterna para se caso a luz acabar." Ri, sozinho, lembrando-me de todas as vezes que Sea me ligou a procura da bendita lanterna. "O que é engraçado já que moramos em um condomínio com gerador."
"E o que você falou sobre os raios?" Inclinei a minha cabeça para o lado com a sua pergunta. "Eu ouvi você dizer para ela se lembrar do que você falou sobre os raios. E eu só..." Lembro de vê-la morder o canto da sua bochecha. "Eu só fiquei um pouco curiosa."
"Ah..." Inclinei o meu ombro. "Eu só tentei explicar para ela como os raios aconteciam. O que não deu muito certo." Ri. "Então eu simplesmente falei que o raio é uma descarga de energia que só atinge as árvores e a praia, e como ela está dentro de casa, está totalmente segura."
Você sorriu por detrás da caneca rosa. "E isso foi o bastante para acalmar ela?" Balancei a cabeça para os lados, respondendo nem que sim e nem que não. Você olhou para a janela a tempo de ver o clarão de mais um raio. "Qual é a real explicação do raio? Eu sei que aprendemos em algum momento da escola o básico, mas você é o astrônomo da sala. Você obviamente deve saber mais do que eu sobre isso."
"Bom..." Foi inevitável não sorrir naquele momento, Saturn. Quer dizer, você estava pedindo para que eu falasse sobre um assunto que eu claramente gostava. Sobre um assunto da minha área de estudo. E sobre um assunto que as pessoas ao meu redor estavam cansadas de ouvir de mim, porque eu sempre me empolgava e falava mais do que deveria.
E você é a única que sempre me ouviu com atenção.
"Em tempestades como essa..." Ajustei o óculos em meu rosto enquanto você olhava para a janela. "Há a formação da Cumulonimbus, que é uma grande nuvem. Digo, grande em altura. E dentro da própria nuvem é criado uma polarização de cargas." Coloquei a minha xícara de chá sobre a mesinha a minha frente, ao lado dos meus livros e folhas de estudo que estavam secando.
"Certo." Você levou a caneca à boca.
Separei as minhas mãos e voltei a dizer: "Geralmente, em cima da nuvem é criado o polo positivo, em que há uma 'deficiência' de elétrons." Balancei a mão direita acima da minha cabeça. "E na parte inferior há o polo negativo, com excesso de elétrons." Balancei a mão esquerda, na altura do meu estômago. "Nisso, a nuvem está eletricamente carregada."
"Entendi." Você balançou a cabeça.
"Através do fenômeno de indução, a Terra também se polariza. Os lugares mais altos, como o solo, as árvores e os para-raios ficam carregados positivamente. Com isso, é criado um campo elétrico entre as nuvens e a Terra." Ajustei o óculos em meu rosto e respirei fundo antes de continuar: "Chega uma hora em que essa diferença de potencial fica tão grande que a resistência do ar é rompida. Então, os elétrons da parte inferior da nuvem se movem para a Terra através de um caminho chamado Líder Escalonado. Esse encontro de cargas fecha um circuito elétrico e então nós temos o..."
"Raio." Você completou. Lembro de vê-la olhar para a janela, onde a chuva caia sem descanso. "Líder Escalonado. Nunca ouvi esse nome antes." Você sussurrou. "Certo, devo admitir que é muito mais interessante do que eu me lembrava."
Lembro de sorrir para mim mesmo. Peguei a xícara que estava sobre a mesa e bebi o resto do meu chá.
"E o trovão?" Você perguntou de repente.
"O raio provoca um superaquecimento do ar." Coloquei a xícara, agora vazia, de volta na mesa. "E pela lei geral dos gases ideias, o ar aquecido sofre uma expansão... essa expansão faz o ar ao redor vibrar."
"E essa vibração do ar é o som que nós escutamos." Você completou, surpresa. Lembro que logo em seguida você voltou a olhar para a janela, esperando a aparição de um raio seguido de trovão. A sala foi preenchida com o som da água que escorria do lado de fora. "Nós discutimos sobre os raios em uma aula do meu curso. Quer dizer, não foi algo tão aprofundado como você acabou de explicar..." Você voltou a olhar para mim. "Mas falamos sobre a importância dos raios para as plantas."
"Para as plantas?" Repeti, incrédulo. Abracei o cobertor que estava sobre os meus ombros e me encolhi dentro dele. Eu estava tão confortável, Saturn. "Como assim?"
"As plantas não conseguem assimilar o nitrogênio presente na atmosfera, mas conseguem absorver o nitrato." Você cruzou as pernas sobre o sofá e se inclinou para frente, claramente empolgada. "E o raio dá a energia necessária para o nitrogênio reagir com o oxigênio, formando o nitrato. Dessa forma, ele é dissolvido na água da chuva, que cai sobre as plantas. E bom, o nitrogênio é essencial para a construção das proteínas e das enzimas delas." Você sorriu ao olhar para as gotas de chuva que escorriam pelo vidro. "Não é maravilhoso a complexidade e a harmonia da Terra?"
A sua explicação foi interessante, Saturn, devo admitir. Jamais imaginaria que o raio era benéfico para o crescimento das plantas. Mas a sua última frase foi o que me fez ter vontade de revirar os olhos lentamente. "É maravilhoso a complexidade e harmonia da Terra"?
Além de acreditar fielmente que o universo realmente tem um plano maior para você, porque ele claramente necessita da sua existência, você me contava com um certo brilho no olhar sobre a harmonia e a complexidade da Terra – tal qual uma garota misticazinha. Mas, ao mesmo tempo, você parecia ser só mais uma jovem irresponsável que se descontrolava perto do álcool – porque foi dessa forma que eu a conheci na festa da universidade.
O que me levou a uma pergunta muito interessante: quem é, de fato, a Saturn Campbell?
Balancei a cabeça para os lados, afastando o pensamento. Talvez você não fosse tão interessante ao ponto de merecer a minha atenção daquela forma. "Eu acho que deveria ter falado para a minha irmã que os raios fazem bem para as plantas." Murmurei.
Lembro de ouvir você gargalhar.
★★★
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