Capítulo 11
Caramba, você é tão linda
E você não sabe disso?
Você não? Você não?
Eu acho que você sabe.
(Ur So Beautiful – Grace VanderWall)
Eu respiro profundamente, e sinto o ar frio encher o meu peito, lentamente. Seguro o celular entre os meus dedos para checar a hora. Falta apenas vinte e cinco minutos para acabar o horário de visitas. É chegada o tempo das últimas lembranças do terceiro dia.
Escuto a porta do 502 ser aberta, repentinamente. Viro o meu rosto em direção a entrada do quarto do hospital. Os meus olhos encontram uma pequena garotinha que está apoiada nas pontas do pé para alcançar a maçaneta.
– Oi. – É tudo o que ela diz para mim. Ela parece estar tão surpresa quanto a mim.
Aperto os meus olhos e, então, lembro-me que foi esta mesma garota que acenou para mim no corredor do hospital, a mais ou menos uma hora atrás.
– Oi. – Ergo as minhas mãos para o alto, acenando de volta. Ela está perdida por aqui? Será que eu devo chamar uma enfermeira?
Ajusto o óculos em meu rosto, observando-a atentamente. O seu olho é um azul claro intenso, ao contrário do meu, que é azul escuro, quase se aproximando do castanho. Ela tem bochechas grandes com pequenas sardas espalhadas pelo seu rosto. A garota deve ter mais ou menos oito anos, e ela está usando um vestido lilás.
Mas o que me chamou a atenção não foi o seu rosto ingênuo e angelical. O que me chamou a atenção foi o seu cabelo, ou melhor, a ausência dele. A sua cabeça está perfeitamente lisa, e ela ao menos possuí sobrancelhas, bom, pelo menos eu não as vejo daqui. Em seu pulso há uma pulseira amarela. E em sua outra mão há um pequeno acesso fechado, aguardando as futuras passagens de medicamento ou de soro. Há, também, um curativo na veia do seu braço.
A garotinha não está perdida. Ela é uma paciente do hospital, assim como Saturn.
– Eu sou a Violet. – Ela diz, quebrando o silêncio constrangedor do quarto 502. Violet lentamente solta a maçaneta e fecha a porta atrás de si mesma.
Lembro-me da lista de tarefas de Saturn. Lembro-me especialmente do décimo sétimo item: acompanhar o tratamento de Violet. Oh, então essa é a famosa Violet, uma antiga amiga de Saturn.
– Eu sou o Ocean. – Sorrio, tímido.
– Ora, eu sei quem é você. – Ela caminha até a cama onde Saturn está deitada e, então, com a ajuda de uma escada de 3 degraus que há por lá, sobe na cama, finalmente se sentando ao lado de Saturn. – Eu vejo você visitando ela todo dia. – Violet olha para mim. – E ela me falava bastante sobre você.
– Ah, é mesmo? – Arqueio as sobrancelhas, surpreso. O sorriso que espontaneamente alcança os meus lábios denuncia a felicidade que eu sinto ao saber que Saturn falava sobre mim para outras pessoas. Por um breve momento eu observo o corpo de Saturn repousado sobre a cama, imaginando como ela ficava quando falava sobre nós para a Violet. – E o que é que ela falava sobre mim?
– Ela falava tudo! Tudinho mesmo! – A garota rapidamente balança a cabeça para cima e para baixo, confirmando o que acabara de dizer. – Ela falava que você era muito, muito inteligente. E ela me falou que você sabe fazer vários tipos de conta, tipo um milhão mais mil e quarenta e dois! – Violet arregala os olhos, animada com a própria fala.
– Poxa, essa é uma conta muito difícil mesmo... – Ajusto o óculos em meu rosto enquanto finjo estar fazendo o cálculo nos dedos. – Mas acho que sei fazer.
– Uau. – Ela sussurra, baixinho, impressionada. Sorrio de lado com a sua reação. – Ah, e ela me contava tudo o que vocês faziam. Tipo o dia que você ensinou ela a andar de bicicleta. Achei muito legal que você cuidou dela quando ela caiu. – Violet balança a cabeça novamente. É adorável. – Ou então quando você explicou como os raios acontecem. Ah! E ela me contou que você disse que nós somos feitos de estrelas brilhantes.
Feitos de estrelas brilhantes? Aperto os meus olhos, tentando lembrar quando foi que eu falei sobre isso com a Saturn e... Ah! Instantaneamente sinto as minhas bochechas queimarem em meu rosto ao lembrar daquele dia. Até que ponto Saturn contou sobre aquilo? Até que ponto ela detalhou aquele momento para Violet?
– Ela gostava muito de te ouvir falar, Ocean. Muito mesmo. – Violet diz, inclinando a cabeça para o lado e, então, olha para o corpo de Saturn. Ela pensa por um momento antes de continuar a sua fala. – Acho que ela ainda gosta de te ouvir falar. – Vejo-a respirar fundo. Violet volta a olhar para mim. – Você acha que ela pode ouvir a gente?
– Eu... – Desvio os meus olhos para o rosto sereno de Saturn. Mordo os lábios antes de enfim responder. – Eu espero que sim, Violet. Sabe, algumas pessoas podem ouvir o que acontece ao seu redor quando estão em coma.
– Eu espero que a Saturn seja uma dessas pessoas. – Escuto ela sussurrar para si mesma.
– Eu também, Violet. – Digo, sincero. – Eu também. – Suspiro fracamente.
Espero que Saturn escute todas as nossas lembranças. Espero que ela escute todas as nossas histórias. Espero que todas as nossas memórias estejam a ajudando, de alguma forma. Espero que ela se lembre de nós quando acordar, que se lembre de tudo o que passamos juntos.
– A Saturn é a pessoa mais legal que eu conheço. E olha que eu conheço bastante gente. Aposto que logo logo ela vai estar bem de novo. – Um inocente sorriso preenche o rosto de Violet.
Sorrio de volta, minimamente. Volto a minha atenção para o rosto de Saturn. Céus, como eu espero que Violet esteja certa. Como eu espero que ela fique bem de novo, que acorde de novo. E como eu espero ter a esperança de Violet.
– Ocean, posso te contar um segredo? – Violet também está olhando para a Saturn, e parece um pouco distante. Observo que a garota cruzou as pernas e, então, ela apoia o rosto sobre as mãos, aguardando a minha resposta.
– Pode. – Aproximo-me dela. E agora é eu quem a espera.
– Jura juradinho que não vai contar para a Saturn? – Violet sussurra tão baixo que sou obrigado a inclinar os meus ouvidos em direção a ela. A garotinha encara o fundo dos meus olhos.
Mordo os lábios, segurando a vontade de sorrir com a cena. Violet era muito parecida com a minha irmã, Sea, que também adora contar segredos e fazer promessas de silêncio.
– Juro juradinho.
– Ok. – Ela desvia o olhar e volta a sua atenção para o corpo de Saturn ao seu lado. – Sabe, as vezes a Saturn me trazia violetas quando vinha me visitar... E eu achava muito legal.
Aperto os meus olhos para Violet enquanto inclino a minha cabeça para o lado, não entendendo como isso pode ser considerado um segredo. Quer dizer, Saturn definitivamente sabia daquilo. Afinal, o "segredo" envolve a própria Saturn.
– Mas... – Violet voltou a falar, como se lesse a interrogação estampada em meu rosto. Oh, então há uma continuação. – Mas o que a Saturn não sabe é que... margarida é a minha flor preferida. – Ela sussurra a última parte.
Coloco as mãos no bolso da minha calça e dou um passo para trás, fingindo estar muito surpreso após ouvir o maior segredo do universo.
– Sabe, eu gosto de violetas. E eu gostava das violetas que ela me trazia, Ocean. – Violet começa a se explicar. Ela mexe as mãos ansiosamente a cada nova palavra que sai da sua boca. – Mas elas não são as minhas flores preferidas e... poxa... eu nunca ganhei margaridas.
– Margaridas, então? – Falo calmamente. Repouso a minha mão em seu ombro, acalmando a garotinha. – Vou me lembrar disso. Acho que vi margaridas aqui por perto.
Violet olha para mim, um pouco mais aliviada por eu não julgar o seu pequeno segredo.
– Eu nunca contei isso para ela. Fiquei com medo dela ficar triste comigo... E eu não queria magoar a Saturn, entende?
– Aposto que ela não ia ficar magoada com você, Violet. – Sorri. – Aposto que ela ia te trazer um milhão de margaridas se soubesse disso. – Os meus olhos repousam sobre o rosto de Saturn mais uma vez naquela noite. – Porque a Saturn é assim...
– Você acha mesmo? – Violet pergunta. Balanço a cabeça em afirmação e ela sorri, feliz. – E qual é o seu segredo, Ocean?
– O meu segredo? – Mordo os meus lábios enquanto observo atentamente todos os fios conectados a Saturn. Enquanto escuto a barulhenta máquina monitorar os seus batimentos cardíacos. – Bom, deixe-me pensar...
Balanço a minha cabeça, lembrando-me da última memória que contei a Saturn. Da memória em que ela me disse que voltaria a praticar ballet em um antigo galpão. Da memória em que eu terminei a noite pedindo para vê-la dançar. Da memória em que ela se desviou da minha pergunta.
E foi então que eu lembrei. Lembrei que semanas depois daquela noite eu vi algo que Saturn não sabe. Bom, pelo menos não sabe até hoje.
– Eu já a vi dançar. – Desabafo pela primeira vez em voz alta. – Sem que ela soubesse. – Completo.
– Sério? – Violet arregala os olhos e, então, junta as mãos, animada. – Conta! Conta! Conta! Como foi?
– Certo... – Não posso evitar o pequeno sorriso que nasce em meu rosto, feliz em ver a nítida e palpável animação de Violet.
Sento-me sobre a poltrona ao lado da cama de Saturn, respirando profundamente, preparando-me para contar uma memória pessoal e, de certa forma, íntima para a Violet. Ajusto o óculos em meu rosto, escolhendo as palavras certas e o momento ideal para iniciar o conto do meu segredo.
Violet está me olhando com devota atenção, apenas aguardando o início da minha história.
Lembro que eu havia acabado de sair da cafeteria onde costumava estudar. Eu gostava de ir para lá porque era um lugar calmo, com bons chás ingleses e chineses que era difícil encontrar pela região e que particularmente são os melhores que já provei; além de possuir um beaver tail e um brownie delicioso, que eu adorava comer após terminar uma lista de exercícios da universidade.
Os meus braços estavam ocupados com as folhas que eu havia usado para fazer os cálculos do dia. Os quatro livros que eu havia pegado da biblioteca da universidade pesavam em minha mochila. Sim, eu agora usava mochila para ir à cafeteria usar. Afinal, eu havia aprendido a lição com a chuva.
– A Saturn me contou sobre a noite da chuva. – Violet fala um pouco alto, parecendo estar muito animada em saber do detalhe que eu havia ocultado. Arqueio as sobrancelhas, surpreso, e ela continua a falar. – Ela me disse que vocês ficaram na casa da senhora Watson. A senhora Watson é bem legal, eu gosto bastante dela. Ela é muito engraçada. A senhora Watson faz fisioterapia aqui no hospital. – A garotinha diz apressadamente. – Continua a história!
Rio com a sua empolgação palpável.
Uma das folhas escapou dos meus dedos enquanto eu andava no caminho de volta para os alojamentos da faculdade. O sopro frio do vento daquela noite a empurrou para alguns metros de mim, e eu sussurrei um xingamento para o universo, impaciente e nervoso. Ao me abaixar para pegá-la, reparei que a luz de um antigo estúdio de dança infantil estava acessa. O lugar estava abandonado a mais ou menos um ano, e eu sabia daquilo por passar em frente a ele toda semana. Afinal, aquele estúdio ficava no caminho para a cafeteria.
O letreiro do lugar estava gasto pelo tempo e a iluminação da placa que dizia Escola de Ballet Infantil estava totalmente desligada. Na porta de vidro havia a mesma placa antiga escrito "fechado". Lembro de ajustar o óculos em meu rosto, curioso com tudo aquilo. A luz do lugar não era acessa há um ano. E foi exatamente neste momento que eu a vi, Violet.
Eu estava em pé na calçada, do outro lado da rua. Mas eu conseguia vê-la através da parede de vidro empoeirado do estúdio de dança. A Saturn estava sentada sobre um banco de madeira, onde as crianças costumavam apoiar as suas mochilas.
Eu pensei em chamá-la mas, por algum motivo, eu continuei ali, em pé, completamente parado. Acredito que parte de mim estava curioso para assisti-la dançar. Acredito que parte de mim estava ansioso para ver o motivo que levou Saturn a ganhar todos os seus velhos troféus. Parte de mim queria ver o que ela havia abandonado. E entender o que a fez abandonar a dança.
A Saturn estava colocando as sapatilhas rosas em seu pé, entrelaçando o fita em sua perna. Lembro de reparar demoradamente em sua roupa. Saturn usava uma meia calça clara e um collant rosa, que combinava com a cor da sua sapatilha.
Ela se levantou e, então, encarou o próprio reflexo por longos segundos através da parede espelhada a sua frente. Saturn analisava os ossos aparentes em seu ombro, analisava os próprios braços e as próprias pernas através do grande espelho. Eu a vi respirar profundamente, parecendo estar cansada da própria imagem, o que era triste.
Saturn voltou ao banco de madeira e vestiu um fino casaco rosado, usado no ballet no inverno, para cobrir os seus ombros e os seus braços. Além disso, ela colocou uma calça leve e folgada, também usada na dança, para esconder o contorno da própria perna.
Lembro de me perguntar se aquilo era, de alguma maneira, influência de Christopher.
Ela voltou a ficar em pé, e observou o seu reflexo estampado sobre o espelho mais uma vez. O seu peito subiu e desceu algumas vezes enquanto ela respirava profundamente. Notei que ela disfarçadamente passou a palma da mão sobre o rosto, fazendo-me imaginar que ela havia limpado uma lágrima.
Saturn apoiou as mãos em seus curtos e ondulados cabelos cor de mel, e ali demorou mais longos e eternos segundos. O seu peito subia e descia muito mais rápido naquele momento. Parecia que ela estava criando coragem para fazer algo.
Foi quando Saturn, num rápido e súbito movimento, retirou a peruca que tanto usava.
Lembro de ficar completamente imóvel. Sem ao menos conseguir expressar qualquer reação enquanto os meus pensamentos fervilhavam dentro da minha mente. Por que Saturn não tinha qualquer cabelo em sua cabeça? Saturn estava doente? Será que isso justificava todas as suas idas ao hospital? Será que isso justificava o sangue que escorria do seu nariz? Será que isso justificava o porquê ela passou o feriado de Ação de Graças longe da própria família? Será que era por isso que ela fazia tantos exames? Será que era por isso que a irmã dela havia perguntado como foi a sua última consulta? Será que isso a fez abandonar a dança? Todas essas perguntas preenchiam os meus pensamentos, deixando-me inquieto por respostas.
Por que ela escondia aquilo de todos? Por que ela escondia aquilo o tempo todo? Por que Saturn se escondia do mundo daquela forma?
Sabe, Violet, o meu grande erro naquela noite foi pensar demais. Para ser sincero, o meu erro sempre foi pensar demais. O meu erro sempre foi dar voz ao meu lado racional, que anseia por explicações lógicas e que me impedem de ver o que está bem a minha frente. A minha mente estava tão acelerada naquele momento, Violet, que eu mal fui capaz de perceber as inúmeras lágrimas que escorriam do rosto de Saturn.
E eu mal fui capaz de perceber o quanto se expor daquela forma, mesmo que sozinha num estúdio de dança abandonado, era difícil para ela.
O meu grande erro naquela noite foi gastar tempo demais processando a imagem da verdadeira Saturn, tentando juntar as poucas peças do quebra-cabeça que havia em minha mente. O meu grande erro naquela noite foi não a admirar o bastante, foi não a admirar do jeito que ela merecia ser admirada.
Porque, Violet, você deveria vê-la dançar. Deveria ter visto o jeito com que ela inclinou a cabeça para o lado assim que a música começou a ecoar do seu celular. Deveria ter visto o jeito com que ela fechou os olhos no momento em que a música começou a ecoar dentro dela. Deveria ter visto a graciosidade tomar conta de todo o seu corpo quando ela começou a movimentar os braços para o alto. Deveria ter visto o jeito com que os seus pés mal tocavam o chão empoeirado, o jeito que ela parecia flutuar sobre as velhas madeiras que revestiam o piso do estúdio. Deveria ter visto o jeito com que ela se movia sobre o lugar, como se conhecesse cada mísero canto dali, o jeito com que ela parecia leve, diferente de antes.
Deveria ter visto o jeito com que ela sorria a cada volta completada, deveria ter visto como ela não fazia questão alguma de conter o próprio sorriso. Deveria ter visto como ela parecia feliz por estar ali. Por estar dançando de novo, mesmo que sem plateia alguma para admirá-la ou para aplaudi-la. Deveria ter visto como ela parecia realizada. Como ela parecia estar finalmente completa.
Deveria ter visto o jeito com que o seu corpo se movia sobre o antigo salão, o jeito com que a poeira dançava ao seu redor. Deveria ter visto como ela de fato parecia ter nascido para fazer aquilo, para dançar.
Porque, Violet, ela merecia ser vista.
E o meu erro foi não dar a Saturn o que ela merecia. Porque ela merecia toda a minha admiração, na forma mais pura possível.
O meu erro foi não notar o quão adorável ela ficava ao se entregar a cada pequeno passo, a cada pequeno movimento, a cada pequeno momento. O meu erro foi não notar o quão absurdamente linda Saturn ficava ao se entregar daquela forma em algo que ela ama fazer. O meu erro foi não notar o quão absurdamente bela aquela garota era, e ainda é. O meu erro foi não notar o quão bonita Saturn era com o seu cabelo, e o quão absurdamente linda ela é sem ele.
O meu erro foi não conseguir admirar com perfeita atenção a sua essência, mesmo que por alguns minutos.
Porque, Violet, ela merecia ser admirada.
Porque ela é incrivelmente bela. Assim como você, Violet.
Ambas são incríveis a sua própria maneira. Ambas são lindas de um jeito completamente especial, e não precisam de um cabelo em suas cabeças para afirmar isso. Vocês não precisam, porque não é isso que define a beleza de vocês. Vocês não precisam serem comuns para serem consideradas belas. Porque ser incomum não significa ser feio. Ser incomum significa ser admirável de um jeito único e especial.
E vocês não precisam sentir vergonha da aparência de vocês. Não precisam se esconder do mundo, se esconder das pessoas por causa disso. Vocês não precisam se encaixar em um padrão. Porque você vocês são absolutamente lindas assim.
O meu erro foi não conseguir dizer tudo isso a ela naquela noite. O meu erro foi conter-me em meu próprio silêncio, preso e tomado por pensamentos vazios sobre as possíveis doenças que ela poderia ter. O meu erro foi não falar tudo isso quando ela claramente precisava ouvir essas palavras. E o meu erro permitiu que Saturn voltasse a se esconder, dia após dia.
Violet leva uma de suas mãos ao seu rosto para limpar uma de suas lágrimas que escorre ao lado da sua boca.
Levanto-me da poltrona, que está ao lado da cama de Saturn, e vou em direção à Violet, que está sozinha aos pés de Saturn. Ajusto o óculos em meu rosto enquanto respiro fundo ao vê-la chorar, baixinho.
– Violet, você é absolutamente linda. E, por favor, não deixe ninguém dizer o contrário. Não deixe ninguém a fazer duvidar desse fato. Não deixe ninguém a fazer acreditar que não é bonita. Você é extremamente forte. Você passou por muita coisa, você aguentou muita coisa. E ninguém, nem mesmo os médicos deste hospital, são capazes de compreender o que vocês passam todos os dias. Ninguém entende o quanto vocês precisam lutar contra as suas mentes para não se esquecerem que são bonitas. Ninguém entende a batalha que vocês passam todos os dias.
Suspiro pausadamente ao vê-la balançar a cabeça, devagar. Violet tenta sorrir para mim.
– E eu sinto muito se alguém, algum dia, fez vocês acreditarem que não são lindas dessa forma. Eu sinto muito que exista inúmeros Christopher pelo mundo. Porque existe inúmeros Christopher na vida de vocês, que a fazem se esconder do mundo inteiro do jeito que Saturn fazia. Eu sinto muito por vocês se esconderem diariamente só porque existem pessoas cruéis no mundo, porque essas pessoas insistem em falar da aparência de vocês. Eu sinto muito se alguém usou palavras para machucar vocês. Mas, Violet, você é incrivelmente linda. Você é admiravelmente linda assim.
Noto que inúmeras lágrimas estão escorrendo por entre as suas sardas marrons, descendo por toda a extensão do seu pequeno rosto. Quando Violet escondeu o seu rosto entre as suas mãos, aproximei-me ainda mais dela, envolvendo o seu corpo entre os meus braços.
Fecho os meus olhos e sinto o ar entrar em meu peito. Céus, como eu gostaria de ter tido coragem suficiente para dizer tudo isso em voz alta para a Saturn naquela noite. Como eu gostaria de ter entrado naquele estúdio de dança abandonado só para poder abraçá-la dessa forma.
– Violet? – A porta do quarto 502 é abruptamente aberta por uma enfermeira baixinha, de cabelos compridos. – O que faz aqui? Estávamos procurando por você.
Violet levanta a cabeça para cima, tentando enxergar a porta. Afasto-me dela para, então, prestar atenção no semblante da enfermeira. Ela parece estar nervosa. Muito nervosa.
– Venha, está na hora de voltar para o seu quarto. – Ela vira o rosto para mim e aperta os olhos. Vejo que ela observa discretamente o relógio de pulso em seu braço. – E você? É algum familiar de Saturn? Caso não seja, o horário de visitas acaba em cinco minutos para você.
A menina de sardas e olho azul limpa o rosto com as palmas da mão e respira fundo. Antes mesmo de atravessar a porta para seguir a enfermeira, Violet toca delicadamente em sua pulseira amarela presa em seu pulso. Em seguida ela se vira para mim, uma última vez naquele dia.
– A Saturn estava certa sobre você. Em cada palavrinha. – A pequena sussurra com um tímido sorriso no rosto. – Obrigada, Ocean.
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